O presidente da República, Jair Bolsonaro, realiza nesta semana a viagem mais instigante do seu mandato: se deslocar para Moscou durante uma crise geopolítica entre a Rússia e a Ucrânia. A iniciativa de atravessar o continente latino-americano em direção à maior crise de segurança da Europa em décadas desperta algumas interrogações, não somente dos brasileiros, mas também uma curiosidade sobre os olhares internacionais. Diante da nítida intenção e empenho do presidente da Rússia em promover uma invasão ao país vizinho a qualquer instante, líderes políticos de todo o mundo enxergam nessa aproximação do chefe de estado brasileiro, uma oportunidade para amenizar a situação.
O encontro também teria o papel de declarar o posicionamento negativo do Brasil em relação ao conflito. Neste cenário, já em território europeu, Bolsonaro declarou em coletiva de imprensa nesta quarta-feira (16) acreditar estar direcionando o presidente russo para um caminho pacífico. “Por coincidência ou não, parte das tropas deixaram a fronteira após nossa chegada e, pelo que tudo indica que o caminho para a solução pacífica se apresenta para a Rússia e a Ucrânia”, disse a autoridade brasileira. Em entrevista à BP Money, Emanuel Pessoa, advogado especializado em Direito Econômico Internacional, esclarece outros interesses diplomáticos que envolvem a viagem.
MOTIVOS DA VIAGEM
À primeira instância, ao analisar a ida do presidente à Rússia, há um interesse em ampliar o comércio bilateral, tendo o fertilizante como o segmento de principal relevância para o brasileiro. O produto é de extrema importância para o Brasil e por este motivo as suas importações são muito altas. Cerca de um quarto dos fertilizantes importados pelo Brasil em 2021 vieram da Rússia, o que representa 22% dos 41,6 milhões de toneladas, no total de US$ 15 bilhões, além de US$ 3,5 bilhões gastos no mercado russo.
“O Brasil é um país altamente dependente de fertilizante do exterior, nossa produção agrícola depende muito deste suprimento externo. Se amanhã, por exemplo, a Rússia resolver que não vende mais fertilizantes para o Brasil, teremos uma redução muito grande da produção agrícola, porque 24% dos fertilizantes do país vem da Rússia e 6% da Bielorrússia, governo do Lukashenko, que é extremamente aliado ao governo de Moscou”, afirma o especialista mestre em Direito pela Harvard Law School.
Nesta quarta-feira (16), Jair Bolsonaro e Vladimir Putin se reuniram na capital russa para realizar um pronunciamento em conjunto destacando o interesse em ampliar a parceria comercial entre os países sobre o suprimento de fertilizantes para o agronegócio brasileiro
“A ideia da viagem é conseguir a oferta de fertilizante no Brasil para baratear os custos do produto e, com isso, conseguir reduzir o preço da comida, pois os fertilizantes são insumos muito caros, no que diz respeito à produção agrícola nacional. Então, ao passo que se atinge a redução do custo de fertilizante, se consegue diminuir a precificação dos alimentos e, por sua vez, encolhe-se o preço de custo para exportação, aumentando a oferta de dólares líquidos no Brasil”, explica Emanuel Pessoa.
Ele pondera, no entanto, que apesar da escolha do momento de realizar a viagem talvez não pareça a ocasião mais estratégica, ao mesmo tempo, é possível notar a intenção de Bolsonaro. Evidentemente, não haveria como o russo ou o brasileiro saberem que esta seria uma semana tão decisiva na história recente da Europa, mas há uma questão de política internacional que deve ser evidenciada.
De acordo com o especialista, embora “o time da viagem seja ruim, do ponto de vista de irritar nosso aliados”, uma vez que houve uma sequência de recados por parte dos Estados Unidos contra esta movimentação, “é interessante para o presidente Putin que um país grande do ocidente o prestigie nesse momento”, argumenta o advogado especializado em Direito Econômico Internacional e acrescenta: “é complicado o time, mas ao mesmo tempo tem esse lado que, justamente este fator de prestigiar as nações russas, pode torná-lo mais suscetível a atender a demanda brasileira”.
Para além da agricultura, examinando de maneira mais profunda o encontro do país sul-americano com o europeu, os chefes de estados devem tocar em mais temas como biotecnologia, tecnologia da informação e energia. Emanuel Pessoa salienta um aspecto pouco percebido sobre o encontro, “o Brasil está lá por uma questão industrial militar”. Ele lembra que houve uma reunião entre os chefes da pasta de relações internacionais e o ministério da defesa. “Isso é muito indicativo de que existe uma movimentação do setor militar, do contrário eles [os ministros de relações internacionais e defesa] não fariam a reunião com os quatro juntos, seria separado”, avalia.
“O setor bélico industrial brasileiro é um grande importador de armas dos Estados Unidos e da Europa ocidental, é evidente que a Rússia é um dos principais produtores de tecnologia bélica do mundo. Desta vez temos um forte encontro bilateral de ministros. Uma reunião conjunta de ministros internacionais e da defesa de ambos os países”, explicou.
“Existe sim uma intenção brasileira em fortalecer laços de cooperação bélico-industrial com a Rússia. O país russo está mais disposto a transferir tecnologia, já que eles tem mais limitação de mercado e por isso, teriam mais flexibilidade na transferência de tecnologia do que os nossos parceiros ocidentais. As indústrias bélicas são responsáveis por inovações como microondas, internet, que foram desenvolvidas em projetos financiados pelo Pentágono de ares militares e que tais descobertas, de certa forma, impulsionam a economia”, concluiu o advogado.