
O agronegócio brasileiro está vivendo uma revolução silenciosa. A transição do campo para o digital vem mudando a lógica dos negócios e criando uma nova economia rural, mais conectada, eficiente e orientada por dados. Tenho acompanhado de perto essa transformação, que ocorre em diferentes estágios dentro da rotina do produtor rural.
O primeiro estágio é o que chamo de digitalização dentro da porteira: o uso de ferramentas digitais voltadas para o manejo e a produção agrícola. Tecnologias como agricultura de precisão, softwares de monitoramento para a lavoura e plataformas agronômicas já estão consolidadas e ajudam o produtor a plantar, aplicar e colher com mais eficiência. Essa é, sem dúvida, a frente mais difundida da digitalização no campo, com produtores que já adotam soluções em larga escala para melhorar produtividade e tomada de decisão.
A segunda onda diz respeito à gestão e administração das fazendas. Cada vez mais, o produtor está se comportando como gestor de uma empresa: usa softwares de ERP, faz controle financeiro e acompanha indicadores de desempenho de forma digital. É a digitalização que permite que o produtor rural enxergue seu negócio de forma estratégica, integrando dados e ganhando previsibilidade sobre o resultado da safra.
E a terceira — e talvez mais promissora — é a digitalização da comercialização. É aqui que vejo o maior potencial de transformação nos próximos anos. Plataformas digitais vêm permitindo que o produtor pesquise preços, compre insumos e comercialize commodities de forma mais rápida, segura e transparente. Essa é uma fase ainda em expansão, mas que tende a crescer exponencialmente à medida que o produtor se habitua ao ambiente digital e percebe as vantagens comerciais que ele oferece.
A conectividade é o elemento que sustenta essa nova realidade. Ela permite que produtores e fornecedores se relacionem com mais qualidade, eliminando o tempo gasto em interações puramente transacionais. Hoje, o produtor pode cotar produtos, formalizar pedidos e acompanhar entregas de forma totalmente online — o que libera espaço para relações mais consultivas e estratégicas. Esse movimento, no entanto, impõe um desafio importante para distribuidores, indústrias e cooperativas: reinventar o papel das equipes de vendas. O valor da interação humana precisa ir além da transação; deve estar na entrega de conhecimento, serviço e suporte técnico qualificado.
Mas há também desafios à adoção da tecnologia. Nenhuma inovação se sustenta por si só — ela precisa gerar valor tangível.. No campo, onde as relações presenciais são fortes e a rotina segue o ritmo das safras, a tecnologia só se consolida quando oferece benefícios claros, seja em tempo, comodidade ou custo. O produtor não adota tecnologia “por tecnologia”: ele a adota porque vê vantagem prática em usá-la.
E a tecnologia, dentro do contexto de contribuição para uma nova economia rural, está bem conectada na redução de custos. É onde a digitalização tem seu maior impacto. Isso porque estamos diante de um momento em que os portfólios de insumos e defensivos, sejam eles químicos ou biológicos, passam por um processo de comoditização — o que significa margens mais apertadas para toda a cadeia. Nesse cenário, a eficiência operacional se torna uma questão de sobrevivência. A tecnologia e os marketplaces digitais surgem como caminhos naturais para reduzir custos de transação, tornando as compras, vendas e financiamentos mais ágeis e econômicas se comparados às formas tradicionais do mercado.
Ao permitir que uma indústria chegue ao produtor por meio de canais digitais mais econômicos, a digitalização reduz custos logísticos, amplia o acesso à informação e, ao mesmo tempo, devolve competitividade ao produtor. Além disso, o uso de dados pode personalizar linhas de crédito e seguros agrícolas, adequando taxas e condições à realidade de cada propriedade — algo que era impensável há poucos anos.
Estamos, portanto, diante de uma reacomodação estrutural do mercado agrícola. As commodities têm seus preços limitados, os custos de produção estão mais altos e a margem de rentabilidade tende a diminuir. Nesse contexto, a digitalização é o fator que pode equilibrar essa equação — não apenas conectando o campo ao digital, mas tornando as transações mais eficientes e os negócios mais sustentáveis do ponto de vista econômico.
Em resumo, acredito que o futuro do agronegócio brasileiro será cada vez mais guiado por dados, eficiência e integração. A digitalização não é apenas uma tendência tecnológica; é a base sobre a qual se ergue a nova economia rura
Formado em Processamento de Dados pela Universidade Mackenzie com MBA em Marketing pela ESPM e Alumini da Harvard Business School pelo AMP206, Ivan Moreno, CEO da Orbia, possui sólida experiência no agronegócio e passagem por várias multinacionais do setor. Na Orbia é o responsável pela condução do negócio e implantação da estratégia em todos os setores da empresa. Em 2024, foi reconhecido como uma das 100 personalidades mais influentes do agronegócio brasileiro, na categoria Tecnologia, Pesquisa e Inovação, por meio de votação aberta e uma pesquisa de mercado, administrada pelo Conselho Editorial do Grupo Mídia.