Por Isabel Braga

A estratégia precisa ser boa para o consumidor, para o planeta e para os negócios

“Vivíamos em um mundo em que havia pessoas, cidadãos privados, e, agora, vivemos em um mundo em que pessoas podem se tornar negócios em 60 segundos”. (Brian Chesky, fundador do Airbnb)

Foto: unsplash
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O modelo linear tradicional de “extrair, produzir, descartar”, gera grandes desperdícios em diversas áreas. No setor de moda, em que a produção de roupas cresceu drasticamente e o uso dessas peças diminuiu, essa situação é agravada pela pressão do fast fashion e pela crescente necessidade de práticas mais sustentáveis. As pessoas valorizam fazer bons negócios e querem se sentir recompensadas por suas escolhas que promovem a economia circular.

Para que uma startup faça um impacto real, é necessário primeiro ter um modelo de negócios forte que permita seu crescimento. O capitalismo crowd-based e a economia compartilhada podem ser a solução para construir modelos de negócios de sucesso para a próxima geração e, para tal, pensar na economia compartilhada como uma ideia e não como um conjunto fixo de soluções é fundamental. Não se trata de uma tendência passageira ou de uma nova tecnologia brilhante que pode ser substituída em poucos anos; é, na verdade, uma perspectiva. A economia compartilhada é o ingrediente mais potente para muitas startups de sucesso hoje. 

Vivemos em um mundo em que os recursos são finitos, mas nosso desejo é infinito. Além disso, as economias de escala têm limitações; elas podem alcançar um certo ponto, mas não vão além. Hoje, tudo está ficando mais caro e menos acessível, um dos grandes problemas do capitalismo. É aqui que o capitalismo crowd-based, ou seja, essa visão de economia compartilhada, entra. 

Este modelo se baseia no acesso, em vez de posse, permitindo que as pessoas usem recursos (como carros, casas ou roupas) apenas quando necessário. Ao aproveitar plataformas tecnológicas, indivíduos podem alugar, emprestar ou compartilhar ativos, o que otimiza o uso, economiza custos e minimiza o impacto ambiental. 

Só o mercado de revenda de vestuário e acessórios está projetado para alcançar aproximadamente US$350 bilhões até 2025. Esse crescimento significativo reflete o aumento do interesse dos consumidores por práticas sustentáveis, a ascensão das compras de segunda mão e a contínua expansão das plataformas de revenda online.

Marcas estão desenvolvendo programas para criar novas linhas de receita e gerar dados sobre sustentabilidade, visando rentabilidade e eficiência em suas produções. Operar no azul no mercado de recommerce online é um desafio, mas algumas empresas já alcançaram esse objetivo. Um exemplo é o da plataforma Nuuly, do grupo Urban Outfitters, que reportou seu primeiro lucro no terceiro trimestre de 2023, quatro anos após seu lançamento, com receita anual passando de USD 40 milhões.

O Walmart tem priorizado a colaboração com vendedores parceiros que valorizam o reuso e a reciclagem, em vez do descarte direto. A empresa iniciou um piloto de marketplace para produtos de segunda mão, que recebeu feedback positivo dos clientes. Assim, lançou oficialmente o marketplace “Resold at Walmart”, que inclui produtos usados de categorias como vestuário, artigos esportivos e colecionáveis. Jerome Del Porto, chefe de sustentabilidade corporativa do Walmart, afirmou: “Em menos de um ano, temos cerca de 5 milhões de produtos neste marketplace, fornecidos por cerca de 1,5 mil vendedores. Isso nos permite oferecer grande valor aos clientes e dar uma segunda vida a produtos ainda úteis.”

No mercado de vestuário, Neil Saunders, analista de varejo da GlobalData, observa que a “normalização do comportamento” pós-pandemia impulsionou a demanda por aluguéis, especialmente para produtos mais caros que as pessoas preferem alugar em vez de comprar. O aluguel oferece uma solução econômica para renovar o guarda-roupa, especialmente em tempos de pressões inflacionárias.

Na NRF 2025, líderes em sustentabilidade da IKEA, Target e Walmart discutiram esforços em educação, cultura, conscientização e engajamento de equipes e consumidores, abordando iniciativas que geram benefícios para todos envolvidos. Agata Ramallo Garcia, vice-presidente de sustentabilidade corporativa da Target, destacou que a circularidade e a sustentabilidade nem sempre estão entre as prioridades dos consumidores. Porém, tem um elemento importante aqui, segundo ela: “O que aprendemos é que, quando conseguimos alinhar uma solução ao que eles mais valorizam, como acessibilidade, conveniência e, claro, facilidade e qualidade, eles estão muito dispostos a abraçá-la.”

A economia circular pode promover um consumo mais inteligente, proporcionando acesso a itens de qualidade, melhor aproveitamento do que é produzido e um sentimento de leveza para quem consome. Adotar decisões de consumo mais conscientes empodera os consumidores, aumenta a eficiência dos mercados e promove a sustentabilidade. Esse movimento traz consequências positivas à medida que as empresas criam indicadores sobre o tema e são cobradas por seus stakeholders, criando novas formas de monetizar seus produtos. A produção de peças, muitas vezes, não considera projeções reais do que os consumidores realmente comprarão, resultando em sobras e descartes. Diversas marcas estão buscando modelos mais inteligentes, eficientes e alinhados às aspirações reais dos consumidores. 

Temos um longo caminho a percorrer, mas é um caminho sem volta. Quem está na corrida agora terá a capacidade de extrair valor, com tempo para errar, acertar e ajustar os ponteiros para o que vem por aí.

A economia circular está em pleno desenvolvimento e é um percurso de longa distância. Precisamos de infraestrutura, parcerias e um modelo de negócios que reconheça o potencial da circularidade. Soluções tecnológicas, como Caastle, Trove, Simple Consign e BoGo, estão abrindo caminhos para novos negócios e linhas de produto. Uma visão sistêmica da consignação, revenda e aluguel é crucial para novos entrantes no varejo. O espaço para inovação é vasto, permitindo que as marcas não apenas participem, mas prosperem em um mercado em rápida evolução.

Isabel Braga é fundadora da Bobags, plataforma tecnológica de aluguel e revenda de peças especiais e BoGo, empresa de Software As a Service (SaaS), que oferece e-commerce ampliado, englobando ferramentas para revenda, aluguel e assinatura.