
A noção de que certos vinhos seriam “de mulher” ainda persiste no mercado e na sociedade, sugerindo, ainda que indiretamente, que vinhos “de homem” teriam qualidade superior. No entanto, essa distinção está mais ligada a estereótipos do que à própria cultura do consumo de vinhos. A segmentação de bebidas por gênero tem raízes históricas profundas, influenciadas por normas sociais e culturais que associavam determinados tipos de bebidas a homens ou mulheres.
No século XIX, o consumo de bebidas alcoólicas estava intrinsecamente ligado às construções de masculinidade, especialmente entre as classes mais altas. As mulheres, por sua vez, tinham um papel social restrito, sendo frequentemente associado à esfera doméstica e à educação dos filhos, enquanto os homens dominavam o espaço público e as atividades comerciais, incluindo o consumo de bebidas mais fortes, como destilados e vinhos encorpados. A publicidade dessa época reforçava essa divisão: bebidas mais leves e doces eram vistas como adequadas ao “gosto feminino”, enquanto os vinhos encorpados e secos eram associados ao masculino, vinculado ao poder e à autoridade.
Esse modelo passou a ser questionado ao longo do século XX, período no qual o papel da mulher na sociedade começou a mudar gradualmente. As mulheres passaram a conquistar mais direitos e a ocupar novas posições sociais e profissionais, refletindo, também, no seu comportamento de consumo. A maior presença das mulheres em bares e restaurantes, tradicionalmente dominados por homens, é um exemplo claro dessa mudança.
Com a maior independência financeira e a conquista de novos espaços sociais, as mulheres começaram a ser mais vistas em ambientes onde o consumo de bebidas alcoólicas, especialmente vinhos e destilados, já era uma prática estabelecida entre os homens. Esse movimento tem sido uma forte indicação de que o consumo de vinho não tem mais uma identidade de gênero exclusiva, mas possui noções estereotipadas por conta de normas e convenções sociais.
Hoje, mais do que nunca, as mulheres desempenham um papel de destaque no mercado de vinhos, com preferências que vão além dos estereótipos antigos. As mulheres não apenas consomem vinho em grande escala, como também representam uma fatia expressiva do mercado.
De acordo com o estudo Male and Female Wine Drinkers – Are They Really That Different?, da Wine Business, as mulheres correspondem a 55% dos consumidores de vinho nos Estados Unidos, enquanto os homens representam 45%. A pesquisa também revela que, independentemente do gênero, as uvas preferidas para vinhos tintos são Cabernet Sauvignon e Merlot, enquanto, entre os brancos, o destaque é o Chardonnay. Embora as mulheres consumam mais White Zinfandel nos EUA, isso não significa uma preferência exclusiva, mas sim uma tendência a explorar uma maior diversidade de estilos. Este estudo também indicou que o consumo do vinho por mulheres inclui motivação social e para descontração, enquanto os homens tendem a se relacionar com o vinho de uma forma mais pragmática.
Já no Brasil, de acordo com a IWSR Brazil Wine Landscapes 2025, em 2024, as mulheres somaram 53% do mercado consumidor de vinhos, um aumento de 6% em relação ao ano de 2019. O acréscimo foi observado não apenas no montante final, mas também por faixa etária, com destaque para a população feminina entre 55 e 64 anos entre 2019 (14%) e 2024 (19%).
Esse crescimento também reflete uma mudança no perfil das consumidoras brasileiras. As mulheres que antes eram vistas como consumidoras ocasionais, passaram a se tornar protagonistas do mercado, e a faixa etária em destaque demonstra que a apreciação do vinho não é limitada a uma fase da vida, mas atravessa gerações e novos padrões sociais.
A pesquisa Equal, Sometimes Different, da Wine Intelligence, revelou que homens e mulheres possuem níveis semelhantes de conhecimento sobre vinho. No entanto, por influência cultural, os homens tendem a falar sobre o tema com mais confiança. Isso não significa que as mulheres saibam menos, mas sim que, culturalmente, os homens se sentem mais à vontade para expressar suas opiniões.
Além disso, num contexto global, este estudo indicou que mulheres estão muito mais dispostas a conhecer propostas de vinhos diferenciadas, como é o caso dos vinhos orgânicos ou os de produção sustentável. Também levantou evidências que mulheres são mais propensas a comprar vinhos elaborados por enólogas. Sem dúvidas, as mulheres estão se tornando mais ativas em espaços de aprendizado sobre vinhos, como cursos de degustação, palestras e workshops, fortalecendo seu conhecimento técnico e sua voz nesse mercado.
É interessante notar que a evolução do papel das mulheres no mercado de vinhos vai além da simples mudança de consumo, refletindo transformações culturais mais amplas, dentro das quais as barreiras de gênero começam a desaparecer. As mulheres não apenas desafiam os estereótipos sobre o que devem ou não consumir, mas também estão reescrevendo as narrativas do vinho, trazendo à tona novas abordagens, desde a preferência por vinhos orgânicos e sustentáveis até a crescente liderança feminina nas vinícolas.
No lugar de ver o vinho como uma bebida segmentada por gênero, o que se torna evidente é que ele é, passou a ser uma experiência cultural aberta a todos que apreciam sua riqueza, complexidade e história. À medida que mais mulheres ocupam posições de destaque nesse mercado, a indústria do vinho se torna ainda mais diversa, inclusiva e mais autêntica.