Por: Paulo Souto
O problema das desigualdades regionais, que existe em muitos países, é particularmente grave entre nós, onde o Nordeste desafia sucessivos governos, com seus indicadores econômicos e sociais muito abaixo daqueles das áreas mais desenvolvidas, e até da média nacional, contribuindo para que o Brasil seja um país socialmente injusto.
Claro que algumas políticas públicas bem articuladas podem reduzir essas disparidades, embora não faltem os críticos do que consideram medidas artificiais e sem sustentabilidade, ignorando a gravidade do problema. É doloroso ver, por exemplo, a paralisação de projetos de agricultura irrigada que, quando implantados, se tornaram polos de irradiação de desenvolvimento, a exemplo de Juazeiro/Petrolina.
O que seria agora imperdoável é perder oportunidades impulsionadas por vantagens naturais e competitivas da Região, ainda mais quando inseridas em um contexto que confere a essas vantagens uma posição destacada, mesmo a nível global. Os Governos atuais, federal e estaduais, têm a oportunidade ímpar de deflagrar um processo que pode contribuir muito fortemente para um importante salto no desenvolvimento nordestino.
Por capricho da natureza, justamente a área nordestina do semiárido, a cujas características climáticas tem sido atribuída parte considerável dos problemas da região, constitui-se hoje no mais importante polo de geração de energia elétrica sustentável do país, a partir das fontes eólica e solar.
Eis aí uma nova e grande oportunidade para o Nordeste, particularmente na Bahia, com seu grande potencial das energias renováveis, objeto de atenção mundial face às metas globais de redução de gases de efeito estufa, e seu impacto para as mudanças climáticas. É a chamada transição energética, considerada fundamental para o desenvolvimento futuro, sobretudo no setor industrial, mas também nos transportes e outros setores.
A energia eólica já participou, em 2022, com 13,4 % da matriz elétrica nacional, abaixo apenas da hidroelétrica, com 54,1%, e do gás natural com 17,4%; a solar com 7,2%.
O Nordeste representa 90% da energia eólica gerada no Brasil: dos 78TWh de energia eólica gerada no país, 70,4 são no Nordeste e 24,1 na Bahia, com ainda grande potencial de expansão.É impressionante que, no chamado Subsistema Nordeste,as energias eólica e solarjá tornam a Região autossuficiente!
O grande desafio é identificar qual a melhor forma de aproveitar toda essa energia e utilizá-la em favor do desenvolvimentoda região produtora. Numa linguagem mais direta: é indispensável que políticas públicas governamentais tornem o aproveitamento dessa energia fator de desenvolvimento para o Nordeste.
O Brasil não pode deixar passar essa oportunidade de desenvolver a região nordestina. E seguramente, a exportação dessa energia para as áreas já desenvolvidas não parece indicar um bom caminho. Em um país aonde as desigualdades não fossem tão fortes, esse assunto certamente não seria cogitado, mas seguramente este não é o caso do Brasil. A Bahia, por exemplo, tem uma grande área de expansão agrícola e industrial que não se concretiza há mais de 10 anos por falta de energia elétrica!
Acabam, no entanto, de ser leiloadas novas linhas de transmissão, cujo objetivo principal será transportar a energia produzida no Nordeste para as regiões mais ricas do país. Paralelamente, é urgente e indispensável a formulação de uma política que contemple as regiões produtoras com o aproveitamento industrial desse insumo essencial.
Até porque a produção de energia não traz sequer algum benefício tributário. Ao contrário, a tributação privilegia o destino, ou seja, onde a energia é consumida. Nem mesmo os royalties, que compensam as unidades federativas que produzem petróleo ou energia hidroelétrica, existem para as energias eólica e solar. Por analogia, deveriam ser adotados.
A utilização das energias renováveis na própria região é a grande oportunidade do Século para mudar o perfil econômico do Nordeste.
A produção do chamado hidrogênio verde, usando as energias renováveis não apenas como mais um vetor de energia, mas como um importante insumo industrial, por exemplo, para a produção de amônia e fertilizantes nitrogenados, é apenas uma das imensas possibilidades de uma revolução industrial, voltada também para a descarbonização, destinada a tornar nossa indústria mais competitiva. A escala possível é de tal ordem que poderíamos ter na Bahia um salto qualitativo talvez maior que aquele provocado pela chegada do Polo Petroquímico.
Os governos estaduais precisam se unir e fazer desse objetivo um grande movimento em favor do Nordeste, como foi a luta pela indústria automobilística.O Governo Federal, por sua vez, tem nas mãos uma grande chance e ela poderia vir a representar, inclusive, uma justa compensação pela retirada dos incentivos estaduais, embutida na reforma tributária.
Para um governo ungido pelo Nordeste, aí está a oportunidade histórica de transformar a Região.
Paulo Souto é geólogo. Foi governador da Bahia, senador da República e superintendente da SUDENE.