Por Bruno de Barros, sócio da Durães e Barros Advogados

Leão XIII moldou o direito do trabalho na revolução industrial: qual será o legado social de Leão XIV em meio à revolução digital?

O contexto atual é desafiador e emblemático. O mundo vive uma transformação acelerada nas relações de trabalho, marcada pela digitalização

Foto: Reprodução
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A escolha do nome Leão XIV pelo novo Papa resgata, de forma contundente, uma das encíclicas mais marcantes da história da Igreja Católica: Rerum Novarum, publicada por Leão XIII em 1891. Considerada a gênese da Doutrina Social da Igreja, a carta encíclica trouxe para o centro do debate temas como a dignidade do trabalhador, justiça social, papel do Estado e equilíbrio entre capital e trabalho.

O contexto atual é desafiador e emblemático. O mundo vive uma transformação acelerada nas relações de trabalho, marcada pela digitalização, informalidade, gig economy e por uma crescente precarização de vínculos empregatícios. Nesse cenário, o gesto simbólico do novo pontífice em adotar o nome de Leão XIII vai além de uma homenagem histórica — ele pode representar um reposicionamento político, filosófico e espiritual da Igreja diante das urgências sociais contemporâneas.

Se, no século XIX, a Igreja precisou se posicionar frente aos efeitos da Revolução Industrial, hoje os desafios são outros, mas não menos urgentes. Desigualdade de renda, migrações forçadas, exploração de mão de obra em cadeias produtivas globais e o avanço da inteligência artificial sobre postos de trabalho colocam em xeque antigos paradigmas jurídicos e exigem uma nova pactuação entre fé, economia e dignidade humana.

Repercussões jurídicas e sociais de um novo olhar da Igreja sobre o trabalho

Embora o Papa não exerça papel político direto na formulação de leis, sua liderança moral pode influenciar decisões políticas, debates legislativos e políticas públicas, especialmente em países cuja legislação laboral ainda é marcada pela inspiração cristã, como é o caso do Brasil. A escolha do nome Leão XIV pode funcionar como catalisador de reflexões mais profundas sobre a proteção ao trabalhador e sobre os limites éticos da atividade econômica.

Organizações da sociedade civil, sindicatos, juristas e movimentos sociais podem se sentir encorajados a reabrir debates sobre jornada de trabalho, remuneração justa, responsabilidade das empresas na manutenção de empregos de qualidade e respeito aos direitos fundamentais nas relações laborais. A Igreja, ao se recolocar como protagonista moral nesse debate, contribui para a consolidação de um discurso ético que transcende ideologias.

Diálogo com empresas: ESG, compliance e responsabilidade social

Para o setor empresarial, esse movimento é um lembrete de que não basta cumprir a lei. A sustentabilidade das relações de trabalho também está no campo da legitimidade ética. Empresas que desejam manter sua relevância e competitividade em um mercado global precisam ir além da lógica do lucro imediato.

A valorização do trabalho digno, o investimento em políticas de diversidade e inclusão, e o respeito aos direitos sociais devem estar no centro da governança corporativa — não apenas como parte de uma agenda ESG formal, mas como valores reais e incorporados à cultura empresarial.

A atuação de departamentos jurídicos e escritórios de advocacia precisa acompanhar essa mudança de paradigma. Contratos de trabalho, políticas internas, programas de integridade e ações trabalhistas devem refletir esse novo momento, alinhando-se a princípios de equidade, proteção e respeito à dignidade humana.

Conexão entre fé, direito e transformação social

Não se trata de uma sobreposição entre religião e direito, mas da compreensão de que a construção de um ambiente de trabalho mais justo passa, inevitavelmente, por fundamentos éticos. E é inegável que a Doutrina Social da Igreja tem sido, historicamente, uma importante base de reflexão para muitos marcos jurídicos nas legislações ocidentais.

A escolha do nome Leão XIV pode marcar um novo ciclo de diálogo entre fé e justiça social, provocando reflexões importantes sobre o papel de cada agente — Estado, empresas, sociedade civil e cidadãos — na construção de um futuro do trabalho mais humano.

*Advogado e pós-graduado em Direito Civil e Empresarial pela PUC-PR, Bruno é também especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo CERS. Com extensão universitária pela Universidade do Porto – Portugal, foi Procurador concursado do Município de Matinhos (PR) e é inscrito na OAB/PR e OAB/SP. Possui ampla experiência na advocacia empresarial, trabalhista e imobiliária, tanto na esfera consultiva quanto contenciosa, atuando em todos os graus de jurisdição.