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Luiz Fiction

O nome do filme? Luiz Fiction. Dirigido por um Estado com síndrome de Estocolmo e trilha sonora em dó maior

Imagem gerada por IA
Imagem gerada por IA

Era uma manhã ensolarada em Brasília. O café quente, a pauta fria e o sistema… analógico.

Enquanto o mundo digitaliza, descentraliza e tokeniza, o governo federal decide abrir uma nova licitação para rastrear criptomoedas em 15 capitais do país. O nome do filme? Luiz Fiction. Dirigido por um Estado com síndrome de Estocolmo e trilha sonora em dó maior.

Entra em cena um edital milionário. Nada modesto. O roteiro da vez?
Contratar uma empresa especializada para montar uma estrutura de “monitoramento transacional e comportamental” de criptomoedas. Tradução livre: alguém que consiga colar etiquetas de preço em fantasmas e obrigar Satoshi a apresentar o CPF na portaria.

O objetivo declarado é nobre: combater crimes como lavagem de dinheiro, tráfico e financiamento de atividades ilegais. Até aí, tudo justo. Mas a licitação — comandada pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), braço do Ministério da Justiça — se esquece de um detalhe técnico relevante: blockchains públicas já são, por definição, rastreáveis. Toda transação de Bitcoin, Ethereum e boa parte dos tokens está registrada em livro-razão aberto, auditável e eterno. A complexidade está não em ver, mas em correlacionar, interpretar e entender o que se vê.

E é aí que o Estado quer subir o nível do jogo — ou ao menos parecer que está jogando. A ferramenta exigida pelo edital não se contenta com o básico. Ela deve ser capaz de identificar endereços IP, localizar o usuário por cidade e país e cruzar essas informações com os endereços das carteiras de criptoativos. Além disso, precisa possibilitar consultas e correlações de dados complexas, construindo linhas narrativas dignas de um Tarantino fiscal: rastrear conexões, seguir o dinheiro e conectar pessoas a crimes antes que a blockchain feche o bloco. Um recurso que, segundo o governo, será essencial no combate à lavagem de dinheiro, fraudes e financiamento ao crime organizado — mas que, nas mãos erradas, pode virar apenas mais um colírio autoritário pingando em nome da ordem.

Se fosse um personagem de Tarantino, o governo seria o Vincent Vega: tentando parecer descolado, mas sempre um passo atrás, limpando o carro sujo com um pano inútil e perguntando onde foi que tudo deu errado.
E nesse universo paralelo de Luiz Fiction, quem entra pela porta da frente com um milkshake de 50 reais e um QR Code brilhando no celular é a Binance.

A corretora — que nos últimos anos sofreu críticas, enfrentou regulações globais e foi tratada como uma espécie de Zed do mercado financeiro — agora assume o papel de Jules Winnfield da Web3: eloquente, redimida, e com um sermão pronto para disparar antes de cada transação.

Sua nova funcionalidade é um soco na boca do caixa eletrônico: a integração de pagamento via PIX com criptomoedas no app da Binance. Simples assim. O usuário escolhe a moeda digital, define o valor, e pronto: o sistema converte instantaneamente o saldo em real, paga via PIX e o vendedor recebe como se nada tivesse acontecido — o mesmo efeito de uma arma com silenciador no porta-luvas.

É o tipo de inovação que, se fosse introduzida num filme de Quentin Tarantino, viria embalada em vinil, servida em um restaurante temático dos anos 50 e acompanhada de uma frase de efeito do Samuel L. Jackson:
“Say stablecoin again, I dare you!”

Do ponto de vista técnico, o sistema da Binance resolve um dos principais gargalos do uso cotidiano de criptomoedas: a liquidez imediata e a interoperabilidade com o sistema bancário tradicional.
Sem a necessidade de conversão prévia, de saques para exchanges locais ou de esperar duas confirmações na blockchain. Em termos simples, é como se o dinheiro digital tivesse ganhado o botão “comprar agora”.

Enquanto isso, o edital do governo pretende desenvolver uma solução de Business Intelligence com visualização de dados, alertas automatizados e capacidade de rastrear “carteiras de interesse”. Na prática, busca-se uma ferramenta que transforme carteiras cripto em placas de carro — legíveis, rastreáveis e, idealmente, multáveis.
O que falta, portanto, não é tecnologia — mas sim maturidade institucional para lidar com o novo ecossistema financeiro sem recorrer ao velho vício do hipercontrole. Porque, convenhamos, fiscalizar é necessário. Mas vigiar até o IP da geladeira do cidadão não transforma dados em segurança — transforma privacidade em retórica.

O mais irônico? O edital foi publicado justamente quando a Binance apresentava a funcionalidade mais ousada do ano: cripto como forma de pagamento real e imediata. Uma ferramenta que, com os devidos cuidados, pode trazer inclusão financeira, liberdade de escolha e independência bancária a milhões de brasileiros.

Luiz Fiction não é só um trocadilho. É um retrato.

E assim seguimos. Com uma mão no coldre da cripto e a outra no bolso do contribuinte.
Porque, no Brasil, o futuro costuma chegar primeiro pela iniciativa privada — e depois, com sorte, pela licitação.

A pergunta final é a mesma que Jules faz antes de deixar a vida de crimes:

“Você é o lobo mau… ou o pastor cansado?”

Lembre-se que este texto reflete exclusivamente a opinião do autor.