
Você sabe o que significa quando um rótulo de vinho diz “meio seco” ou “seco” na embalagem? A primeira coisa que vale saber é que esta nomenclatura se refere à uma classificação legislativa – que varia de país para país – que determina a quantidade de açúcar natural da própria uva, que sobra no processo de fermentação alcoólica, que é permitida para cada categoria de vinho. Ou seja, isso tem a ver com as normas de cada localidade e não é questão de qualidade, muito menos com a adição de açúcar refinado na produção, mas sim com a frutose e a glicose da própria uva.
A grande verdade é que algumas uvas têm naturalmente maiores concentrações desses açúcares, a exemplo da Riesling, Moscato e Gewurztraminer. Outras se tornam mais doces por interferências do clima, já que regiões mais quentes costumam gerar uvas com maior concentração de açúcar, como é o caso, por exemplo, de algumas vinhas da Califórnia, nos Estados Unidos. E também tem a questão do estilo de produção e proposta do produtor, de conservar, ou não, um nível maior ou menor de açúcar natural.
Durante a fermentação alcoólica, processo químico fundamental para a produção de vinhos, as leveduras transformam esses açúcares naturais da fruta (glicose e frutose) em álcool. Ao fim do processo fermentativo, seja pelo ponto onde as leveduras consomem a maior parte do açúcar presente no mosto (convertendo-o em álcool e CO2), geralmente numa etapa cuja açúcar está inferior a geralmente inferior a 3,0 g/L, ou pela interrupção da fermentação por uma questão de estilo e/ou equilíbrio do vinho, tem-se um açúcar restante no vinho, chamado de açúcar residual. E é essa quantidade residual que define a classificação do vinho em Seco, Meio Seco ou Suave.
Cada país produtor estabelece suas próprias regras para essa categorização, de acordo com legislações específicas. No Brasil, essa regulamentação está prevista no Decreto nº 8.198, de 20 de fevereiro de 2014, que complementa a Lei nº 7.678, de 8 de novembro de 1988, dispondo sobre a produção, circulação e comercialização do vinho e de seus derivados.
De acordo com a legislação brasileira, o vinho é considerado seco quando tem até 4 gramas de açúcar por litro. De 4,01 a 25 gramas por litro, é meio seco. Acima de 25 gramas por litro, suave ou doce. A escala regulamenta exclusivamente vinhos tranquilos, que são aqueles sem borbulhas. Frisantes, espumantes e fortificados são classificados de acordo com outros critérios.
Essa lei é aplicada a todo e qualquer vinho produzido ou comercializado no país. Isso quer dizer que o vinho elaborado em outro país, quando chega ao Brasil, ganha uma nova rotulagem, para que se enquadre na legislação vigente. Para isso, o vinho é submetido a uma análise química sob supervisão do Ministério da Agricultura e Pecuária e Abastecimento (MAPA) e, de acordo com os níveis de açúcar identificados nessa análise, a bebida recebe a classificação atualizada. Portanto, é bem possível que um vinho saia do seu país de origem classificado como seco e, ao chegar ao Brasil seja reclassificado como meio seco, pois as legislações são diferentes. Você pode, por exemplo, consumir um vinho na Itália como seco e, no Brasil, encontrá-lo como meio seco. Nada foi adicionado, se trata apenas de legislações diferentes.
A título de curiosidade, na União Europeia, um vinho é considerado seco quando o teor de açúcar residual é de até 4 g/l, ou até 9 g/l, se a acidez total não for inferior em mais de 2 g/l ao teor de açúcar residual, levando em consideração, também, a acidez. Já no Brasil, a legislação leva em consideração apenas o açúcar residual, determinando 4 g/L de açúcar residual como seco.
O açúcar residual é um dos cinco elementos estruturais do vinho, são eles: açúcar residual, acidez, álcool, corpo e taninos (quando tintos e rosés). Quando em equilíbrio com acidez, álcool e taninos, confere personalidade ao vinho. Além disso, a percepção de açúcar residual interfere diretamente na percepção da textura do vinho. Quando maior, traz a sensação de maciez na boca, como também pode trazer maior percepção das características frutadas e tende a esconder taninos duros e indesejados.
Os vinhos da Califórnia, por exemplo, tendem a ter um paladar com maior concentração frutada, muitas vezes com notas de frutas mais maduras ou em geleia, e com perfil com final de boca com maior percepção de dulçor, pois por uma questão geográfica e de estilo têm alto nível de açúcar residual. Vale observar que nos EUA, a medição do nível de açúcar residual não é padronizada, pois não há uma regulamentação específica como na União Europeia e no Brasil, todavia, é comum considerar um vinho como seco tendo até 10 g/L, e meios secos entre 10 g/L e 35 g/L de açúcar residual. Por isso, é comum os vinhos californianos chegarem no Brasil classificados como meio seco.
Na Europa, a quantidade de acidez é levada em conta para calcular o nível de açúcar residual, pois a sensação de salivação na boca altera a percepção do açúcar residual do vinho. Ou seja, quanto maior a acidez, menor a percepção de dulçor no paladar. Isso não altera o nível de açúcar residual, é apenas a percepção. E é exatamente o que acontece com os vinhos da Itália, que tendem a ter altos níveis de acidez equilibrando o açúcar residual, deixando o conjunto da ópera harmônico.
O Amarone della Valpolicella, é um clássico tinto italiano que tem o nome inspirado em seu toque amargo (amaro, em italiano), um vinho potente, intenso, com grande potencial de guarda, com coloração profunda, alto teor alcoólico, alta concentração de taninos, perfil aromático amplo com notas de frutas mais maduras e até desidratadas, especiarias e até notas de tabaco, couro e chocolate. Um Amarone pode ter até 9 g/L de açúcar residual, logo, quando chega no Brasil, torna-se um vinho classificado como meio seco. Neste caso, é um vinho intenso e encorpado, cujo açúcar residual que pode, no Amarone, chegar até 9 g/L, é necessário para manter o equilíbrio, e não significa que seja mais doce no paladar, na verdade, o Amarone tem em seu estilo um amargor que é sua assinatura, inclusive, é o que dá o seu nome.
O açúcar residual também interfere diretamente na graduação alcoólica. Quanto mais a uva tiver açúcar residual, maior o processo metabólico anaeróbio, ou seja, mais as leveduras irão se alimentar deste açúcar e convertê-lo em álcool e dióxido de carbono. Em outras palavras, quanto mais concentração natural de açúcar a uva tiver, maior a tendência de gerar um vinho com alto teor alcoólico, geralmente acima de 13,5% de álcool. E quanto menos açúcar a uva tiver, menos alcoólico o vinho será.
Uma uva com maior concentração de açúcares tende a gerar vinhos mais alcoólicos e com maior percepção de concentração frutada, o que faz com a percepção de corpo no paladar também aumente – ou seja, vinhos com corpo médio-mais ou encorpados. Como o intervalo da classificação para os chamados vinhos meio secos no Brasil é muito grande (de 4,01 a 25 g/L), a consequência é que, nas prateleiras de bebidas, essa categoria tem uma enorme variedade de estilos.
Quando o assunto é vinho, os subtemas são diversos: vinícolas, países de origem, tipos de uvas, classificação, regras de produção, questões técnicas, químicas e por aí vai. Mas o que importa mesmo é saber quais tipos de vinhos são mais agradáveis para cada paladar. E entender que o importante do vinho é ele estar correto, com seus elementos equilibrados e harmônicos. Podemos não gostar de um vinho, mas isso não quer dizer que este vinho é “ruim” ou está “estragado”, pode ser que ele apenas não agrade ao nosso paladar.
Portanto, para entender o açúcar residual no paladar, a dica é experimentar um exemplar que chame a atenção sem fazer muita leitura de rótulo, seja ele seco ou meio seco. Degustar com calma, sentir os aromas e sabores, perceber o vinho no paladar antes de julgar pelo contrarrótulo. Experimente, por exemplo, rótulos meio secos como Piccini Sasso Al Poggio I.G.T. Toscana Rosso 2020 ou o Apothic Red 2021 para avaliar como seu paladar os percebe. Assim, você irá entender melhor o que você gosta ou não, e poderá se surpreender com experiências incríveis no mundo do vinho.
(https://www.wine.com.br/vinhos/piccini-sasso-al-poggio-i-g-t-toscana-rosso-2020/prod30678.html)
(https://www.wine.com.br/vinhos/apothic-red-2021/prod29682.html)
Ao deixar de lado os preconceitos e focar nos aromas, sabores, estilos, regiões e na proposta do enólogo que formulou aquela bebida, você entrará em um mundo vínico de muitas possibilidades e experiências, um mundo inesperado e surpreendente que se revela na taça.