O discurso da autonomia, do “não quero chefe”, do “quero ter controle do meu tempo, da minha empresa, das minhas decisões”, é sedutor. Mas, ironicamente, é também o mesmo discurso que impede uma startup de virar empresa. E uma empresa de virar negócio de verdade.
A liberdade, quando mal compreendida, vira prisão. E o que mais temos visto são cap tables amarradas em pactos emocionais, controles negligenciados por falta de repertório e governança tratada como burocracia de investidor, não como alavanca de valor.
Quando falamos em autonomia, estamos falando sobre a capacidade de tomar decisões com base em critérios. Isso pressupõe três coisas que muitos fundadores negligenciam: dados, governança e alinhamento societário.
Se você quer liberdade para decidir, precisa ter clareza sobre o impacto da sua decisão. Precisa ter controle sobre as variáveis que importam. Precisa ter parceiros de jornada com quem dá para errar e ajustar rota, mas que saibam dizer “não” quando o seu ego estiver no volante.
Na construção e no dia a dia das empresas, o que mais vejo são negócios com potencial real travados por uma estrutura societária mal pensada. Um cap table inflado, desproporcional, fruto de romantismo entre sócios ou promessas mal feitas. Gente que dá 10% para o amigo que “vai ajudar no design”, 20% para quem “teve a ideia junto” e mais 30% para o investidor anjo que só apareceu uma vez no ano.
A estrutura societária de uma empresa não é um agradecimento. É um mecanismo de alinhamento de incentivos e distribuição de responsabilidades. Quando fundadores confundem equity com afeto, criam empresas que carregam passivos invisíveis. E quando a empresa dá certo, o valor gerado acaba sendo distribuído de forma desproporcional — não para quem de fato construiu ou assumiu os riscos, mas para quem estava lá no começo sem contribuir na mesma medida. Esse desalinhamento custa caro: desmotiva quem está na linha de frente, afasta novos talentos e pode até inviabilizar rodadas futuras.
Já vi M&A que não aconteceram por causa de um sócio que ninguém queria acionar. Já vi rodadas travadas por causa da diluição impraticável. Já vi empresas que morreram por falta de coragem de reorganizar o que já era disfuncional.
Existe um estigma sobre governança. Como se fosse uma estrutura imposta de fora para dentro. Um mecanismo para o investidor “tomar conta”. Mas a verdade é que a governança, quando bem pensada, não tira poder do fundador. Ela dá proteção e liquidez aos acionistas e stakeholders.
Uma governança bem feita antecipa problemas. Coloca gente certa na discussão certa. Tira decisões importantes da informalidade. Cria histórico. Documenta aprendizados. E, o mais importante, protege a empresa até de você mesmo.
Muitos fundadores subestimam o próprio poder de atrapalhar. Quanto mais centralizado é um negócio, mais frágil ele se torna. E o que é vendido como “agilidade” muitas vezes é só falta de processo. O que é chamado de “intuição” é, na prática, ausência de método.
A startup precisa da visão do fundador, claro. Mas ela precisa, principalmente, que essa visão seja transferível, adaptável, escalável.
E isso não acontece no improviso. Acontece com estrutura. Com cultura de decisão compartilhada. Com um modelo operacional onde as engrenagens não giram só quando você empurra.
Se você está abrindo espaço na sua empresa para um investidor, seja early ou late stage, o equity não deveria ser apenas uma fatia do cap table — ele precisa ser um instrumento de geração de valor real para todos os lados. Seja em forma de retorno financeiro, conexões estratégicas, acesso a talentos ou abertura de portas. Quando bem distribuído, o equity vira alavanca. Quando mal pensado, vira âncora.
A conta é simples: risco exige controle. Controle exige alinhamento. Alinhamento exige governança. E tudo isso exige uma mentalidade de fundador que sabe que ter sócio não é uma ameaça. E sim, com o sócio correto, uma grande oportunidade.
No fim, a maturidade de um negócio está menos na ideia e mais na arquitetura que sustenta sua execução. O mercado está amadurecendo. O capital ficou mais criterioso. As mesas de negociação, mais técnicas. E as perguntas ficaram mais difíceis.
Não dá mais para vender visão sem estrutura. Não dá mais para crescer sem ceder. Não dá mais para empreender sem aprender a dividir.
Autonomia de verdade começa com responsabilidade. E responsabilidade começa com a coragem de construir empresas que não dependam só de você para existir — mas que se sustentem por princípios, processos e pessoas capazes de tomar decisões e seguir em frente, mesmo quando você não estiver na sala.