
Os anúncios do Banco Central na semana passada causaram uma reação imediata e dividida no mercado. A revisão das exigências de capital mínimo e patrimônio de referência divulgada em conjunto com o Conselho Monetário Nacional (CMN) foi a mudança mais significativa dos últimos anos e o marco de um novo ciclo para o sistema financeiro do país.
Ao elevar a régua de capital e ajustar o foco da regulação para o risco real das operações, o BC reacende um debate essencial: até onde o fortalecimento institucional pode avançar sem frear a inovação?
O movimento aponta para uma fase de consolidação e prudência, depois de um longo período de abertura, experimentação e entrada de novos players. Uma virada que promete testar os limites entre solidez e competitividade. Será o começo do fim dos “banks”?
Nova regra calibra exigências conforme o risco das operações
Pela nova regra, que prevê uma transição gradual com ajustes entre 2026 e 2027 e aplicação integral das exigências a partir de janeiro de 2028, o cálculo deixa de seguir apenas o enquadramento por tipo de instituição e passa a ser calibrado conforme as atividades efetivamente exercidas, como concessão de crédito, intermediação, custódia e prestação de serviços.
A metodologia incorpora ainda uma parcela de custo, que considera o grau de complexidade e o uso de tecnologia em cada operação, abrangendo plataformas de BaaS, contas de pagamento e infraestrutura de PIX.
É importante não contestar a necessidade do movimento, que eleva o patamar do sistema como um todo. A calibragem, em essência, parece mais coerente com a diversidade e com a necessidade de regulação.
O ponto central, porém, está no efeito dominó que essa mudança pode gerar sobre temas como inovação e competição, ainda mais diante do novo patamar de capital exigido, que acabou, de fato, dividindo opiniões.
Mergulhando nos números, o salto, que busca afinar lastro compatível com o tamanho da operação, é expressivo. Exemplo: o capital mínimo exigido para Instituições de Pagamento passou de R$1 milhão para R$9,2 milhões e o das Sociedades de Crédito dos também R$1 milhão para um patamar de R$9,8 milhões.
Exigências sobem e podem acelerar consolidação no setor
Na coletiva de 3 de novembro, o Diretor de Fiscalização do Banco Central, Ailton de Aquino, destacou que a norma não tem o propósito de reduzir o universo supervisionado, mas sim de equilibrar o jogo regulatório.
Ele também reconheceu que a nova calibragem pode levar a saídas organizadas do sistema, além de provocar reorganizações societárias e incorporações entre instituições.
Dito isso, o mercado se questiona se esse passo de maturidade está sendo dado de forma equilibrada ou realizado às pressas, considerando também que, nos últimos anos, a agenda do BC foi pautada por inovação, aumento de competitividade e incentivo à criação de novas instituições.
O efeito que está em pauta é o risco de um processo de consolidação acelerado, reduzindo a diversidade de modelos e competição, fatos que tornaram o Brasil um dos ecossistemas mais dinâmicos do mundo.
BC endurece regulação após fraudes e ataques recentes
O que está claro é que a pressão dos últimos meses com ataques, fraudes e notícias sobre a atuação de organizações criminosas na Faria Lima, afetou a opinião pública, bem como a autarquia, que está reagindo com firmeza.
Ainda assim, chama a atenção também o conjunto de medidas que acompanham esta mudança estrutural, algumas já conhecidas, mas agora tratadas em uma narrativa integrada.
Um dos pontos quase simbólicos é o uso da palavra “Banco” (ou “Bank”) e afins, que, em mesma regulamentação, passa a exigir um adicional de R$30 milhões em capital sobre o mínimo calculado.
O tema vinha sendo discutido desde o início do ano em consulta pública e, por muito tempo, acabou criticado e até ridicularizado no mercado por supostamente limitar a competição e dificultar a vida e “go-to-market” de quem chegou depois do boom dos primeiros bancos digitais.
Portanto, a nova regra encerrou o debate: o cliente tem o direito de saber com quem se relaciona, seja um banco ou uma fintech. Transparência e proteção ao consumidor prevalecem.
BC fecha o cerco às contas irregulares e brechas do sistema
O BC também apertou o cerco sobre o encerramento de contas usadas para atividades financeiras sem respaldo legal ou para movimentar recursos de terceiros, as chamadas “contas-bolsão”, reforçando o foco em eliminar brechas regulatórias e ampliar a rastreabilidade das operações.
Por fim, ainda em grande polêmica, o “ encerramento” do Drex — ou ao menos o abandono temporário da tecnologia de registro distribuído (DLT) que é a base da blockchain — foi finalmente divulgado, reforçando a prioridade da barra alta em privacidade e controle.
Um novo ciclo entre solidez e inovação
Talvez, o avanço acelerado dos últimos anos, provocado pelo protagonismo do próprio BC, tenha criado a tempestade perfeita para que a reação atual seja mais intensa ajustando o compasso de uma economia que amadurece sob pressão.
Agora, a trajetória se move em direção à solidez institucional, ainda que encontrar o ritmo certo para mudanças nunca seja simples. Em suma, esse é o início de uma nova era.
O spread do poder está, antes de mais nada, no ato de reforçar a confiança que sustenta o Sistema Financeiro Nacional, calibrando a regulação sem reduzir a competição, protegendo o mercado sem frear a inovação e por consequência, o futuro da economia.