Realidade ainda é travada

Por que nos EUA emitir dívida é rotina — e no Brasil ainda engatinhamos nisso?

Entenda como o mercado de capitais pode ser a chave para destravar o crescimento privado no Brasil

Foto: Canva
Foto: Canva

Entenda como o mercado de capitais pode ser a chave para destravar o crescimento privado no Brasil — e o papel dos CRIs, CRAs e debêntures nessa história.

A provocação de hoje

Nos Estados Unidos, a emissão de dívida é tão comum que chega a parecer parte do ciclo natural de uma empresa saudável: faturou, cresceu, emitiu bond, expandiu mais.

Aqui no Brasil? A realidade ainda é travada.

Boa parte das empresas não sabe, não pode ou não quer acessar o mercado de capitais — mesmo com instrumentos sofisticados como debêntures, CRIs e CRAs à disposição.

Resultado: empresas que poderiam escalar rápido ficam presas ao crédito bancário tradicional. E o país inteiro perde dinamismo.

O modelo americano: capital inteligente em movimento

Nos EUA, o mercado de dívida corporativa é gigante — e consolidado.

O valor de mercado dos corporate bonds (dívidas emitidas por empresas) supera US$ 10 trilhões

O investidor pessoa física é ativo nesse mercado: compra bonds via corretoras com o mesmo apetite com que investe em ações

As empresas listadas emitem rotineiramente para rolar dívidas antigas, financiar M&As ou expandir operações

Brasil: estrutura temos, cultura ainda não

Aqui, a situação é bem diferente. Temos produtos:

  • Debêntures: títulos de dívida corporativa emitidos por empresas
  • CRI (Certificado de Recebíveis Imobiliários): lastreado em recebíveis do setor imobiliário
  • CRA (Certificado de Recebíveis do Agronegócio): com lastro em recebíveis agropecuários

Só que o volume ainda é tímido:

Dados da ANBIMA (2024):

O mercado de debêntures movimentou R$ 202 bilhões no ano. CRIs e CRAs somaram cerca de R$ 120 bilhões

Isso representa menos de 20% do volume total de crédito corporativo no Brasil, ainda dominado por bancos

Ou seja: mesmo com a estrutura pronta, o mercado ainda é restrito a grandes empresas com rating elevado, geralmente listadas na bolsa.

Por que emitir dívida deve ser parte da estratégia?

A emissão de dívida não é um sinal de fraqueza. Pelo contrário, quando bem estruturada, é ferramenta de crescimento. Veja o que ela pode trazer:

1. Redução de dependência bancária

Evita concentração de risco com uma única instituição

Amplia o leque de captação com prazos e custos mais negociáveis

2. Custo mais competitivo

Taxas podem ser menores que o crédito tradicional, especialmente em CRIs/CRAs com isenção de IR para pessoa física

Exemplo:

Uma empresa capta via CRA a IPCA + 6% ao ano. Para o investidor, equivale a um CDB de IPCA + 8% bruto, considerando a isenção. Para a empresa, é um custo atrativo de longo prazo.

3. Prazos maiores

Bancos raramente oferecem crédito acima de 5 anos

No mercado, é comum ver prazos de 7 a 15 anos, especialmente em CRIs e debêntures incentivadas

4. Aumento da governança

A emissão exige transparência, auditorias e prestação de contas

Isso força a profissionalização — e melhora o rating e a percepção de risco da companhia

Por um mercado mais maduro e dinâmico

Nos EUA, a emissão de dívida impulsiona fusões, tecnologia, expansão global.

No Brasil, cada novo investidor que entende e participa desse ecossistema ajuda a romper a dependência do crédito estatal e bancário.

É mais liberdade para as empresas. Mais retorno para o investidor. Mais crescimento para o país.

Dose final

Se queremos ver o Brasil crescer com capital produtivo, precisamos tirar o estigma da dívida.

Ela não é inimiga. É instrumento.

Enquanto os americanos emitem trilhões em bonds todos os anos, seguimos engatinhando em estruturas que já temos — e que podem ser o motor do crescimento privado.