
Boa parte do mercado imobiliário acredita que o negócio mais seguro a se fazer é comprar algo abaixo do custo de reposição, compreendido pelo valor que teria que ser investido para produzir o mesmo imóvel no mesmo lugar. Então, para estimar esse valor é necessário somar o valor do terreno (estimado com base em comparativos), custo da obra, outorga onerosa, licensas e alvarás e valor do dinheiro no tempo.
+ | Terreno |
+ | Obra |
+ | Outorga Onerosa/CEPAC |
+ | Licensas e Alvarás |
* | Valor do Dinheiro no Tempo |
Custo de Reposição |
A lógica é simples: comprar o ativo pronto por menos do que construir ele do zero significa levar por valor negativo todo o trabalho e esforço necessário para erguê-lo, que obviamente deveria ser positivo, já que ninguém paga para trabalhar. O motivo que um restaurante cobra mais pelo prato do que o custo de seus ingredientes é justamente para remunerar o esforço de toda equipe. Comprar um imóvel abaixo do custo de reposição seria comparável a pagar menos no prato do restaurante do que em um igual na sua casa, desconsiderando assim o tempo e expertise investidos no preparo.
Então, qual é o problema com isso? Toda a defesa incondicional do preço de custo é baseada em uma suposição: de que pagar o preço de custo é necessariamente um bom negócio, mas veja o porquê que isso não é sempre verdade.
Tempo e esforço investidos nem sempre equivalem a valor. Valor nada mais é do que a diferença entre o preço e o benefício percebido pelo consumidor. Uma construtora gasta os mesmos recursos e esforços (na construção em si) para levantar um edifício AAA nos Jardins e em Santo Amaro. Porém, na média há muito mais desejo de trabalhar nos Jardins do que em Santo Amaro, o que justifica os preços mais altos. Isso nos leva à lei da oferta e demanda, que coloca o preço como regulador entre o estoque existente de escritórios e a quantidade de pessoas querendo trabalhar neles em cada região. O preço alto é o mercado sinalizando que uma região necessita de novos edifícios, enquanto o baixo indica que ela já está (super)saturada, assumindo uma qualidade mínima dos edifícios. É possível alugar um AAA no Rio de Janeiro por R$60/m², enquanto um Classe B no Itaim fora da zona de CEPAC chega facilmente a R$70/m², mesmo que o custo de produzir o primeiro seja maior do que o do segundo.
Voltando a analogia do restaurante, servir um escargot é muito mais custoso do que servir um salmão selado, porém a demanda pelo peixe é muito maior do que pelo caracol, fazendo com que o valor de mercado dele seja maior (assumindo que a quantidade ofertada seja igual), mesmo tendo custo menor. Sabendo que o escargot custa mais e vende por menos, os restaurantes optam por não o servir. E assim o mercado se ajusta limitando a oferta de escargot à sua demanda, de modo que o preço seja atrativo o suficiente para os restaurantes que o servem manterem a margem de lucro. Se os restaurantes começarem a servir o caracol de modo que seja tão presente como o salmão selado, o preço vai cair abaixo do salmão- sendo vendido com prejuízo para liquidar o estoque- ou o produto vai estragar porque não vai vender. Portanto, mesmo o escargot sendo mais caro e trabalhoso do que o salmão, ele vende por menos (assumindo mesma oferta) pois há mais demanda por salmão.
Isso tudo é para mostrar que custo de produção é diferente de valor. Lembrando que você compra o que gosta, não o que é mais caro para produzir. E onde entra o custo de reposição nessa história? Ele somente indicaria neste caso se o preço do escargot no restaurante estaria barato ou caro comparado com o custo de comprar o caracol e prepará-lo. Em outras palavras, não é a ferramenta certa para dizer se vale mais a pena para o restaurante investir em escargot ou o salmão, e não reflete totalmente a relação oferta/demanda.
O custo de reposição apenas compara o preço de adquirir um imóvel com o custo de produzi-lo e Muitas vezes não compensa o aluguel da região (componente do retorno do investimento). Usemos o caso de desenvolver um AAA em zona de eixo em Santo Amaro:
Categoria | Custo/m² (exceto %) | Obs | |
+ | Terreno | 2.000 | R$8.000/m² de terreno dividido por 4x, potencial construtivo de ZEU (sem incentivos) |
+ | Obra | 9.000 | |
+ | Outorga Onerosa | 4.000 | Estimativa |
+ | Licensas e Alvarás | 68 | 0.75% do custo de obra |
* | Valor do Dinheiro no Tempo | 146% | Assumindo uma TIR de 10% e 4 anos |
Custo de Reposição | R$ 22.060,33 |
Somando os componentes discutidos anteriormente, chegamos num custo de R$22k/m² para desenvolver um AAA em Santo Amaro. De acordo com a consultoria Cushman & Wakefiled, um imóvel Classe A e A+ em Santo Amaro aluga por R$44/m² e possui 66% de vacância, portanto o aluguel ajustado pela vacância é de R$15/m²/mês. Nessas condições, o retorno anual para o investidor é de 0.82%, quase universalmente considerado indesejável. Se houvesse a possibilidade de comprar este mesmo imóvel por R$15.000/m², 32% abaixo do custo de reposição, o retorno anual seria de 1.2%, tampouco atrativo.
Isso mostra que comprar abaixo do custo de reposição nem sempre é um bom negócio. Minha visão é que todo ativo tem o seu preço: nesse caso, para um retorno anual de 10% (dado o risco da região), seria necessário comprar esse ativo por R$1.800/m², ou seja, um desconto de mais de 90% do custo de reposição.
Mas se o retorno é tão ruim assim, por que o prédio está aí em primeiro lugar? Má alocação de capital e mudança de tendências: O mercado imobiliário desenvolveu em algumas regiões mais espaço corporativo do que era demandado pois na época parecia uma boa ideia, causando vacância (escargot não vendido) e depreciando os preços (vendendo o escargot mais barato do que deveria). Em outras palavras, esses desenvolvimentos são um desperdício de recursos e um mal investimento, por gerarem menos valor do que consomem de recursos. Do mesmo jeito que é possível investir 1 real e receber R$2, pode-se investir R$2 e receber R$1. Se te oferecem comprar um ativo que custou 2 reais para produzir por R$1.50 e o retorno total é de R$1, ele continua como um mal negócio, embora melhor do que o de comprar por R$2 ou mais caro.
Por isso vemos prédios corporativos e apartamentos vendendo abaixo do custo de reposição em certas regiões de São Paulo. O retorno proveniente desses empreendimentos não compensa a quantidade de recurso necessária para construí-los, e, embora comprá-los acima do custo de reposição com certeza é mal negócio, compra-los abaixo não é necessariamente bom negócio (vai depender do deságio). Portanto, o custo de reposição deve ser visto como um indicador, não uma regra absoluta. Ultimamente, o que move preço e ROI é oferta e demanda.