Imagem ilustrativa sobre o cenário dos IPOs na B3, mostrando um ambiente de seca e estagnação desde 2021. Em primeiro plano, documentos de IPOs estão acorrentados com um cadeado, simbolizando o bloqueio nas aberturas de capital. Ao fundo, a sede da B3 aparece sob um céu dourado de pôr do sol, com um grande relógio marcando o ano de 2026 — representando a expectativa de retomada das ofertas públicas. A paisagem seca reforça visualmente o conceito de “seca” de IPOs na bolsa brasileira.
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A seca de IPOs na B3 já dura desde 2021 e virou assunto central no mercado de capitais brasileiro. Nesse intervalo, nenhuma nova companhia abriu capital e, ao mesmo tempo, cresceu o número de empresas que decidiram sair da Bolsa.

Para Bruno Perri, economista-chefe e sócio-fundador da Forum Investimentos, o quadro foge do padrão histórico. “Não é normal. Na verdade, é bastante atípico. Há historicamente alguns períodos significativamente mais curtos sem ofertas, ou com poucas ofertas, mas um intervalo tão grande é algo que foge bastante dos padrões do mercado brasileiro das últimas décadas”.

Lucas Girão, economista e especialista em investimentos e MBA em Finanças pela FBNF (Faculdade Brasileira de Negócios e Finanças), faz a mesma leitura. “Desde 2021 vivemos a maior ‘seca’ de IPOs da história recente da B3. Naquele ano houve um boom de ofertas, com dezenas de companhias buscando o mercado. Porém, o ambiente econômico piorou nos anos seguintes”.

Seca de IPOs na B3 desde 2021

A ausência de novos IPOs na B3 desde 2021 não se explica por um único fator. Ela começou logo após um ciclo intenso de ofertas, quando muitas empresas aproveitaram a combinação de juros baixos e apetite por risco.

Perri destaca o pano de fundo macroeconômico. “Ela reflete primeiramente um ambiente macroeconômico mais adverso, com a forte alta nos juros e as incertezas fiscais, que pressionam as curvas de juros, reduzindo o apetite por ativos de risco”.

Girão complementa que períodos de retração fazem parte do ciclo, mas o hiato atual tem um peso maior. “Apesar de períodos de retração serem normais, um hiato tão prolongado não é usual e reflete um cenário particularmente adverso”.

Por que a janela de IPOs fechou

Na prática, a janela de IPOs fechou por causa da combinação de juros altos, incerteza fiscal e perda de confiança.

Girão resume a equação: “Os juros elevados são o principal. Quando a renda fixa oferece retornos muito altos, investidores ficam menos dispostos a assumir o risco de uma oferta pública, diminuindo a demanda pelas ações”.

Ele lembra também o efeito da memória recente do mercado. “Muitas empresas que abriram capital entre 2020 e 2021 performaram mal na Bolsa, o que reduziu o apetite dos investidores por novas histórias.

Ao mesmo tempo, várias companhias optaram por financiamentos privados ou operações estruturadas, enxergando menos vantagem em realizar um IPO no atual ciclo”.

Para Perri, o nível de preço da Bolsa também pesou na seca de IPOs. “A bolsa brasileira passou a maior parte do tempo sendo negociada a múltiplos bastante baixos, o que desincentiva a oferta de ações por parte das empresas”.

Impactos da falta de IPOs no mercado brasileiro

A falta de IPOs não é só uma estatística. Ela altera o funcionamento do mercado de capitais brasileiro e a forma como empresas e investidores se relacionam com a Bolsa.

Perri aponta para a renovação limitada de casos de investimento. “A falta de IPOs reduz a renovação de novas oportunidades para a bolsa, mantendo limitada a diversidade de setores e empresas, além de não dar acesso a novos negócios aos investidores”.

Girão segue na mesma linha. Ele conecta o problema a financiamento e crescimento. “Com menos empresas entrando, há redução de liquidez, de diversidade setorial e de oportunidades para o investidor. Para as companhias, isso significa menos alternativas de financiamento via Bolsa, o que pode limitar crescimento e investimentos”.

Dessa forma, no longo prazo, ele avalia que o efeito vai além da estatística de ofertas. “A falta de renovação prejudica a atratividade da B3 para investidores locais e estrangeiros, reduzindo o fluxo de capital e deixando o mercado mais concentrado e menos competitivo”.

Fechamento de capital e delistings em 2025

O outro lado da moeda da seca de IPOs é o avanço dos fechamentos de capital. Só em 2025, dez empresas decidiram sair da Bolsa.

Perri enxerga uma relação direta: “Esse número é elevado e, sim, está diretamente ligado à seca de IPOs. Em um mercado com ação muito descontada, baixo volume e pouca liquidez, muitas empresas entendem que vale mais a pena fechar capital do que permanecer listadas”.

Girão reforça que esse movimento não é isolado: “Nos últimos anos, o total de empresas que deixaram a Bolsa praticamente se aproximou e em alguns períodos até superou o número de estreias. Esse movimento está diretamente conectado à seca de IPOs. Se não há novas entradas e há um volume relevante de saídas, a base de empresas listadas diminui”.

Para várias companhias, o custo de ser aberta passou a pesar: “Muitos fechamentos têm sido motivados pelo baixo valor de mercado das companhias, operações de fusões e aquisições ou pela percepção de que o custo de manter o capital aberto não compensa em um ambiente com pouca liquidez”, afirma Girão.

Perspectivas para IPOs em 2026

Mesmo com o quadro atual, tanto Perri quanto Girão veem espaço para uma reabertura da janela de IPOs em 2026, desde que o cenário macroeconômico caminhe na direção correta.

Perri aponta sinais no fluxo de recursos: “Temos observado maior liquidez e fluxo estrangeiro para o mercado local, o que sugere demanda potencial mais significativa em novos IPOs”.

Ele acredita que a própria valorização recente do mercado pode mudar o incentivo das empresas: “A valorização recente do mercado pode se traduzir em maior apetite por parte das empresas em listar suas ações, com perspectiva de obter múltiplos mais atrativos para suas ofertas”.

Na visão dele, a política monetária terá papel central. “Acredito ainda que o provável início do ciclo de cortes da SELIC pode ser um catalizador importante”.

Girão vê 2026 como um possível ponto de virada. Entretanto, com filtros mais rígidos, ele destaca que há expectativa de melhora a partir de 2026. Mesmo assim, a retomada dependerá da combinação entre queda estrutural dos juros, maior estabilidade fiscal e recuperação da confiança do investidor.

Ele alerta que o retorno das ofertas não deve replicar o ritmo de 2020–2021. “Depois de quase quatro anos sem ofertas e com diversos delistings, o mercado ficará mais seletivo. Empresas precisarão apresentar governança mais forte, balanços robustos e valuations realistas”.