Para 051 Capital, diversificar vai muito além da Bolsa

Em conversa com o BP Money, sócio da 051 Capital, Flávio Aragão, detalha a estratégia de seus fundos, que utilizam a diversificação como principal arma

Em um dos momentos mais conturbados da história na economia, com a pandemia da Covid-19 e Guerra na Ucrânia (causando inflação e juros altos), a gestora 051 Capital, que é focada em family offices (serviço focado em investir grandes patrimônios de famílias), pensou em como conseguir se proteger e lucrar no mercado. Por isso, optpu por ir além da Bolsa.

O portfólio da 051 tem um grande diferencial: diversificar vai muito além da Bolsa e da Renda Fixa. A empresa decidiu dividir entre 40 a 50% da carteira das famílias que administra em ativos como: música, private equity (capital privado, na tradução), venture capital (Capital de risco, na tradução), companhias pré-abertura de capital, ações privadas, dívidas estressadas, ativos ultra-estressados e arbitragem. 

Flávio Aragão, sócio-proprietário da 051, que foi criada em 2019 e já conta com mais de R$ 3,5 bilhões de reais sob gestão, conversou com o BP Money e explicou como o fundo escapou da pandemia e entregou uma boa rentabilidade aos seus clientes (um acumulado no ano de 3,99% no ano até julho, quando foi divulgado o último relatório pela empresa). Para termos uma noção do impacto da estratégia do fundo “051 alocação moderado” no investimento da empresa, basta compará-lo ao “051 alocação ações”, que teve um desempenho de -14,58% no acumulado anual. 

A estratégia do melhor fundo da casa é composta por 53,37% em investimentos em crédito, 20,61% em fundos multimercado, 12,87% em fundos de ações, 7,36% em caixa e 5,78% em juros. Confira a entrevista com o sócio da gestora:

BP: Como surgiu a 051 Capital e quais foram os desafios até agora?
A ideia surgiu no final de 2016, quando meus sócios saem da XP e eu estava finalizando alguns processos de M&A com a ideia de tocar o próprio dinheiro. Pensamos em montar um negócio que tivesse a nossa cabeça, que tenha a nossa visão de investimento e um horizonte de longo prazo. E, principalmente, fazer o que realmente acreditamos. Sem nenhum conflito de interesse, sem nenhum outro foco a não ser o processo de alocação de investimentos, reequilíbrio de carteira, e construção de longo prazo. Formamos a 051 com essas pouquíssimas famílias e depois ampliamos o nosso escopo para mais ou menos 15, 16 famílias. Mas, na ideia, como é que funciona a nossa cabeça? Brincamos que somos uma gestora sem emoção. 

Acreditamos em um processo bem diligente de investimentos, tentamos selecionar bons gestores. Já em relação às classes, tentamos fazer uma construção de uma carteira quase passiva. Você vai ter os 50% em renda fixa, 25% em multimercado e 10% em ações e 15% em alternativos. Conforme o tempo vai passando fazemos um reposicionamento. A cada seis meses, reequilibramos a carteira e assim eu vou tentando construir essa carteira.

O nosso grande diferencial está em todo esse processo na classe de alternativos. Acho que hoje podemos falar que seremos um dos principais locadores de alternativos do Brasil. Praticamente todos os fundos de alternativos hoje no mercado tiveram o “seed money” (tradução: capital inicial), os novos principalmente, ou alocamos na 1ª cota. Fazemos um trabalho em cima do ativo, de pesquisar esses novos gestores. Gostamos muito da classe por ser um trabalho ativo muito desarbitrado. Por ter muita desarbitragem, se consegue ter um potencial de retorno muito grande, tá?. Hoje, praticamente 40-45% da nossa locação já é em alternativos. Vale lembrar que isso não veio do zero. Isso veio da construção da carteira do Luciano, que é um dos sócios. 

O Luciano montou uma carteira de investimento, em um fundo exclusivo em 2012 em que 50% da alocação era em alternativos e os outros 50% iam ser balanceados dentro do mercado de crédito, ações e multimercado. Isso funcionou pra caramba, desde 2012, o fundo rende seus 20% ao ano na média,  muito descorrelacionado com a indústria. Temos uma prova dentro de casa que o negócio funciona, né? E quando você olha lá fora, o modelo de alocação é esse também. Tentamos trazer esse modelo lá de fora. Exploramos bastante essa parte de alternativos.

A gente segue realmente tendo o maior grosso da nossa locação nessa classe. O horizonte a longo prazo nos ajuda muito. E na parte líquida fazemos esse balanceamento e tento selecionar os melhores gestores. Ações eu tenho Dynamo, Atmos, Vista, Hix, Indie, Avantgarde e Athena, que é o que eu acho que realmente tem de melhor dentro do mercado. Na parte de multimercados, crédito e renda fixa seguimos na mesma lógica de achar os melhores no mercado. 

E depois é só balancear e vai carregando o patrimônio. Por isso, gostamos de falar que a nossa gestão é sem emoção, né? Preferimos discutir com as famílias outros problemas, entender se está tudo ok do que ficar movimentando carteira.

Achamos que essa movimentação de carteira em algum momento pode até te gerar “alfa”, mas tem que acertar, né? No geral isso eu acho que vai mais tirar alfa do que do que do que te gerar realmente e você termina tendo um desgaste muito grande tentar acertar o “market timing” (tempo de mercado, na tradução” da operação. Realmente fazemos e focamos nisso: bons produtos, boa alocação, paciência e construção de longo prazo e perfil alinhado.

Você falou sobre uma estratégia muito interessante de ter entre 40-50% em ativos alternativos. Esses alternativos são o que exatamente? 
Temos private equity (capital privado), que é bem descorrelacionado. Aí, dentro dos “VCs” (empresas de capital de risco) tem vários tipos e em diferentes partes de desenvolvimento do negócio. Também temos ativos pré-IPO que também são bastante descorrelacionados. Também temos precatório judicial, que não tem relação nenhuma com nada do mercado tradicional. Temos ações privadas, também, que é comprar ação privada mesmo do advogado que ganhou a ação de um outro réu e tem execução, tem tudo. Financiamos e compramos essa ação.

Temos também uma classe de ativos estressados e mais recentemente começaram a surgir operações de ativos ultraestressados de uma recuperação judicial, que emitem uma operação de crédito pra reestruturar toda a dívida. São classes alternativas, por fugir totalmente do padrão. Agora estamos investindo num fundo que faz arbitragem de eventos de governança, que é outra classe também que que aqui no Brasil ainda não tinha, enquanto nos EUA é bem forte. Vimos agora o primeiro fundo aqui e alocamos. Esses são nossos alternativos e vamos balanceando. 

O que são ativos ultra-estressados? Qual a lógica de investimento?
Ano passado, o Banco do Brasil tinha uma carteira de crédito de clientes que estavam inadimplentes e que já tinha mais de um ano que esses caras não pagavam o banco. A carteira era de R$ 2 bilhões e o BTG pagou na época, se eu não estou enganado, R$ 180 milhões. Tá certo? 

Então, o BTG comprou aquela carteira e ele vai fazer cobrança individual. Imagina que o Rafael tinha uma dívida no banco de R$ 1000 reais e o BTG pagou R$ 60 por aquela dívida. O BTG vai até você e pede para renegociar por um preço bem menor, ao invés de você pagar R$ 1000, você paga R$ 100 de forma parcelada. Pronto, o banco já fez mais de 50% de retorno. 

Ele compra aquela carteira estressada porque pros bancos não vale a pena ter uma estrutura só pra isso, tá? Geralmente os bancos tentavam ter isso, mas é melhor você  vender por um valor ínfimo lá e ficar com um percentual do que ele recuperar, do que ficar realmente tentando montar uma estrutura. 

Existem outros tipos, por exemplo, muito fruto da Lava Jato e que gerou muita confusão. Empresas grandes com grandes patrimônios e com muitas dívidas, mas que os bancos tradicionais não queriam fazer negócio com elas. Então, isso abriu um espaço para se fazer estruturas, créditos estressados.

Então, eu chegava numa empresa como essa e falava assim: “ó, tem dois imóveis que valem R$ 50 milhões e uma dívida de R$ 10 milhões. Eu pago a sua dívida, fico com esses imóveis em garantia, vendemos esses imóveis e com o que negociarmos tiramos um saldo da operação. Esses ativos estão em situação muito complicada, já que não conseguem financiamento no mercado tradicional e que você precisa de um grupo relevante para poder reestruturar esse tipo de ativo. Teremos um mercado gigantesco para isso, principalmente por conta das últimas crises econômicas, que vêm desde 2016. 

Isso é apenas para gestão de patrimônios de famílias?
A princípio, hoje em dia é um mercado que tem poucos gestores, tá? Se eu falar que tem cinco gestores fazendo isso é muito. A tendência nós acreditamos que é de ampliar, mas é porque tem pouca gente em uma indústria muito nova e pouquíssimas pessoas operando Até tem volume nesse mercado, mas eu somar todos os cinco, seis gestores não deve dar R$ 10 bilhões. Então é um mercado ainda muito pequeno e os “family offices” conseguem comprar tudo isso. A XP tentou ou vai lançar um fundo de situações especiais, mas não sei como isso vai ficar. O BTG lançou um recentemente, mas não sei se foi pro private, ou algo do tipo, mas está começando a sair algumas coisas nas plataformas sim. 

Agora, esses alternativos tem performado bem na carteira?
Esse ano a média deve estar dando esse ano até dando uns 13%. Mas se você pegar um mais antigo ele já está dando muito retorno. Por exemplo, o “Vintage 2019” está tendo uma liquidação hoje de um fundo 14x o capital investido. Então isso distorce muito porque quanto mais antigo for o teu “vintage”, maior o seu lucro carrego na carteira, tá? Mas, se você olhar a carteira do meu sócio que existe desde 2012, a classe em si está dando pra ele mais ou menos IPCA+25, IPCA+30 trinta ao ano. 

Analisando ainda a estratégia da carteira, qual é o risco de um precatório judicial ou de um ativo ultraestressado? 
Precatório judicial nós vimos o risco no ano passado, com a nova reforma. Escapamos muito bem porque somos pequenos, quem se deu mal foram os maiores, já que os precatórios pequenos escaparam mas os precatórios grandes todos foram para dez anos. Imagina o seguinte: se você  comprou um precatório para receber em dois anos, a lei mudou, e agora vai demorar dez para você receber. Mas, geralmente, o risco do precatório depende da unidade que você comprar, se vai ser Brasil ou de um estado específico. 

Já numa carteira de ativos ultraestressados, se tem alguns outros riscos. Um que estamos tendo, por exemplo: nós ficamos na operação, financiamos o cara, ele quebrou e acabou que ficamos com o terreno. Uma hora vamos vender o terreno, mas a cada ano que passa meu retorno reduz, né? 

O que é a arbitragem que vocês investem?
Cara, é um evento de governança. Então, o gestor que nós alocamos arbitra esse tipo de evento. Ele fala: “olha, tem uma discrepância no preço” e, então, nós iremos fazer uma posição nesse tipo de classe, porque tem uma discrepância do que diz a regra de governança e o que está sendo feito pelo controlador. Então ele vai lá e faz uma arbitragem desse tipo de operação. 

E nas ações, como vocês estão se posicionando neste ano? 
Estamos tendo um trabalho árduo nesse semestre de convencer os clientes a não resgatarem o dinheiro e deu muito certo, em alguns casos até aumentaram posição. Pensando nesse rebalanceamento mesmo. Nós entendemos que a bolsa caiu muito e até achávamos que estava barato, mas evitamos dar esse tipo de opinião, pois achamos que isso faz parte do rebalanceamento. Analisamos e vimos que está num preço bom de entrada e que iríamos tentar convencer as famílias que vale a pena diminuir nossa posição em multimercado. 

E é até engraçado porque é muito difícil de ver o multimercado subir 15% até junho e chegamos para as famílias e falamos: “olha vamos reduzir multimercado, porque está com uma ‘gordura’ muito grande e vamos comprar ações”. Os investidores até tomaram um susto, né? (risos) e falaram “você está falando para eu vender o negócio em que estou ganhando 15% e vou comprar um negócio que eu estou no vinte?”, e eu falei “é exatamente isso que eu estou te propondo” (risos). 

Quais são os próximos passos da 051? 
Estamos lançando um fundo de fazenda. Seguindo aquela mesma linha de procurar ativos diferentes. Já compramos a primeira fazenda. A única classe que a gente não tinha na nossa composição de ativos que sentíamos falta era imóvel agrícola. Acreditamos que independente do que aconteceu no mundo, se vai ter inflação forte, se o dólar vai explodir, a  fazenda vai estar lá e a terra vai tá produtiva. A gente está fazendo um fundo de fazenda exatamente pensando nisso: queremos comprar terra agrícola, arrendar para um bom operador, e nisso garantiremos uma renda.