Gestora Trígono aposta em offshore no fundo de crédito privado

Com 10 meses de existência, o Trígono Pulsar Blend investe até 20% da carteira em ativos de créditos de empresas e bancos da América Latina

Nascida há apenas cinco anos, em 2017, a Trígono Capital, gestora conhecida por estar presente nos melhores rankings de fundos de ações do País – e, às vezes, do mundo – criou, em junho de 2022, seu primeiro fundo de crédito privado: Trígono Pulsar Blend. Ao BP Money, o sócio e gestor, Marcelo Antônio Tramontina Peixoto, contou que a estratégia offshore é o diferencial.

O fundo pode investir até 20% da carteira em ativos de créditos de empresas e bancos da América Latina, o chamado Latam Corporate Bonds, e 80% de crédito privado no Brasil. Para o gestor, essa tese de compor diferentes classes de crédito dentro de uma mesma estrutura de fundo diversifica o risco.

“Quando eu vou comprar uma boa empresa em Chile, Colômbia, Peru, ainda que tenham desafios macrofiscais, têm um nível de risco muito menor, porque o risco soberano, o rating global desses países é muito melhor do que o daqui. O Brasil é um rating BB – em escala global, é um grau especulativo. Temos a mania aqui de falar que o crédito que a gente atua aqui é high grade, explicou.

Peixoto entrou na Trígono justamente para criar o fundo, a convite de seu ex (e agora atual) colega de trabalho, o CIO Werner Roger. Segundo o sócio, sua experiência de 26 anos em crédito, passando por “todas as cadeiras” de empresas como Citibank, Pirelli, Rio Tinto Alcan e Santander, o ajudou a entender a evolução do mercado de crédito privado.

“Há 22 anos, quando eu e o Werner trabalhamos juntos, não existia mercado secundário de crédito no Brasil. A gente brincava que era analisar empresa e rezar para ela se pagar. Não tinha o que fazer se ela não pagasse as debêntures. Hoje, já é negociado R$ 1,5 bilhão por dia em debêntures, que é o segmento que a gente atua. O mercado evoluiu bastante”, disse.

Confira a entrevista completa da Trígono Capital ao BP Money

Como o fundo de crédito privado surgiu e qual sua relação com a Trígono?

Marcelo Peixoto – A Trígono é uma gestora que existe há cinco anos e sempre teve seus fundos de renda variável com excelente performance, track record muito bom. Os três principais fundos, de dividendos, um de small caps e um de ações livre (mas com viés de small caps também) – são superpremiados e conhecidos no mercado

O DNA da empresa é analisar empresas. Os sócios fundadores, que se conhecem há mais de 30 anos, pensaram em qual poderia ser o próximo capítulo dentro da empresa. Werner Roger, CIO da gestora, trabalhou comigo há 22 anos em crédito. Dos 40 anos de mercado dele, 25 foram em crédito, pouca gente sabe disso.

A gente sempre trabalhou muito bem junto, sabe quando dá aquela química boa de trabalhar bem? Nunca perdemos contato e sempre acompanhamos a carreira um do outro. Eu estava como Santander Asset Management há quase 10 anos, na gestora do Chile, fazendo fundos de crédito offshore, os Latam Corporate Bonds, quando o Werner me fez o convite para vir [para a Trígono].

Mas havia algo acontecendo naquele momento de mercado que explicasse a criação do fundo?

Marcelo Peixoto – Aqui na Trígono temos uma visão de longo prazo, não foi algo relacionado a timing. Se você olhar a própria história da empresa, ela nasceu com um ponto de partida pequeno, assim como meu fundo nasce pequeno – a gente não tem seed money de terceiros, é um dinheiro nosso, dos fundos que podem aportar, e dos nossos sócios.

É uma visão de longo prazo, sem perder a identidade do que a gente faz. E o que a gente faz muito bem, o Werner há 40 anos e eu há 26, é analisar empresas. Por isso a gente não faz crédito estruturado, não faz FIDIC, não faz CRI, CRA. A gente respeita quem faz, tem muita coisa boa, mas a gente gosta dos ativos líquidos. Aqui não é uma casa hedge, macro, multimercado. Aqui, as caixinhas sempre vão estar relacionadas a empresas, que olhamos de perto.

Qual é a estratégia de investimento do fundo de crédito?

Marcelo Peixoto – O meu produto é menos rentável (comparado aos outros fundos da gestora), mas mais escalável e não perde o DNA da empresa de analisar empresas. O crédito que a gente faz, é o que a gente fala de ‘old school’, ou o mais tradicional possível. O Trígono Pulsar Blend, está com 10 meses, e a gente quis fazer algo diferente do que os outros estavam fazendo, não vir com um produto massificado.

A gente investe até 20% nessa parte offshore hedgeada, em ativos de créditos de empresas e bancos da América Latina. E no mínimo 80% no crédito privado Brasil. Então o produto é um híbrido, entre offshore e Brasil.

É uma estrutura master-feeders. O que está disponível nas principais plataformas digitais é um FIC (Fundo de Investimento em Cotas) e eu, como gestor, eu decido a alocação entre dois masters. Um eu posso ir até 20% que é o Latam Corporate Bonds, e o outro, que é crédito privado Brasil, eu posso ir no mínimo 80%.

Você comentou então sobre essa divisão local e offshore. Por que ela existe?

Marcelo Peixoto –  Por que eu não misturo todas essas coisas, que poderia ser até mais simples? Porque essa estrutura, ela nos deixa uma organização, que nós vamos conseguir em uma história, para posteriormente vir com produtos derivados dela. Você pode pensar que daqui a pouco, eu possa vir com um produto que seja 100% América Latina, por exemplo. 

Então você vai agregando retorno esperado e volatilidade também porque ativos Latam são mais líquidos. O Latam tem 10x mais liquidez lá fora do que o mercado local de crédito. Ele negocia o equivalente a R$ 10 bilhões por dia, enquanto aqui negocia R$ 1 bilhão.

Você pensa ‘poxa, mas é crédito e crédito’. É verdade. Pode ter o mesmo emissor aqui e lá, tem empresas brasileiras que emitem no exterior. Mas por que um investidor compra um ativo lá fora? Esses ativos são totalmente descorrelacionados.

Eu rodei uma correlação nos últimos cinco anos. Eu comparei Ibovespa, Fundos Multimercados, IDA (Índice das Debêntures da Anbima) e o EMBI do J.P. Morgan, que é o principal benchmark desse Latam Corporate Bonds. A menor correlação que extraímos, os ativos que menos ‘andam juntos’, são crédito local e o internacional.

Isso porque eles têm algumas características que são muito diferentes. Lá fora, esses ativos são negociados em um mercado todo pré-fixado, diferente do mercado local que é CDI+, que é o mercado que eu atuo. Aí já tem uma característica importante. E o que aconteceu ao longo do último ano? As treasuries abriram muito. Lá fora negocia treasuries mais um spread de crédito. Então as taxas abriram muito e os títulos performaram super mal no ano passado.

Aqui, tirando de Americanas (AMER3), nos últimos oito meses, houve fechamento forte de taxa de spread de crédito. Os fundos de crédito performando super bem. Fluxo vindo para crédito. O mercado primário não absorvia todo esse fundo novo, os gestores tinham que alocar recursos e iam no secundário. Eles apertaram as taxas, elas fecharam e os fundos performaram bem.

Você citou o caso Americanas. Foi um momento em que o mercado de crédito estremeceu. Vocês estavam alocados?

Marcelo Peixoto – A gente não teve impacto nem de Americanas (AMER3), nem de Light (LIGT3): Passamos ileso pelas duas. . Mas ali, infelizmente, o mercado mudou, ele deu uma freada e uma corrigida. Como eu percebi o mercado desde então? Quem tinha o papel da Americanas, está perdoado, porque foi uma fraude, talvez a maior na história do mercado de capitais brasileiro, tem muita coisa para ser explicada ainda.

O que pode ser julgado ali de quem estava alocado é o nível de exposição. Se o gestor estava cumprindo o mandato dele, se não estava muito exposto. Mas ter ou não o papel, quando você está analisando números falsos, já perdeu o julgamento.

Meu produto é um D + 30, com um retorno alvo de CDI + 2,5%. Mas os fundos D + 0 que estavam alocados, a gente viu uma pressão de resgate muito forte na indústria. Esse é o problema de fundos de curto prazo, que alocam em crédito, porque aí o gestor tem que vender. Nessa hora, com um mercado com aversão a risco com tudo o que estava acontecendo, com pouco comprador, o preço desaba e começa uma reação em cadeia que se autoalimenta.

Quando [o mercado de crédito] começava a dar sinais de estabilidade, veio Light. Nós também não fomos impactados. Só que Light pegou muita gente, inclusive pessoas físicas, porque ela tinha aqueles papéis incentivados, isentos de Imposto de Renda (IR). Então a companhia foi uma surpresa nesse sentido.

O fato dela ter contratado aquele escritório de assessoria para otimizar seu setor de capital, caiu que nem uma bomba no mercado. E aí começa tudo outra vez, resgates, queda de preços e etc. Agora, também estamos vendo na mídia, Tok&Stok, Gol (GOLL4), Azul (AUZL4), Marisa (AMAR3), que para o ambiente de crédito, em um ambiente de juros altos, é ruim.

Mas eu acho que para frente, já está atrativo. Você tem high grade de empresa muito boa, pagando CDI + 4%. É um nível muito convidativo para alocar. Pode abrir mais? Pode, mas para um investidor de longo prazo já um nível fantástico de dúvida nenhuma.

Você falou sobre ser uma ‘empresa que analisa empresas’. Quais são as principais alocações que tem dado certo na casa?

Marcelo Peixoto – Acho que dá para falar em setor. Saneamento acho que é um setor muito resiliente, nós temos exposição a várias empresas, algumas com perspectivas de serem privatizadas. É um segmento que está com boas margens. São empresas que estão bem geridas e entregam, as metas têm reajustes tarifários importantes, então você vê o fluxo de caixa. É diferente de outras indústrias que você pode deixar de consumir.

O setor de transmissão também é um setor que a gente gosta e estamos expostos. Já bancos, eu não tinha muito no início, mas surgiram mais oportunidades, porque eles estavam expostos no caso da Americanas e teve muita ampliação de spread. Então eu elevei a carteira de 5% a 6% para 17% em bancos. Hoje é o setor que eu mais estou exposto, só banco grande brasileiro, não fico exposto a bancos menores. Eu não vejo também nenhum risco do que aconteceu recentemente nos EUA [chegar aqui].