"Transação é o futuro da regularização fiscal", diz Nicolai Mascarenhas

BP Money entrevista o advogado Nicolai Mascarenhas, especialista em transação tributária

Quem precisa resolver pendências tributárias com o Governo Federal pode fazer uso de uma ferramenta que aos poucos vem sendo utilizada por cada vez mais pessoas que querem quitar suas dívidas com a receita. 

A chamada transação tributária é um instrumento que permite a negociação de débitos fiscais entre o contribuinte e a autoridade fiscal. Essa negociação pode envolver a concessão de descontos, prazos especiais para pagamento ou outras condições favoráveis para a quitação dos débitos.

Especializado no assunto, o escritório Nicolai Mascarenhas Advocacia presta consultoria para pessoas e empresas que querem ficar em dia com a União. O CEO do escritório, Nicolai Mascarenhas, explica que a transação foi uma forma que o governo encontrou de obter arrecadação de forma mais assertiva. 

“O fisco se conscientizou que a forma tradicional de cobrança coercitiva de execução de penhora muitas vezes não surte um efeito desejado no sentido de obter arrecadação do tributo do devedor inadimplente […] Por meio de direcionamentos da negociação é possível você apresentar propostas ou aderir a propostas em que seja realizado análise do seu quadro econômico, em que pode haver flexibilização da forma e valores da parcela, onde você pode chegar a descontos entre 65% até 70%, principalmente direcionado para multas de juros e um parcelamento em até 120 vezes”, explicou Mascarenhas. 

Ao BP Money, Mascarenhas exemplifica que a medida abre alternativas para várias possibilidades de negociação. “Tivemos no nosso escritório um cliente que estava em situação de execuções que estavam penhorando um bem dele, o que o impedia de vender para um terceiro. Fizemos uma transação de substituição da garantia condicionando essa venda ao pagamento e amortização do débito principal, mediante o cumprimento das obrigações. Obteve-se posteriormente a questão de regularidade, onde o comprador ficou tranquilo para não ter um redirecionamento das execuções e nós conseguimos resolver uma operação que no final das contas beneficiou todas as partes”, ilustrou. 

Prêmio

Em maio, o escritório Nicolai Mascarenhas Advocacia recebeu o Prêmio Empresa Brasileira do ano de 2023, no evento Quality Summit 2023, promovido pela Organização LAQI (Latin American Quality Institute).

 A LAQI é uma organização privada sem fins lucrativos, fundada em 2007 no Panamá,  que visa incentivar e guiar empresas a investirem em melhorias na qualidade e sustentabilidade, premiando aquelas que se destacam. Inspirada na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), que inclui questões ambientais e sociais, o prêmio Empresa Brasileira do Ano, reconhece, entre outros aspectos, a qualidade da gestão empresarial, o comprometimento com o LAEM (Latin American Excellence Model) e as boas práticas empresariais.

Dentre as atividades que o escritório Nicolai Mascarenhas Advocacia realizou para conquistar o prêmio, estão: a prestação gratuita de serviços jurídicos (pro bono); regras de seleção voltadas para a promoção de inclusão e diversidade de gênero e etnia; e a assessoria de ONG e organizações sem finalidade lucrativa que desempenha atividade de cunho social – a exemplo da Fundação a Casa da Mãe.

Confira a entrevista na íntegra:

BP Money – Como funciona a transação tributária e porque é tão importante?

Nicolai Mascarenhas – O que nós estamos percebendo ao longo dos últimos anos, é que o fisco se conscientizou que a forma tradicional de cobrança coercitiva de execução de penhora muitas vezes não surte um efeito desejado no sentido de obter arrecadação do tributo do devedor inadimplente. 

Percebeu-se que os parcelamentos engessados usualmente em 60 parcelas que em sua grande maioria exigem entradas e garantias reais, acabam inibindo o bom contribuinte que está inadimplente de obter a sua regularização. 

No âmbito do Brasil sempre existiu a possibilidade da transação e dessas formas alternativas de composição, mas recentemente em 2020, por meio da lei 13.988, veio à tona uma nova legislação específica para tributos federais incorporando e operacionalizando o Instituto da Transação Tributária. 

Esse que é um dos mecanismos alternativos de cobrança que estão surgindo ao meu ver é o grande marco para a busca da regularidade daquele que está em situação de inadimplência. 

Por quê? Por meio de direcionamentos da negociação é possível você apresentar propostas ou aderir a propostas em que seja realizado análise do seu quadro econômico em que pode haver flexibilização da forma e valores da parcela sendo escalonado, gradativa, onde você pode chegar a descontos entre 65% até 70%, principalmente direcionado para multas de juros e um parcelamento em até 120 vezes.

O que eu acho interessante desse novo modelo é justamente a possibilidade de você criar cenários junto com o procurador onde demonstrado sua situação econômica ele pode fazer enquadramentos flexíveis ou menos flexíveis e criar condições específicas para o seu caso.

BP Money – Existem outras formas para se regularizar os tributos. Mas por que esse modelo é tido como o futuro para este setor?

Nicolai Mascarenhas  – Justamente quando coloca na mesa o contribuinte e o procurador para entender qual é o motivo que ele não está conseguindo fazer a adesão, a forma ordinária de conciliação que é o parcelamento cria um cenário de maior possibilidade de cumprimento dessa obrigação. 

Em âmbito de governança corporativa e de sustentabilidade é o que nós estamos chamando de negociação tributária sustentável. Observamos muitas vezes em nossa experiência profissional e no mercado que as partes fazem adesão ao parcelamentos, esses mais engessados, muitas vezes sem capacidade de manter o pagamento daquelas parcelas tal qual prefixado e acabam se tornando reincidentes na inadimplência e vira uma bola de neve.

E muitas vezes como estratégia, esperam parcelamentos especiais como Refis e Paex para ter redução da dívida criando um cenário de regularização proposital porque não tem um ambiente adequado de negociação.

 

 

BP Money – De que maneira o contribuinte deve agir e a quem procurar para poder utilizar esse novo modelo?

Nicolai Mascarenhas  – Primeiro é importante esclarecer que a transação tributária está sendo hoje disponibilizada para tributos federais. Esperamos e incentivamos que os outros entes federativos como os estados e municípios também adotem essa forma mais próxima de composição. 

Em âmbito federal realmente nós temos de elogiar a atuação da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. Estão utilizando um programa chamado Regularize em que qualquer cidadão mediante acesso às orientações muito claras e simples que estão no sistema podem fazer propostas.

 Lógico que questões mais complexas, ao nosso ver, é interessante estar acompanhado de um profissional especializado porque como comentei, é possível você criar ou modular contextos de negociações, então existem brechas que a lei 13.988 e as portarias da PGFN estipulam ou possibilitam que podem ser explorados para ter uma melhor condição para a adesão e o parcelamento e o pagamento posterior desse valor negociado.

BP Money – Na sua opinião, o que falta ainda para que esse processo realmente seja mais utilizado pelos contribuintes ?

Nicolai Mascarenhas  – Infelizmente você não muda um traço cultural da noite para o dia. Então, existia há muito tempo essa possibilidade da transação, mas a regulamentação veio quase quatro a cinco décadas depois e em que pese estar sendo realizado um trabalho de conscientização e de divulgação, muitos ainda não entenderam o verdadeiro escopo dessa negociação, confundindo ela com meros novos parcelamentos. 

Então, por exemplo, nós tivemos no nosso escritório um cliente que estava em situação de diversas execuções que estavam penhorando o bem dele e nós estávamos com ele impedido para venda para um terceiro com o efetivo comprador. Fizemos uma transação de substituição da garantia condicionando essa venda ao pagamento e amortização do débito principal mediante o cumprimento das obrigações. Onde obteve-se posteriormente a questão de irregularidade o comprador ficou tranquilo para não ter um redirecionamento das execuções e nós conseguimos resolver uma operação que no final das contas beneficiou todas as partes. 

Então para repensar essa forma de atuação, ela precisa de algum tempo para ser assimilada pelos profissionais da área porque muitos profissionais de contabilidade da área jurídica que talvez ainda não tenham entendido o real alcance pro próprio contribuinte perceber essas possibilidades que vem com essas inovações das negociações e principalmente uma ampliação desse instrumento para os outros entes. Porque como eu comentei, está hoje limitado aos tributos federais. 

A União está fazendo um papel muito bom no processo de mudança. Dessa nova forma de cobrar o tributo. Vencendo a antiga visão do litígio da briga, buscando a composição, partindo da presunção de boa fé, lógico, mediante análises documentais. Então, esse processo já está já está startado, sendo disseminado, mas precisa ser cada vez mais conversado para ser conscientizado e até evoluir. 

BP Money – Na sua avaliação, o que ainda pode ser melhorado e de que maneira o senhor indicaria essa melhora? Nos seus estudos, o senhor chegou a falar que ainda é algo federal e que vem sendo muito bem feito. Há uma previsão para se chegar aos Estados e municípios?

Nicolai Mascarenhas – Eu gosto muito de instituições que façam pesquisas. E eu acompanho muito o núcleo de pesquisa em tributação do Insper. Ele tem um ponto chamado Observatório do Contencioso Tributário. E ele fez estudos sobre o diagnóstico do contencioso judicial brasileiro. Em um determinado capítulo que foi feito, eles fizeram análise de todos os estados e apenas o estado de São Paulo criou regra atual com portaria oxigenada. 

Para uma conversa rápida, com relação à União, é muito difícil apontar todas as questões que precisam ser avançadas porque são muitas operacionais até porque de fato o espírito do que estão se propondo é tão positivo, que tem que ser enaltecido. Então eu não gostaria de criar uma sombra por meio de críticas pontuais e operacionais, que no dia a dia acabamos percebendo, principalmente voltada para empresas que estão em situação de insolvência e com um passivo tributário alto em que você tem de entender uma forma de intervenção diferente. 

Mas o que eles têm de benefício é tão positivo que precisa ser exposto. E aí voltando a crítica, sim, vamos para outros estados que não fizeram por falta de vontade política por questões de uma visão de arrecadação para composição orçamentária que na realidade está gerando um sistema viciado.

Por estudos desse próprio observatório já existiu a comprovação estatística que o número elevado de execuções não contribui efetivamente para o recebimento de tributo por padrões estabelecidos estanques, que não esteja de acordo com a realidade do devedor contribuinte.

BP Money – De que maneira esse novo modelo pode impactar o mercado financeiro, o mundo dos investimentos de forma geral? Esse impacto seria positivo ou negativo? 

Nicolai Mascarenhas  – Investimento envolve segurança. Segurança envolve uma análise criteriosa do estado que está a empresa. Então, investidor privado, bancos de desenvolvimento, abertura de capital, todos eles são processos que exigem certificações onde uma delas é a regularidade tributária. 

Então muitas empresas sustentáveis e viáveis acabam não tendo acesso ou não conseguindo fazer parcerias importantes em função dessa desse engessamento da forma de negociação atual e muitos investidores acabam não entrando em negócios justamente por não quererem assumir o risco de uma questão que entendem como inviável. Então, até como uma forma de equacionamento e de viabilização de empresas que passam por dificuldades. 

O Walt Disney faliu nas suas primeiras experiências e retornou depois sendo o visionário que foi. A empresa se tornou tão grande que nem mais americana é, é de um fundo de investimento chinês. Então, a volatilidade do mercado é muito interessante. E essa volatilidade só é possível quando você tem instrumentos que garantam cada vez maior segurança, e, sem sombra de dúvidas, a complexidade do sistema tributário brasileiro e a dificuldade do tratamento do passivo constituído são pontos de gargalo muito grande para a atividade econômica e na linha de frente para o investidor. 

Diversas empresas estão em situações em que o investidor tem esse interesse, mas não tem essa possibilidade e o próprio empresário não consegue ter acesso a essas linhas em função de questões operacionais, tanto que existem fundos especializados chamados fundos de estresse que trabalham com a empresa em crise. Percebeu-se na prática a criação de muitos fundos de estresse para tratar, porque existiu uma forma mais adequada para poderem fazer o ingresso do capital deles ou a reestruturação da empresa.

O mercado quando a empresa está saudável ou retorna ao estado adequado, tornam-se verdadeiras fontes de equilíbrio. Um dos vários casos em que podemos ver singularidades é a Oi. A Oi teve uma briga societária absurda, um processo de recuperação bem traumático, mas depois da aquisição, as ações valorizaram muito, em determinado momento quando foi veiculado que seria feita a venda e que a ANATEL não ia permitir a quebra dela, além de outras questões de ordem política, o investidor se sentiu à vontade para reinserir. 

No fim das contas todo mundo quer ganhar dinheiro e a empresa que está precisando desenvolver uma atividade viável acaba tendo esse aporte para ter o retorno do capital e poder deixar o investidor extremamente satisfeito. A bolsa inclusive tem esses critérios de análise, isso a gente pode falar desde o macro até do micro. Então quanto mais for disseminado, melhor para que o micro inclusive venha a ser oportunizado essa chances, essas alternativas seja por meio de investidores qualificados, investidores pessoas físicas, por meio de bancos de desenvolvimento, todas essas formas são economicamente muito adequadas.