Opinião

Gympass agora é Wellhub, um erro só comparável à troca do Twitter por X

Artigo de Marcos Bedendo, Sócio-Consultor da Brandwagon Consultoria de Branding e Pesquisa de Mercado

Gympass muda para Wellhub
Foto: Divulgação

por Marcos Bedendo, Sócio-Consultor da Brandwagon Consultoria de Branding e Pesquisa de Mercado
 
A Gympass é uma empresa incrivelmente bem-sucedida. Tão bem-sucedida que é um case internacional de startup de sucesso, avaliada como unicórnio (com valor de mercado superior à US$ 1 bilhão) e continuamente levanta vultosos investimentos no mercado privado. Analistas indicam que ela estaria, inclusive, se preparando para fazer um IPO.

Seu sucesso vem do fato que ela não foi apenas uma ideia genial muito bem implementada com a criação dos passes para academias – o tal do “GymPass”. Mas também por ter sido capaz de evoluir a ideia genial para um serviço completo de saúde e bem-estar, mudar o seu processo de venda, e continuar a crescer espetacularmente. Então essa não é uma crítica ao negócio em si. Afinal, os números estão aí para mostrar o sucesso que é a empresa. No entanto, a troca anunciada do nome Gympass por Wellhub parece uma decisão tão equivocada e atabalhoada quanto a troca da marca Twitter por X.

A troca do nome de uma empresa é uma decisão muito arriscada, e por isso, muito pouco tomada. As situações em que as trocar de nomes devem ser feitas de maneira brusca normalmente são muito específicas – questões jurídicas e legais, como quando o Cade impediu o uso da marca Kolynos para aprovar a fusão da Colgate com a Palmolive no Brasil, lá nos anos 90, ou por total quebra de confiança e reputação da marca, como no caso da Arthur Andersen, empresa de consultoria e auditoria que esteve envolvida em casos de fraudes empresariais (o mais conhecido foi o caso da Enron Energia) e mudou seu nome para Accenture, ou a antiga Odebrecht, que em função dos envolvimentos nos escândalos da Lava Jato precisou mudar o seu nome para Novonor. Situações muito distantes do caso da Gympass.

Nomes de marcas são discussões simples e complexas ao mesmo tempo. No início, a questão do nome é relativamente simples. Um nome de marca pode seguir algumas orientações gerais para ser bem-sucedido, como ser fácil de se pronunciar, ajudar a comunicar atributos organizacionais ou de produtos, e funcionar em diversos idiomas. Além de, claro, não estar registrado por outra empresa.

Mas para além disso é uma questão que envolve basicamente o gosto pessoal. Sempre digo para as empresas que faço consultoria que dar nome para produtos e como dar nome para crianças. Os pais têm que concordar e gostar. Porque depois disso, o nome passa por um processo de ganho de significado. O uso contínuo do nome associado a um serviço, produto, ou contexto passa a dar àquele nome um significado específico, e ele passa a ser então o elemento central de um conjunto de lembranças de marca. E aí a história começa a ficar um pouco mais complicada.

A dinâmica é mais ou menos a seguinte: antes de sabermos o que é o nome, não importa muito como ele vai ser. Mas depois que as pessoas se acostumam com ele, ele passa a ser o principal elemento ao redor da lembrança. Então toda vez que se escuta o nome, ele dispara gatilhos de associações na cabeça das pessoas que faz com que elas localizem o nome em um contexto e dê a ele características. E aí entra a parte complexa do nome. Porque quando se troca o gatilho gerador da lembrança – o nome – todas as demais associações são perdidas.

Quando é necessária a troca do nome, o processo costuma ser feito com muita cautela e esforço, para evitar a perda das associações, normalmente passando por transições graduais e longas. Por exemplo, Itaú e Unibanco. Hoje o nome Unibanco não existe mais, mas para que o grupo não perdesse algumas associações positivas na migração para o nome Itaú, foi feito um trabalho de transição dos dois nomes por um longo período – em especial para os correntistas do Unibanco, os mais afetados com a mudança. A Latam Linhas Aéreas passou por um processo similar, onde carregou o nome TAM por alguns anos numa transição que foi sempre muito bem explicada para os stakeholders. E nesses casos, estava claro a razão da troca das marcas – simplesmente não fazia sentido um mesmo grupo manter duas marcas separadas no mercado.

O caso da Gympass parece ser um capricho ou talvez simplesmente um grande erro. A fundamentação dada para a troca do nome – que ela é mais do que um “passe para a academia” atualmente, e, portanto, o nome “Gympass” não a representa mais é invalido do ponto de vista de qualquer tipo de técnica de branding ou marketing. Porque assim como marca ganha significado, ela também pode ser ressignificada.

Não é incomum empresas crescerem e entrarem em novos mercados. E nem por isso elas trocam de nome de forma tão abrupta, descartando uma marca com 11 anos de história bem-sucedida. Existem outras formas de mostrar aumento de escopos, normalmente se fazendo ajustes nas arquiteturas de marcas dos grupos organizacionais. Veja o caso do Facebook. Ele é, já há muitos anos, muito mais do que um “livro de faces”. Mas nem por isso ele jogou fora o nome Facebook. A mudança para Meta não foi perfeita, mas nem de longe se assemelha ao que a Gympass está fazendo.

Existem muitos outros exemplos. A GE (General Eletric), há mais de um século faz mais do que energia. Mas a marca continua lá, e ninguém parece se importar que uma empresa de energia atue no mercado de turbinas de avião, por exemplo. A SalesForce é outro exemplo, que imagino que seja bastante conhecida dos executivos da Gympass. Ela há muito tempo é uma empresa que oferece muito mais do que softwares para gestão de força de vendas. Mas não precisou trocar de nome. Outro unicórnio brasileiro, Ifood não vende mais somente “foods”, mas também manteve o seu nome. Os nomes estão sendo ressignificados. Sabe por quê? Porque nomes são combinados sociais. E de vez em quando, esse combinado muda.

A gestão de empresas é, em última instância, a gestão dos relacionamentos que a empresa tem com seus stakeholders internos e externos. E deixar todos confortáveis com as mudanças que as empresas devem fazer para continuar evoluindo é chave para esses stakeholders continuem envolvida coma empresa e seus negócios. Quando se decide pela troca de um nome, normalmente isso é feito com um plano de transição que deixe os stakeholders confortáveis com a mudança. E não com um artigo do seu CMO afirmando “Adeus Gympass, bem-vindo Wellhub” no blog do site da empresa.

A empresa parece se preocupar muito pouco com a experiência que a marca está proporcionando. Afinal, será que esse nome não significa nada para os 3 milhões de usuários de 15 mil empresas espalhados em 11 países? A mudança de nome é uma decisão irá causar impacto em toda essa comunidade. Da mesma foram que a comunidade do Twitter ainda sente a troca do nome para X.

Não podemos dizer que a troca do nome vai fazer da Gympass uma empresa automaticamente malsucedida. Talvez ela consiga fazer essa mudança e continuar a crescer da maneira como vem crescendo, ou até acelerar o crescimento. Como escrevo no meu livro, um bom negócio suporta tranquilamente um nome de marca ruim. Mas se a troca do nome for feito da maneira como parece que será pelo anúncio, ela não é só uma decisão ruim de branding. Ela é uma decisão ruim de negócios. E talvez investidores e potenciais acionistas levem isso em consideração ao avaliar a qualidade da gestão da empresa, com potencial impacto no valor das ações caso ela de fato vá em frente com o seu IPO.

Marcos Bedendo é sócio consultor da Brandwagon, consultoria especializada em alinhar essências e propósitos de empresas para direcionar estratégia e marca. Também é palestrante e professor de na ESPM-SP, FDC, Insper, FIA e Ibmec. Autor do livro “Branding: processos e prática para a construção de valor”. LinkedIn. Brandwagon.