
O último mês de 2025 traz números preocupantes sobre a saúde financeira dos brasileiros. O endividamento das famílias atingiu 49,3% da renda anual em outubro, segundo dados do Banco Central. Assim, quase metade da renda está comprometida com dívidas, levando milhões de lares a encerrar o ano no vermelho.
O estoque total de crédito no país alcançou R$ 7 trilhões, um recorde histórico. No entanto, esse crescimento tem custo elevado. A taxa média de juros para pessoas físicas subiu para 59,4% ao ano, o maior nível desde 2017, encarecendo cada real tomado emprestado.
O principal vetor do aumento do endividamento em 2025 foi o crédito consignado para trabalhadores CLT. As concessões mensais saltaram de R$ 1,6 bilhão para mais de R$ 6 bilhões, alta de 257% no ano.
O programa Crédito do Trabalhador, lançado em março, facilitou o acesso a essa modalidade. Entretanto, a expansão veio acompanhada de custos maiores. Em 12 meses, os juros do consignado subiram 18%, ampliando o comprometimento da folha de pagamento dos trabalhadores.
Segundo projeção do Banco Central, a taxa média deve encerrar o ciclo em 57,1% ao ano. Assim, mesmo sendo uma linha considerada mais segura, o custo segue elevado e levanta alertas sobre inadimplência futura.
Dívida boa ou dívida ruim: o alerta dos especialistas
Para Jorge Azevedo, especialista em crédito e riscos, o endividamento não é necessariamente negativo. “A dívida pode ser saudável quando gera renda, como no financiamento de um veículo para trabalho”, afirma.
Em termos estruturais, o Brasil ainda tem espaço para expansão do crédito. Hoje, o volume equivale a cerca de 60% do PIB, enquanto nos Estados Unidos ultrapassa 180%. Contudo, a comparação esbarra em uma diferença central: no Brasil, os juros são muito mais elevados.
A ampliação do crédito foi impulsionada por bancos digitais e novos mecanismos jurídicos. Como resultado, milhões de brasileiros antes desbancarizados passaram a ter acesso ao sistema financeiro.
Por outro lado, esse avanço ocorreu sem o mesmo ritmo de educação financeira. Muitos consumidores passaram a assumir dívidas sem pleno entendimento dos custos, especialmente em linhas de crédito mais caras.
Comprometimento mensal da renda também preocupa
Além do endividamento anual, outro indicador chama atenção. O comprometimento mensal da renda com dívidas chegou a 29,4%, o que significa que quase um terço do salário é destinado ao pagamento de parcelas.
O crédito às pessoas físicas soma R$ 4,7 trilhões, o equivalente a 37,2% do PIB. Mesmo com juros elevados, famílias continuam recorrendo ao crédito para manter consumo ou reorganizar dívidas antigas
Por enquanto, a inadimplência segue relativamente estável. Os atrasos acima de 90 dias representam 3,8% da carteira total. Ainda assim, especialistas veem risco de deterioração.
“Em um cenário de juros altos e salários que não acompanham a inflação, a tendência é de aumento da inadimplência”, alerta Azevedo. Muitas famílias já operam no limite do orçamento.
Entre as modalidades de dívida, o cartão de crédito se destaca negativamente. Ele responde por 84% dos casos de endividamento, com juros entre os mais altos do mercado.
Na sequência aparecem carnês (17%) e crédito pessoal (10%). Esse perfil revela elevada vulnerabilidade financeira, com famílias presas a modalidades caras e de difícil saída.
2026 promete um cabo de guerra econômico
O cenário para 2026 permanece desafiador. O Banco Daycoval projeta manutenção da Selic em 15% até março, mantendo o crédito caro nos primeiros meses do ano.
Por outro lado, a ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda para salários de até R$ 5 mil deve aliviar o orçamento de cerca de 10 milhões de famílias. A dúvida é se esse ganho será direcionado ao consumo ou à quitação de dívidas.
Segundo Antonio Ricciardi, a maior parte do ganho adicional tende a ir para o consumo. As famílias beneficiadas concentram demanda em crédito habitacional (26%), consignado (24%) e cartão de crédito (19%).
“Com o novo consignado, o aumento de renda deve impulsionar o programa”, avalia Ricciardi. Assim, o ciclo de endividamento pode se repetir, mesmo com melhora pontual no poder de compra.
O Brasil entra em 2026 com famílias pressionadas, crédito abundante e juros elevados. Nesse contexto, o equilíbrio entre consumo e responsabilidade financeira será decisivo para evitar um agravamento do quadro.