Agilidade e acesso a capital

Iniciativa privada será responsável por 72% do investimento em infraestrutura

Apesar da importância da iniciativa privada, o Estado não deve se eximir das responsabilidades para com esse setor estratégico, dizem especialistas.

(Foto: Petr Magera/Unplash)
Participação da iniciativa privada corresponde a mais de 70% dos recursos destinados a infraestrutura e logística no Brasil desde 2019 (Foto: Petr Magera/Unplash)

Um estudo feito pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) aponta que cerca de 72,2% do investimento em infraestrutura do país em 2025 deve ser feito pelo ser feito pelo setor privado. Especialistas explicam que a agilidade operacional e facilidade no acesso a capital ajudam a explicar o crescimento.

Segundo os dados apresentados pela Confederação, a participação da iniciativa privada corresponde a mais de 70% dos recursos destinados a infraestrutura e logística no Brasil desde 2019. Em 2024, o setor privado investiu 70,5% dos R$ 266,8 bilhões destinados a infraestrutura.

Profissionais ouvidos pelo BPMoney acreditam que a própria dinâmica do setor privado explica o aumento nos investimentos.

“O setor privado tem mais agilidade legal e estrutural para agir. Possuem os índices de governança e compliance acima da média e principalmente conseguem dispor de recursos de maneira mais rápida e eficiente, pois em muitos casos as obras são paralisadas devido a demora da máquina pública em liberar suas burocracias.” disse Carlos Zacca, coordenador do Fonseca Brasil Advogados.

Essa realidade não se trata de filantropia por parte das empresas (que ainda têm o lucro como um dos objetivos para realizar esses investimentos), mas da oportunidade de preencher uma lacuna deixada pelo estado.

“É como se estivéssemos assistindo à troca de pilotos em um rally de longa distância: o Estado, esgotado, entrega o volante ao setor privado. A questão é que o Estado não pode simplesmente entregar a direção ao setor privado, ele precisa assumir a posição de navegador, para garantir que o carro chegue onde o país realmente precisa” explicou Bruno Damasceno, sócio do Bandeira Damasceno Advogados, em entrevista ao BPMoney.

O Estado não pode sair da equação

A pesquisa encomendada pela CNI à Inter B consultoria aponta que o Brasil aplicará R$ 278 bilhões em 2025, um valor que ainda é muito baixo, visto que o montante representa apenas 2,21% do PIB (Produto Interno Bruto).

Os especialistas concordam que, sendo um bem estratégico, público e essencial para o desenvolvimento econômico e social do país, os investimentos em infraestrutura e logística do Brasil deveriam ser liderados pelo Estado. “O setor privado, por mais eficiente que seja, só investe onde há retorno. E muitas vezes, o retorno financeiro não coincide com o retorno social.” explicou Bruno Damasceno.

Sendo assim, o governo brasileiro deve traçar regras claras para que o investimento privado nesse bem público seja proveitoso para todos os envolvidos. “Essa colaboração deve ocorrer dentro de um arcabouço institucional democrático, com regulação clara e mecanismos de controle eficazes, assegurando que os interesses da sociedade prevaleçam sobre objetivos exclusivamente econômicos” declarou Felipe Kfuri, sócio do L.O. Baptista Advogados.

Traçados os limites de ambas as partes, o setor privado tem o potencial de contribuir com inovações na execução dos projetos e com a já falada rapidez para a construção. Apesar do sabor agridoce, o aumento do investimento privado em infraestrutura representa uma mudança de paradigma; nesse novo cenário, a iniciativa privada também deve participar na cobrança do cumprimento das funções do Estado, e não como um substituto.

“Organizações como a ABDIB, a CNI e bancos de desenvolvimento já exercem essa cobrança quando pressionam o governo por mais previsibilidade regulatória, por estabilidade jurídica e por investimentos públicos estratégicos. A aprovação do novo marco do saneamento, por exemplo, foi resultado de articulação entre empresários, associações e o poder público” citou Damasceno como exemplos de colaboração produtiva entre o Estado e a iniciativa privada.

O profissional também chamou a atenção para uma “área cinzenta” quando se fala nos números do setor privado: não necessariamente o que se considera “capital privado” é exclusivamente privado. Muitos desses aportes são estruturados por projetos de PPP (Parceria Público Privada) ou concessões que contam com contribuição pública; como participação minoritária ou financiamento via BNDES.

A frequente participação do dinheiro público nesse jogo abre portas para novos riscos fiscais. “Se projetos derem errado, a conta pode voltar para o governo na forma de acionamento de garantias ou necessidade de reestatização de concessões” citou. Um outro ponto destacado por Damasceno foi o risco de corrupção que vem desse cenário, como foi testemunhado durante o escândalo da Lava Jato, em que grandes construtoras, em arranjo com agentes públicos, inflaram o custo de obras públicas e fraudaram licitações.

“À medida que o setor privado se torna onipresente na infraestrutura, é crucial fortalecer mecanismos de transparência e integridade nas concessões e PPPs, para evitar ‘privatização dos ganhos e socialização das perdas’ via aditivos contratuais injustificados ou tarifas abusivas. Agências reguladoras independentes, tribunais de contas atuantes e participação da sociedade civil são ferramentas para mitigar esse risco.” concluiu Bruno Damasceno.

Vai aumentar ou vai diminuir?

Entre prós e contras, ainda não é possível bater o martelo sobre como serão os próximos anos. Apesar das vantagens que a iniciativa privada tem, essas empresas ainda precisam lidar com incertezas regulatórias, instabilidade política, inflação elevada, juros altos. volatibilidade cambial, aspectos que podem diminuir o interesse dos investidores. Entraves com licenciamento ambiental também foram citados como possível desafio.

Carlos Zacca é um dos que acredita que, por enquanto, essa escalada irá diminuir. “Hoje vivemos uma insegurança jurídica enorme para mobilização de investimentos privados. Vivenciamos aumento de juros, dinheiro mais caro, aumento constante de impostos, e mudança de regras a todo o momento. Com isso os investimentos somem” declarou o especialista. “Várias empresas que dobrariam suas estruturas em projeções de 2019 até 2025 retraíram investimento e, na contramão, estão encolhendo e reduzindo custos de ampliação e crescimento para pagar dívidas ou mesmo se manter estável durante o período que identificamos” completou.

Felipe Kfuri, por outro lado, acredita num possível aumento dos investimentos da iniciativa privada na infraestrutura e na logística do Brasil, motivado pela demanda reprimida do país somados ao interesse de investidores internacionais em mercados emergentes e com projetos sustentáveis.

“Os investimentos privados em infraestrutura no Brasil tendem a crescer nos próximos anos, impulsionados por diversos fatores estruturais e institucionais. As restrições fiscais enfrentadas pelo Estado limitam sua capacidade de investimento direto, abrindo espaço para a atuação do setor privado. Além disso, o avanço dos modelos de concessão e das parcerias público-privadas (PPPs) tem se mostrado cada vez mais atrativo para investidores, apoiado por um marco regulatório em processo de amadurecimento” disse Kfuri.