Mais exigências e risco de boicotes

Mercosul-UE: acordo é positivo para o Agro, mas traz desafios

Dificuldades podem limitar benefícios do acordo ou até diminuir o fluxo comercial entre os dois blocos

Agronegócio / Foto: CanvaPro
Agronegócio / Foto: CanvaPro

O acordo de livre comércio entre a UE (União Europeia) e o Mercosul avançou na Cúpula do Mercosul e agora precisa ser chancelado pelo Parlamento Europeu. O tratado traz uma série de benefícios para o agronegócio brasileiro, mas pode ter seus efeitos prejudicados por exigências europeias e possíveis boicotes de empresas.

“Isso pode fazer com que sejam necessários mais procedimentos de rastreabilidade, licenciamento ambiental prévio e cadastro rural”, destaca o sócio-diretor da Pine Agronegócios Alê Delara.

“O principal benefício é a chance de vender mais para a Europa, já que muitos impostos vão diminuir ou acabar. Mas também pode haver problemas”, afirma a analista de inteligência de mercado da Biond Agro Isabella Pliego.

Quais setores devem ser mais beneficiados pelo acordo Mercosul-UE?

“Como benefício, o setor que traz uma melhor expectativa é o setor de carne, principalmente carne bovina“, destaca Delara, lembrando que, além das carnes brasileiras, os produtores na Argentina e Uruguai devem estar entre os principais favorecidos.

O acordo estabelece que o Mercosul pode exportar 99 mil toneladas de carne bovina peso carcaça para a UE com alíquota de 7,5%. Destes, 55% devem estar na forma resfriada e 45% congelada. O volume total deve ser atingido em seis etapas.

De acordo com estimativas da Agrifatto publicadas pelo “Estadão Conteúdo”, o Brasil pode passar a exportar entre 12% e 13% da produção de carne bovina do país à UE se o acordo for aprovado.

O percentual significaria mais que dobrar o volume exportado à UE, que hoje representa 5% da produção, disse a CEO da Agrifatto, Lygia Pimentel, ao “Estadão Conteúdo”.

Outra vantagem trazida pelo tratado é a isenção da Cota Hilton, que hoje permite o embarque de 10 mil toneladas com alíquota de 20%. O Brasil deve ocupar grande parte da cota prevista, uma vez que o país já atende 86% da demanda europeia, afirmou Pimentel.

  • Outros setores beneficiados

O acordo também deve ser vantajoso para os produtores de café, uma vez que a UE é a região que mais compra o grão brasileiro; e para o farelo de soja.

“A soja em grão já é vendida para a Europa sem tarifas, então o acordo não muda muito, mas os produtos derivados, como farelo e óleo de soja, podem ganhar mais espaço no mercado europeu“, comenta a Pliego.

Outra vantagem trazida pelo acordo é o fim das tarifas para o suco de laranja, frutas, café solúvel e óleos vegetais. Enquanto isso, produtos como carnes, açúcar, etanol e mel vão ser comercializados sem taxas até o limite de uma cota prevista pelo acordo.

Entre estes produtos, o destaque é o milho, que deve ter uma cota especial de 1 milhão de toneladas sem tarifas, destaca Pliego.

Desafios podem fazer com que o acordo seja menos efetivo

Mesmo com efeitos majoritariamente positivos para o agronegócio brasileiro, o acordo também pode trazer dificuldades para alguns setores. Produtos europeus, como laticínios e vinhos, vão competir mais com os brasileiros.

Além disso, os agricultores do Brasil vão precisar cumprir regras mais rigorosas de qualidade e cuidados com o meio ambiente. “O setor tem medo de que as exigências da Europa fiquem ainda mais difíceis depois do acordo, complicando o envio de produtos brasileiros para lá”, comenta Pliego.

“Podem haver exigências ambientais prévias, como rastreabilidade de alguns alimentos e de alguns produtos para acessar esse mercado europeu, aumentando a burocracia para a venda para o país”, acrescenta Delara.

Implementar essas mudanças pode ser desafiador, especialmente para os pequenos e médios produtores, que vão precisar aumentar custos para cumprir as exigências e não vão poder repassá-los para o preço dos produtos, uma vez que a maior parte deles são commodities, com preço determinado pelo mercado, lembra Delara.

“Provavelmente o produtor irá absorver esses custos e isso pode encolher a margem dele”, comenta o diretor da Pine Agronegócios.

Entre as modificações, podem ser necessários novos licenciamentos ambientais; adaptações nos processos de produção; comprovações de ausência de desmatamento; e controle sobre emissões de carbono.

Outra preocupação está relacionada à possibilidade de aumento da inflação no mercado interno, com um maior escoamento de produtos para a Europa e consequente queda na oferta dentro do Brasil.

Empresas seguirem o exemplo do Carrefour é a “principal preocupação do Agro”

Além desses fatores, possíveis boicotes de empresas europeias aos produtos brasileiros, a exemplo do caso recente envolvendo o Carrefour, podem reverter os benefícios do acordo Mercosul-UE.

Eu acredito que a principal preocupação do setor do Agro seja de que outras empresas sigam o que fez o Carrefour“, comenta Delara.

“Por mais que tenhamos um acordo de livre comércio com facilitação, redução da burocracia e redução de impostos, se as empresas europeias decidirem por não comprar produtos daqui, pode haver uma dificuldade e até mesmo um encolhimento desse fluxo comercial entre os dois blocos“, cogita o diretor.

Isto pode ser agravado pela entrada em vigor do EUDR, um acordo da UE que proíbe a compra de produtos agropecuários que tenham origem em áreas desmatadas a partir de 2020, mesmo que a retirada da floresta tenha obedecido as leis vigentes no país de origem.

O acordo estava programado para entrar em vigor em 30 de dezembro deste ano, mas pressões de países produtores e de empresas europeias fizeram com que a UE adiasse sua aplicação. Agora, o EUDR vai ser implementado em 2025 para grandes empesas e em 2026 para as pequenas.