2026 em vista

Acordo Mercosul-UE: efeito político promete ser modesto para Lula

Especialistas de política analisam como o quadro atual para uma possível reeleição de Lula poder impactado pelo acordo Mercosul-UE

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva / Foto: Ricardo Stucker/PR
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva / Foto: Ricardo Stucker/PR

Décadas se passaram até que um acordo bilateral entre o Mercosul e a UE (União Europeia) enfim fosse anunciado, o que ocorreu na última sexta-feira (6). O governo brasileiro prevê crescimento da economia a partir desse acordo, mas, em termos eleitorais, os efeitos não devem ser tão expressivos para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O acordo de livre comércio entre os blocos econômicos tem sido costurado desde 1999. O encontro entre os líderes das nações que compõem o Mercosul – Javier Milei (Argentina), Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil), Santiago Peña (Paraguai) e  anfitrião Luis Lacalle Pou (Uruguai) – e a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, aconteceu na semana passada em Montevidéu, capital do Uruguai.

Na avaliação de Bernardo Silva-Rêgo, professor de negócios internacionais da UNIGRANRIO, a repercussão dessa negociação para o governo Lula é “um grande depende”. 

“Tudo vai depender da habilidade do governo na gestão das expectativas tanto do mercado financeiro quanto do setor agrário, que são dois setores bastante interessados na questão e que, ao mesmo tempo, sempre tiveram grandes ressalvas quanto ao governo do Presidente Lula”, afirmou.

Para o professor, se as próximas etapas do acordo forem concluídas até o fim deste mandato o impacto pode ser bastante positivo. Os efeitos podem diminuir se o acordo travar, mas a frente brasileira mostrar proatividade e gerir as expectativas reais. 

“Contudo, se não houver pressão do governo e/ou for feita um gestão de expectativas irreais, o acordo pode ter um impacto negativo considerável para a reeleição do Presidente Lula ou a eleição de algum outro candidato do PT”, disse Silva-Rêgo.

Enquanto isso, o professor da FIPECAPI, Diogo Carneiro, além de não ver muitos lucros eleitorais para Lula com o acordo Mercosul-UE, também lembrou que o governo não tem sido eficaz em explorar bons resultados da economia, mesmo neste momento.

Ele lembrou que mesmo com o crescimento robusto do PIB (Produto Interno Bruto), desemprego em menor nível desde 2012 e inflação “razoavelmente sob controle”, ainda há muita insatisfação pública com o quadro econômico do País. 

“Em larga medida em função de picos inflacionários pontuais em alguns grupos de bens e serviços”, disse Carneiro.

Reeleição

O governo Lula 3 entrará para seu 3º ano de mandato em 2025 e já se fala em campanha de reeleição desde já. O presidente, inclusive, já afirmou que está “pronto “ para enfrentar a direita em 2026, se não houver outro nome. No entanto, os ganhos na esfera da política externa não têm sido um ponto relevante para o eleitorado.

O Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria), José Renato, avaliou que o governo Lula está “notoriamente” preocupado em reconstruir e melhorar a imagem e a credibilidade do Brasil que ficou “arranhada” na gestão de Jair Bolsonaro (PL).

“É consenso por parte dos especialistas de Relações Internacionais, que a política externa de Bolsonaro foi desastrosa e nos tornamos um “pária internacional”, disse.

No entanto, mesmo com 2 eventos recentes que puxaram as atenções do mundo, de forma positiva, para o Brasil – O G20 e a visita do presidente chinês Xi Jinping para reforçar tratados comerciais – o peso dessa repercussão não deve ser significativo para a campanha.

“A percepção que tenho é que Lula se sente mais disposto a atuar como chefe de Estado (diplomacia presidencial) do que como chefe de governo (num cenário de oposição implacável dos agentes econômicos e da classe política)”, disse Renato. 

Na sua visão, há dois “Lulas”: o que atua com “brilhantismo e altivez” nos fóruns internacionais, e o Lula com a imagem “desgastada, envelhecida e enfraquecida” na política nacional, incluindo no Mercosul.

Acordo Mercosul-UE se tornou ‘cruzada ideológica’

Antes que os blocos econômicos firmaram o acordo na sexta-feira, o presidente da francês Emmanuel Macron havia reiterado sua posição não favorável aos termos, afirmando que eles eram “inaceitáveis”. As próximas etapas até que o tratado entre em vigor incluem a revisão legal, tradução do texto, assinatura, internalização e ratificação, o que, na visão dos analistas, deve levar a novas longas negociações.

“Como a aprovação precisa de maioria qualificada no Conselho da UE, isso significa que veremos uma nova rodada de negociações que pode demorar bastante tempo, incluindo com modificações significativas ao acordo atual, principalmente na área agrária”, pontuou Silva-Rêgo.

Apesar disso, acrescentou ele, diante da ameaça de Donald Trump, com sua política mais protecionista aos EUA, países de peso como França e Itália podem convencer alguns pares a buscar alternativas de comércio.

Considerando justamente esse cenário mundial, menos propício à globalização e integração entre os países, sobretudo nos EUA, o professor Carneiro explicou que o discurso anti-imigração se intensificou,  “como se a culpa de eventuais dificuldades econômicas fosse justamente da abertura e da interação com outros países”.

“Este movimento também acontece com força na Europa. Nos últimos pleitos viu-se uma proliferação muito grande de discursos protecionistas e até mesmo o crescimento de partidos com uma pauta claramente avessa à integração com outros países. Sendo assim, um possível acordo multilateral acaba ganhando contornos muito mais ideológicos do que econômicos”, afirmou Carneiro.

Pela configuração de funcionamento dos acordos e decisões na União Europeia – onde tudo precisa de aprovação do bloco econômico – Carneiro concordou com Silva-Rêgo sobre o fechamento do acordo está ameaçado pela influência dos países de maior peso. 

Para o professor José Renato, é importante lembrar que “estamos diante de um mundo BANI, onde tudo é incerto, volátil, imprevisível e caótico”. “Negociações tão complexas e multifacetadas – como essa – exigem um delicado e sensível equilíbrio de todos os envolvidos”, disse.

Do lado do Brasil, o que se pode esperar ver é uma postura ativa, propositiva, altiva e pragmática para trabalhar pelos interesses nacionais.