Economia

Acordo entre Mercosul e União Europeia não deve sair em 2023, dizem especialistas

Indecisões vindas dos dois continentes esfriaram as negociações

O tão aguardado acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia não deve sair do papel em 2023, como era o desejo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

As tratativas começaram há 23 anos, em 1999, e parecia que dessa vez finalmente seria concretizada até o dia 7 de dezembro, quando se encerra a presidência do Brasil no bloco sul-americano. Porém, indecisões vindas dos dois continentes esfriaram as negociações.

Analistas consultados pelo BP Money explicaram que as reações vindas da Argentina e da França dificultaram os entendimentos entre os blocos.

Por parte dos vizinhos, a questão é a incerteza gerada pelo posicionamento dúbio do presidente recém eleito, Javier Milei. Durante a campanha, o ultraliberal deu sinais de que não iria aderir ao grupo. Por sua vez, fontes no Itamaraty relatam que Diana Mondino, futura chanceler, manifestou em interações recentes com o Brasil o desejo de assinar o acordo.

Do lado europeu, chamou atenção a forma ríspida na qual o presidente francês, Emmanuel Macron, reagiu aos termos do acordo durante discurso na COP28.

“Esses entraves políticos deram uma desacelerada na negociação. Então, com base nessas duas questões, fica claro que nesse ano é muito difícil chegar em um acordo”, afirmou o diretor da How2Go no Brasil, Marcelo Vitali.

Questão francesa

O professor de Direito Internacional da Faculdade Arnaldo, Douglerson Santos, explica que o agronegócio é o principal motivo da negativa francesa ao acordo. Ele detalha que além da França, países como Polônia e Irlanda sempre mostram preocupação com seus produtores rurais.

“No último discurso do Macron na COP28 ele deixou de forma bem expressa que não teria a mínima condição de cobrar dos produtores franceses um determinado comportamento e algumas técnicas, e ao mesmo tempo abrir o comércio para produtos de outros países que não cumprem com essas mesmas regras. Então, acho que ele deixou isso de forma mais clara dessa vez, colocando um posicionamento mais assertivo”, pontuou o professor.

Outro ponto é a questão ambiental. Santos destaca que há uma pressão muito grande dos ambientalistas e a recente entrada do Brasil na OPEP+ gerou desconfiança nos grupos.

“Existe também um questionamento de um movimento, de certa forma meio ambíguo, meio dúbio do governo brasileiro que é a entrada na OPEP+. O movimento é visto pelos ambientalistas como um combustível a mais para questionar o posicionamento da Europa em firmar esse acordo. É um ponto que merece ser analisado”, avalia.

O professor acrescenta que a saída do Brasil da presidência do Mercosul é outro fator que pode esfriar de vez as negociações. O próximo país a assumir a liderança do bloco será o Paraguai, que na avaliação dele, não tem o mesmo peso diplomático que o Brasil. A cada seis meses um novo país assume a chefia do bloco.

“Acho relevante o fim da presidência brasileira no Mercosul. Sem dúvida nenhuma, os europeus se dispõem a conversar e a dialogar com o Brasil em função da representatividade que a economia brasileira tem dentro da região. Então, não fechando esse acordo nesse mês de dezembro, o Paraguai ficaria na presidência por seis meses e aí seriam seis meses realmente de estagnação. Não vejo como o acordo vai evoluir com a presidência do Paraguai no Mercosul”, projetou.

Benefícios

Caso um dia realmente saia do mundo das idéias, o livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia pode trazer significativos benefícios para o setor.

“O acordo, nos moldes atuais, viabilizaria a eliminação de imposto de importação de mais de 90% dos bens comercializados entre os países a longo prazo. Para países do Mercosul, isso significa que os insumos exportados para União Europeia se tornariam mais competitivos, por conta da redução de custos gerados. Essa é uma das principais vantagens do tratado”, detalhou o diretor de alocação e distribuição da InvestSmart, André Meirelles.

Marcelo Vitali defende que os maiores beneficiários desse acordo serão os consumidores dos dois continentes. “O consumidor europeu vai ter acesso a um produto de qualidade, por exemplo a fruta brasileira ou um produto que a gente possa produzir com competitividade. Por outro lado, nós aqui vamos ter acesso a bens de consumo europeus por um preço muito mais acessível, como marcas de roupas, perfumes e outros produtos que entram aqui com uma taxação muito alta e que com certeza ficariam mais acessíveis se essas tarifas de importação fossem liberalizadas, que era a grande ideia do acordo”.