Chocolate ficou salgado

Além da Páscoa: alta do cacau ainda vai pesar mais no bolso

Com o agravamento na produção da África ocidental e recorde de preço, repasse ao consumidor tende a acelerar, dizem especialistas

Foto: Freepik
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Assim como o princípio básico da oferta e demanda impera sobre todos os itens clássicos de datas comemorativas, na Páscoa não é diferente: à medida que se aproxima, os ovos de chocolate, estrelas da época, e chocolates no geral vão ficando mais caros. Um desses fatores para esse aumento nos valores? O cacau.

O componente está deixando a celebração mais doce do ano bem salgada para o bolso dos brasileiros – a alta na cotação internacional do cacau. A preocupação, porém, vai além da Páscoa, já que, segundo especialistas ouvidos pelo BP Money, o crescimento nos preços tende a piorar.

De acordo com uma pesquisa realizada pela Horus, empresa de inteligência de mercado, entre os meses de janeiro e fevereiro, houve um aumento médio de 11% nas barras de chocolates, de 10,5% nos chocolates e bombons e de 1,8% nos ovos de páscoa.

O cacau, por sua vez, estendeu sua alta, ultrapassando US$ 9 mil por tonelada pela primeira vez na história. Os contratos futuros subiram cerca de 50% somente em março e mais que dobraram em 2024.

A justificativa, segundo Raphael Moses, Professor de Finanças do Coppead/UFRJ, foi a colheita abaixo do esperado, prejudicada, principalmente, pelas condições climáticas adversas na África Ocidental, região que contém os maiores produtores de cacau do mundo – Gana e Costa do Marfim. 

Além disso, Moses conta que as plantações no território também foram atingidas por doenças que certamente afetaram a produção de cacau.

Outro fator que impacta na alta dos grãos, de acordo com Henrique Oliveira, coordenador da AIEX (Agência de Internacionalização e Exportação) da UNIFACS (Universidade Salvador), é a mudança no perfil de consumo de chocolates, que passaram a ter maior teor da matéria prima.

“A grande indústria está colocando chocolates com maior teor de cacau, algo que não acontecia. Então, aumentou a demanda pelo cacau, devido à mudança do perfil de consumo. Se antes, para ser considerado chocolate, precisava ter 35% de cacau, hoje há uma procura maior por chocolates mais finos, com 70%, 75%, o que acaba dobrando a necessidade”.

Aumento de preços pode piorar

A alta de preços registrada até então já está causando descontentamento, principalmente nos consumidores, mas a situação ainda pode piorar. Em relação aos ovos de Páscoa deste ano, por exemplo, Raphael Moses explica que o incremento nos valores não são reflexos da explosão de preços do cacau em 2024.

“Boa parte da produção de ovos de Páscoa iniciou no segundo semestre do ano passado. Ou seja, apesar de já refletir um aumento, a chance de piorar cresce muito, até porque não conseguimos dimensionar o estoque da indústria como um todo. Muitas empresas absorveram parte significativa da alta do cacau, porém acredito que, em breve, esse repasse para o consumidor final se acelere”, ressalta o professor de Finanças do Coppead/UFRJ.

Para tentar fugir dos preços altos, Giovanni Gropello, gastrólogo e professor do curso de Gastronomia do Centro Universitário IBMR, sugere que o consumidor busque os pequenos empreendedores.

“É interessante fomentar o comércio local, buscar os microempreendedores, que fazem a venda com valor, muitas vezes, inferior ao que encontramos no mercado e, quase sempre, com qualidade superior, por se tratar de um processo artesanal, com mais cuidado”, avalia Gropello.

Muitos destes empreendedores, lembra o gastrólogo, já possuem lojas online, o que facilita a pesquisa de preços sem ter que sair de casa. Neste ponto, considerar a avaliação destes produtos nas redes sociais é importante para chegar à escolha final.

Como ficam os produtores de cacau no Brasil?

“O preço do cacau sempre ficou em torno de US$ 2 mil a tonelada. Esta semana, chegou a US$ 10 mil na Bolsa de Nova York, ou seja, US$ 10 o kg, R$ 55 reais. Extraordinário, bem distante da realidade histórica do valor do cacau”. Foi assim que Gerson Marques, da Chocosul (Associação de Produtores de Chocolate do Sul da Bahia) reagiu quando questionado sobre a vantagem da alta do cacau para os produtores.

Segundo Gerson, os produtores brasileiros de cacau ganharão muito dinheiro com o aumento da demanda e preço, porém, nem tudo são flores. A quebra de safra em países da África como Gana e Costa do Marfim, responsáveis por mais de 40% da produção de cacau no mundo, podem, a longo prazo, promover uma desorganização profunda na cadeia.

“Além do modelo de produção que dificulta o controle de pragas, de modernização, preços altos que beneficiam somente as indústrias, na África, há ainda o El Niño, que afetou fortemente a produção, uma queda de 36%. Isso tende a agravar e pode, inclusive, faltar cacau no 2º semestre e que haja paralisação de grandes parques industriais de chocolates”, explica o presidente do Chocosul.

Produção nacional pode aumentar

O aumento na demanda de consumo por chocolates no país tem incentivado o crescimento da produção de cacau, destaca Raphael Moses. A alta na cotação internacional do cacau, segundo ele, pode ser uma aliada neste processo.

“A alta do cacau provavelmente estimulará que a produção no país aumente ainda mais e de forma mais acelerada”, diz.

Henrique completa, afirmando, inclusive, que já existe um movimento de iniciar a plantação de cacau irrigado no Oeste da Bahia. “Com esse preço, justifica até mesmo trabalhar com o cacau irrigado. Pode haver essa tendência de maior produção”.