BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A avaliação de líderes aliados do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) é que o Congresso deverá atuar contra um amplo reajuste salarial a servidores federais, principalmente se a medida exigir uma redução ainda maior no valor a ser destinado a emendas parlamentares e a despesas na área social em 2022.
Bolsonaro afirmou nesta semana que quer usar a verba a ser liberada pela PEC (proposta de emenda à Constituição) dos Precatórios, que dá calote em dívidas da União reconhecidas pela Justiça, para dar um aumento linear a todos os servidores federais.
As negociações no Senado, porém, mostram que, para aprovar a PEC, o governo deverá alterar o texto e impedir que o aumento de despesas previsto na proposta seja usado para bancar o reajuste.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou nesta quinta-feira (18) não ver espaço no texto da PEC dos Precatórios já aprovado pelos deputados para conceder aumento salarial a servidores.
“Eu absolutamente não vi esse espaço, não conheço esse espaço, os números que foram apresentados pela Economia para a Câmara dos Deputados não previam esse aumento”, disse.
A PEC é o principal projeto de interesse do Palácio do Planalto atualmente no Congresso. Com a proposta, é possível ampliar em quase R$ 100 bilhões a margem para gastos em 2022, ano em que Bolsonaro pretende concorrer à reeleição.
No entanto, essa cifra já está comprometida com outras medidas anunciadas pelo governo, como o aumento do benefício do Auxílio Brasil para R$ 400 por mês.
Em viagem a Dubai e países do Oriente Médio, o presidente, por dias seguidos, repetiu que gostaria de usar o espaço aberto no Orçamento, com a eventual aprovação da PEC dos Precatórios, para conceder reajuste para servidores.
Até mesmo o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), que é relator da PEC, reagiu às declarações de Bolsonaro. “Acho que o cobertor está muito curto e acredito que todo o esforço que estamos fazendo agora não é para atender reajuste de servidores.”
Apesar da resistência no Congresso, o aumento prometido por Bolsonaro não pode ser totalmente descartado, mas tende a ser reduzido. Um reajuste de 5%, como estuda o governo, representaria um custo de R$ 15 bilhões por ano.
Esse valor pressionaria ainda mais o Orçamento de 2022, resultando em cortes em emendas e em recursos para medidas na área social, como um auxílio financeiro para caminhoneiros –também prometido por Bolsonaro.
Emendas são mecanismos usados por deputados e senadores para enviar dinheiro do Orçamento a obras e projetos em bases eleitorais. Para aprovar a PEC na Câmara na semana passada, o governo sinalizou com a liberação de emendas no ano eleitoral.
Em caso de um reajuste mais baixo do que 5% e que não afete os recursos para a área social e emendas, bancadas do Congresso alinhadas ao governo ou independentes devem então não se opor à medida.
Outro fator é que o lobby do funcionalismo público é um dos mais fortes no Legislativo. Em um cenário de forte reajuste salarial a todos, há receio na ala independente do Congresso de que Bolsonaro se fortaleça politicamente em 2022.
Por isso, apesar do aperto nas contas públicas, aliados do presidente articulam uma forma de garantir, pelo menos, um reajuste a policiais –base eleitoral do Bolsonaro. A medida deve custar menos de R$ 1 bilhão no próximo ano.
Em relação à PEC dos Precatórios, líderes das principais bancadas já afirmam diretamente a Bezerra que o texto não passa do jeito que está e que por isso precisará fazer concessões.
O líder do governo já tem sinalizado que aceita incluir no texto final os pedidos do MDB, PSD e PSDB para que haja uma grande auditoria dos precatórios e que o programa Auxílio Brasil seja permanente.
O líder do PSDB, Izalci Lucas (DF), afirma que sua bancada vai se reunir após uma audiência pública para discutir a PEC dos Precatórios, na segunda-feira (22), para que os senadores do partido tomem uma posição única na votação.
Os tucanos, no entanto, ressaltam que não vão aceitar “irresponsabilidade fiscal” e que por isso o texto aprovado na Câmara precisará passar por mudanças. “Não pode ter carta branca para fazer tudo”, afirma Izalci.
Uma das demandas das principais bancadas é uma manifestação explícita no texto da PEC que carimbe os recursos. Querem que fique clara a exata quantia que será destinada ao Auxílio Brasil, evitando que os recursos sejam destinados para outros fins.
A medida já era cogitada pelos senadores, assim que a proposta foi aprovada pela Câmara. Mas ganhou força após as falas de Bolsonaro em defesa de reajuste salarial.
O governo buscou inicialmente uma proposta de consenso, pois a margem de aprovação ainda é considerada apertada. Bezerra afirma contar com até 52 votos. São necessários 49 votos para a aprovação, de um total de 81 senadores.
No entanto, há o temor de que essa margem de votos não se mantenha em todos os destaques que serão apresentados, e o governo teme eventuais derrotas.
No entanto, com a dificuldade de fechar uma proposta de consenso com senadores que apresentaram PECs paralelas, o governo partiu para a estratégia de angariar votos das principais bancadas, mesmo que tenha de ceder em alguns pontos.
A respeito das emendas para tornar o Auxílio Brasil permanente, Bezerra tem dito que pode ser negociado que esse item seja incluído na medida provisória que instituiu o programa, que está em tramitação na Câmara, não na PEC.
O líder do governo não descarta também acolher sugestões presentes na PEC alternativa, proposta por Alessandro Vieira (Cidadania-SE), José Aníbal (PSDB-SP) e Oriovisto Guimarães (Podemos-PR).
Essa proposta tem um mecanismo que impede usar o espaço aberto no Orçamento com a concessão de reajustes salariais. Apesar de essa proposta ter perdido força, esse instrumento tem o apoio de grandes bancadas, que normalmente ditam o ritmo das votações.
A PEC alternativa prevê um espaço de R$ 89 bilhões no Orçamento. Um dos principais motivos é que ela retira o pagamento de precatórios do teto dos gastos, em caráter excepcional no próximo ano. A equipe econômica do governo é contra essa ideia.
Além disso, alguns senadores manifestaram oposição a outro item da proposta, que prevê o fim de incentivos fiscais.
Outro item que provocou divergências é o fim das chamadas emendas de relator. A proposta chegou a ser apresentada a Bezerra, mas em nenhum momento ganhou apoio do governo, nem mesmo das principais bancadas.
Um dos motivos é que Lira e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, trabalham em um projeto de resolução para tornar essas emendas mais transparentes.