Alternativas a fertilizantes importados ganham terreno

O Brasil é o quarto maior mercado consumidor de fertilizantes

Agricultura de precisão, rotação de culturas, plantio direto e adubação verde. Embora essas técnicas não sejam suficientes para evitar os impactos do conflito entre Rússia e Ucrânia na importação de fertilizantes, as alternativas podem ajudar a reduzir o uso do produto.

O Brasil, que é o quarto maior mercado consumidor de fertilizantes, importa cerca de 85% do que usa, sendo a Rússia a origem de 23%.

Com esse percentual de fertilizantes importados vindo justamente do Leste Europeu, o conflito na Ucrânia colocou o agronegócio em alerta devido ao risco de falta do produto.

Em diversas ocasiões nas últimas semanas, o ministério da Agricultura destacou que o Brasil tem estoque suficiente de fertilizantes para chegar à próxima safra, que começa a ser plantada em outubro. É a partir daí que a falta dos importados –com destaque para fósforo, potássio e nitrogênio– preocupa.

No caso do fósforo e do potássio, usados em grande quantidade pelo agronegócio, o país tem poucas fontes minerais de qualidade.

O conflito entre Rússia e Ucrânia teve início em 24 de fevereiro. Entre 10 de fevereiro e 10 de março, o preço de importação do MAP (fosfatado usado na lavoura) subiu 35%. A ureia subiu cerca de 50%.

“Certamente, essa alta de preços de fertilizantes deverá pressionar as margens dos produtores na safra de 2022/2023”, diz Felippe Serigati, da Escola de Economia de São Paulo, da FGV (Fundação Getulio Vargas), e coordenador do Mestrado Profissional em Agronegócio.

O governo chegou a lançar nos últimos dias um plano nacional para fertilizantes que aponta, entre outras medidas, a necessidade de pesquisas para a utilização das minas existentes no Brasil para ampliar as fontes de matéria-prima disponível, ainda que de qualidade inferior quando comaparadas com as de outros países.

Para reduzir a dependência, uma saída mais próxima da realidade atual é tentar trabalhar com ciclagem de nutrientes e seu reaproveitamento, com adubação verde, rotação de culturas e sistemas integrados de produção.

Na adubação verde, algumas espécies de plantas têm a tarefa de preparar e dar nutrientes ao solo para que outros vegetais tenham condições de crescer.

Uma forma de fazer isso é plantar leguminosas, por serem ricas em fixar nitrogênio na terra e por poderem passá-lo para as culturas seguintes. Rotacionar os cultivos também evita a perpetuação de pragas.

“A soja e as leguminosas, de uma forma geral, são verdadeiras fábricas de nitrogênio e é preciso usar de forma mais inteligente os produtos importados”, diz Jerri Zilli, pesquisador da Embrapa Agrobiologia.

“Muitos dos fertilizantes que são vendidos são NPK [nitrogênio, fósforo e potássio]. Se fosse abolido o nitrogênio mineral da cultura da soja, onde não é necessário, ele poderia adubar toda a lavoura canavieira no Brasil.”

Ao usar a rotação de culturas –em que há uma alternância de espécies em uma mesma área de cultivo– também se reduz a presença de pragas e plantas daninhas e é possível melhorar as condições do solo, no longo prazo.

Um outro exemplo é o do engenheiro agrônomo e gerente de campo em Canhotinho (PE), Orlito de Oliveira Júnior, 40, que conseguiu convencer o proprietário da fazenda em que trabalha a utilizar um inoculante para absorção de fósforo em toda a lavoura de milho da propriedade.

“A alternativa foi muito importante, por conta da alta dos preços dos fertilizantes nos últimos meses. Fomos reduzindo aos poucos o uso dos produtos convencionais e apostamos nos insumos biológicos.”

Ele conta que a fazenda teve uma redução de 15% nos custos de produção, ao fazer a substituição da adubação tradicional por fertilizantes mais concentrados e bioinsumos.

“Ainda não é possível substituir todos os produtos sintéticos, mas a alta de preços e a possibilidade de falta deles no mercado devem aumentar o uso de produtos menos agressivos na propriedade”, diz Júnior.

De acordo com Celso Manzatto, também pesquisador da Embrapa, as técnicas disponíveis hoje ajudam a tornar mais eficiente a utilização de nutrientes no solo. “Temos alternativas, como o pó de rocha e outros materiais, que podem ser usados na agricultura. A procura da eficiência no uso também vai ser fundamental no próximo ano, para que esses nutrientes possam ser reciclados.”

No caso específico do potássio, os solos em algumas regiões do país são deficitários, e a dependência de importações tende a continuar elevada, pondera.

Outra saída é o sistema de plantio direto, em que o objetivo é evitar ao máximo revolver o solo. O indicado é que isso seja feito apenas onde as sementes são depositadas. Com o plantio direto, o solo fica mais fértil e há reutilização de nutrientes.

A chamada agricultura de precisão, por sua vez, evita a aplicação de insumos na mesma quantidade em toda a propriedade, mapeando e avaliando as condições do solo para que o produtor saiba onde usar os produtos de forma mais eficiente.

Renato Borges, da Agrointeli, startup de Mato Grosso do Sul especializada em agricultura de precisão, lembra que o uso intensivo de fertilizantes acarreta em prejuízo econômico, aumentando os gastos na produção.

“A agricultura de precisão considera a heterogeneidade do solo, fazendo a aplicação em quantidade mais correta, conforme a necessidade de cada parte do terreno. A prática acaba se convertendo em ganho econômico para o agricultor, ele gasta menos dinheiro com esses produtos e tem uma redução de custos no produto final.”

Borges complementa que a guerra na Ucrânia mostra como o agronegócio brasileiro não pode esperar a chegada da próxima crise internacional para agir.

“Ele terá maiores ganhos de produtividade, independentemente da crise. Mas é preciso montar um plano de ação eficiente em todas as áreas, para não permitir que a falta de fertilizantes se torne um problema sério no negócio. Com isso, o produtor pode usar e aplicar de forma correta defensivos, fertilizantes e sementes.”

A redução da dependência dos fertilizantes importados também passa por um plano estratégico para o país nos próximos anos, lembra Zilli.

“A nossa indústria basicamente mistura importados com componentes nacionais. Em 2010, o Brasil tinha um plano de ser autossuficiente em ureia até 2015, mas muitas fábricas foram descontinuadas pela Petrobras. Faltou visão e é preciso recuperar o tempo perdido.”