GLASGOW, ESCÓCIA (FOLHAPRESS) – O acordo comercial entre União Europeia e Mercosul é fundamental e deve ser um dos objetivos de curto prazo do bloco europeu, afirma a eurodeputada portuguesa Lídia Pereira, que integrou a comitiva do Parlamento Europeu na COP26, em Glasgow.
Membro do Partido do Povo Europeu, grupo político conservador que é o mais numeroso no Parlamento Europeu, ela foi uma das participantes de uma reunião no evento com o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, e se declarou otimista em entrevista à Folha após o encontro, em Glasgow.
Apesar de “falhas de parte a parte” nas relações recentes entre os dois blocos, Lídia Pereira disse esperar que a mudança de atitude apregoada na COP pelo governo Bolsonaro pudesse “abrir portas a uma maior cooperação” e levar a assinatura do acordo comercial “a um bom porto”.
Mas os dados oficiais divulgados na quinta-feira (18), apontando alta de 22% na destruição da floresta no último ano, deixaram-na decepcionada e “revoltada”.
“O discurso do ministro foi muito focado no futuro. Mas o futuro não pode ser o caixote do lixo do presente, o sítio para onde atiramos o que não queremos fazer hoje. A mancha verde da Amazônia não está a ser gerida, está a ser destruída”, disse Lídia Pereira em complemento da entrevista em Bruxelas, nesta sexta (19).
Economista, ela havia avaliado como positivo o plano apresentado por Joaquim Leite na COP, de criar formas de remuneração por serviços de conservação florestal, mas já ressalvava que era necessário entender se o atual discurso do governo Bolsonaro “é de fato credível”.
Nesta sexta, ela acrescentou: “Devemos observar mais o que se faz do que o que se diz que se faz. O governo brasileiro proclama a direção correta, mas os resultados são terríveis”.
Pergunta – Os dados sobre o salto no desmatamento contradizem de alguma forma as informações fornecidas pelo governo brasileiro na reunião com a delegação do Parlamento Europeu na COP?
Lídia Pereira – Parece-me claro que o governo brasileiro não tem total consciência do valor patrimonial ambiental, social e de biodiversidade que tem a responsabilidade de gerir. A Amazônia é um local único e incomparável, e seu desmatamento só pode ser visto como um crime contra a história, a cultura e fundamentalmente contra as próximas gerações.
O discurso do ministro foi muito focado no futuro. Mas o futuro não pode ser o caixote do lixo do presente, o sítio para onde atiramos o que não queremos fazer hoje. A mancha verde da Amazônia não está a ser gerida, está a ser destruída. O Brasil está a queimar e a desmatar o seu maior patrimônio, pelo que só posso apelar a toda a sociedade brasileira para fazer também na Amazônia uma transição de modelo econômico.
Que vocação econômica vê na floresta amazônica?
LP – Ela tem um grande potencial turístico, se devidamente e corretamente aproveitado, que pode e deve servir para compensar eventual perda de rendimento pelo fim urgente do desmatamento.
De acordo com o Inpe, os números estavam disponíveis desde o final de outubro. O ministro Joaquim Leite disse que apenas quinta-feira, quando foram divulgados, teve conhecimento. Preocupa-a que o responsável pelo Meio Ambiente no Brasil leve três semanas para se informar sobre a principal estatística de desmatamento do país?
LP – Não tenho dados concretos que me permitam avaliar se houve ou não intenção deliberada de ocultar esses dados. Mas, mais preocupante que o momento da divulgação, acho que temos de nos preocupar com o que os próprios dados demonstram. O ritmo avassalador do desmatamento e a inação política perante a destruição da Amazônia.
A sra. diz que o ministro falou em futuro. Dado esse resultado do último ano, considera que as políticas do governo Bolsonaro serão capazes de conter o desmatamento na Amazônia?
LP – Parece-me claro que não está a ser feito o suficiente e as palavras do ministro na COP não batem certo com sua ação. Na política já há algum tempo que percebi que devemos observar mais o que se faz do que o que se diz que se faz. O governo brasileiro proclama a direção correta, mas os resultados são terríveis.
Respeitando a legitimidade do governo do Brasil, não posso senão manifestar discordância, desilusão e até revolta com a destruição de um patrimônio que é da humanidade. A nós, cabe-nos tomar conta da Amazônia para as próximas gerações, e temos falhado redondamente nesse objetivo.
Qual havia sido sua impressão da reunião entre o governo brasileiro e a delegação do Parlamento Europeu na COP?
LP – Aquilo que ouvimos do ministro brasileiro, de certa forma, deu-nos um outro conforto sobre o que poderíamos esperar do Brasil daqui para a frente.
Que passos apresentados a sra. julgou positivos? Desde logo a mudança de entendimento relativamente às alterações climáticas e do ambiente. Aliás essa foi uma das minhas questões, quis perceber [entender, no português lusitano] o que é que tinha levado um governo que há três anos tem sido tão cético sobre o ambiente a mudar sua posição.
Qual foi a explicação?
LP – Do que ouvimos do ministro, há hoje um entendimento de que algo tem que se fazer, sobretudo contra o desmatamento na Amazônia. Um reconhecimento de que ela tem que ser tratada de forma diferente daquela que tem ocorrido até hoje.
Nas apresentações em Glasgow, o governo brasileiro tem ressaltado que a questão ambiental tem que estar ligada à econômica. Concorda?
LP – Sim, é uma oportunidade de agenda positiva, de passarmos de uma economia linear para uma mais circular e criarmos novos empregos, porque outros eventualmente terão de desaparecer, e é preciso encontrar novas formas de rendimento para as comunidades, que não passem por pôr em causa a biodiversidade e o equilíbrio de que que precisamos todos no planeta.
Chegaram a falar na reunião do projeto que proíbe importações ligadas a desmatamento, que o Parlamento deve começar a analisar com prioridade?
LP – Não foi um assunto que abordamos. Percebemos que há uma vontade do ministro brasileiro de podermos ter uma boa relação, para depois no futuro, dirimir algum conflito de interesses que exista decorrentes de situações como essa.
A delegação se considerou satisfeita então com a apresentação do ministro? O único ponto que se colocou foi a necessidade de percebermos que este novo entendimento do governo brasileiro é de fato credível, não é?
LP – Porque repetidamente, durante os últimos três anos, tem sido uma posição errática, não tanto em linha com os objetivos climáticos. Creio que houve uma boa explicação da parte do ministro, mas não bastam palavras.
Nós estamos muito vigilantes relativamente àquilo que as outras geografias do mundo estão a fazer, não só o Brasil. Mas o Brasil é muito importante neste processo todo e queremos que todos cumpram a sua parte.
A mudança de posição do governo brasileiro na COP, na sua avaliação, deve reduzir a oposição que o Parlamento Europeu vem fazendo ao acordo com o Mercosul?
LP – Eu creio que é fundamental um acordo comercial com Mercosul. Houve algumas falhas, diria que de parte a parte, mas esse é um dos nossos objetivos, diria mesmo no curto prazo, e creio que uma nova atitude pode abrir portas a maior cooperação e chegar a um bom porto no que diz respeito à assinatura do acordo.
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RAIO-X
Lídia Pereira, 30
Eurodeputada pelo grupo Partido do Povo Europeu (PPE, conservadores). Portuguesa, é formada em economia pela Universidade de Coimbra e mestre em Estudos Econômicos Europeus pelo Colégio da Europa. Integra o comitê de Meio Ambiente do Parlamento Europeu, é vice-coordenadora do grupo conservador na Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários e membro da subcomissão de assuntos tributários. Preside a Juventude do PPE.