Analistas dizem que ainda faltam detalhes em novo arcabouço fiscal

Ponto a ser destacado foi as ferramentas anticíclicas que serão aplicadas em momentos de crise, como a redução das despesas em 50% da receita, em vez de 70%, nesses períodos

Após semanas de anseio pela divulgação no novo arcabouço fiscal, nesta quinta-feira (30), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), divulgou a proposta durante coletiva de imprensa. A apresentação da regra fiscal trouxe alívio para o mercado, que vagava no escuro, mas ao mesmo tempo ainda falta detalhes de como atingir as metas propostas, segundo especialistas consultados pelo BP Money.

“A notícia positiva até agora é o fato de sairmos do breu. Mas falta detalhar como eles vão chegar aos números que projetam e desenham sem ser via elevação de carga tributária. A coletiva não trouxe nenhuma novidade fora o que já sabíamos […] Ainda não explicou a ligação porque a maioria das despesas são ajustes fixos de prazos longos e as receitas não”, disse o planejador financeiro e sócio-fundador da A7 Capital, Carlos Hotz.

O especialista em renda fixa e sócio da Quantzed, Ricardo Jorge, também concorda com a visão de Hotz. Mas um ponto de novidade que chamou a atenção foi a apresentação de uma banda de atuação do orçamento em função de “momentos anticíclicos”. Segundo Haddad, o novo arcabouço passa a ter banda com crescimento real da despesa primária entre 0,6% a 2,5% ao ano, dependendo do momento econômico.

“Ou seja, em momentos de aceleração da economia e desaceleração da economia, eles vão trabalhar com percentuais de crescimento diferentes justamente para tentar atenuar os impactos desses momentos que são sazonais […] Eles também reafirmaram que existe uma penalização caso haja algum tipo de descumprimento dessa regra, no qual esse crescimento é como se fosse uma penalidade. Vamos supor que em um ano eles não cumpram essa meta, no ano seguinte, a despesa só pode crescer 50% em relação ao crescimento da receita”, explicou.

Expectativas positivas

Para o sócio e chefe da mesa de operações da Ação Brasil Investimentos, Idean Alves, do ponto de vista da previsibilidade, o arcabouço entrega o que o mercado e o Banco Central esperavam, uma regra fiscal mais clara. Com isso, a partir de agora será possível traçar um planejamento econômico mais sólido.

“A expectativa é que o novo arcabouço traga menos inflação, mais estímulo ao investimento privado, menos juros na dívida pública, atração de investimentos internacionais, mais previsibilidade e estabilidade, recuperação do grau de investimento, muito por conta desse gatilho anticíclico”, enfatizou.

Alves ainda completa que a grande vantagem da proposta é a flexibilidade fiscal, que permite mais investimentos no orçamento, e também abre espaço para mais liberdade de ação administrativa, dentro dos limites permitidos em lei. Tudo isso com o objetivo de prestar amparo aos mais vulneráveis e não precisar realizar cortes em momentos de crise.

“O novo arcabouço tem a preocupação de, mesmo em períodos de crise, fazer com que o governo consiga manter os gastos públicos em saúde, educação, e fins sociais, segundo o Haddad, ‘sem deixar os mais pobres desamparados’, o que dá margem também para o aumento de investimento nessas áreas, segundo o governo, sem afetar a trajetória da dívida pública de forma drástica”, disse.

Questão do imposto

Uma das principais questões aguardadas para serem respondidas por Haddad era sobre o aumento de impostos. Segundo o ministro, não serão criados novos impostos e os já existentes não terão aumento de alíquota. O que irá acontecer é a taxação de segmentos ou pessoas que não pagam impostos atualmente. 

“Provavelmente as isenções fiscais concedidas há muito tempo agora não se justificam mais do ponto de vista da arrecadação e geração de emprego, o que para o governo pode ser um combate ao “patrimonialismo” e para outros pode representar fuga de investimentos, em especial para os setores que podem ser afetados com o fim dos benefícios fiscais”, explicou Idean.

Ricardo Jorge ainda complementa dizendo que esse desejo de incluir empresas e setores que foram beneficiados em governos anteriores na questão tributária, ou seja, que possuem os conhecidos benefícios tributários, devem não gostar da ideia da volta da carga. Como consequência, as empresas podem optar por não manter mais seus negócios no País ou não abrir novos.

“Se esses benefícios foram concedidos foi justamente porque as empresas não viam vantagem competitiva em trazer qualquer tipo de empreendimento para cá. E lembrando que esses empreendimentos são geradores de emprego. Então eu vejo que vai ter bastante discussão sobre esse ponto. Empresas podem simplesmente não querer mais, se não tiver benefício tributário”, disse.

“Lembrando que, para que a gente tenha uma sustentabilidade da dívida, a gente precisa ter um superávit primário na ordem de 2%. A questão é saber se tributar setores e empresas vão ser medidas suficientes para cobrir esse buraco e trazer superávit para a economia”, finalizou.

Resumo

Entenda, resumidamente, o que o novo arcabouço fiscal propõe para as regras fiscais:

Banda de crescimento real da despesa primária entre 0,6% a 2,5% a.a (ao ano) como mecanismo anticíclico;
Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) e piso da enfermagem excluídos dos limites (já previsto na constituição);
Despesas limitadas a 70% das receitas, em momentos de alto ciclo, e de 50%, em momentos de baixo ciclo, caso a regra de crescimento não seja cumprida

Confira algumas medidas de gastos e de arrecadação:

Bolsa família passa de R$ 607 para R$ 703
Salário mínimo passa de R$ 1.302 para R$ 1.320
Aumento da faixa de renda familiar per capita elegível de R$ 200 para R$ 218
Elevação da isenção do IR (imposto de renda) para dois salários mínimos
Mais investimentos em saúde
Atração de investimentos internacionais
Mais estímulos a investimentos privados