Âncora fiscal e o mau marinheiro

O termo "âncora fiscal” tem aparecido com frequência nos noticiário

O termo “âncora fiscal” tem aparecido com frequência nos noticiários, estendendo a discussão a respeito da confiabilidade e estabilidade fiscal e monetária do país. Mas, o que é ancorar? Neste texto, vou abordar a respeito de como o mercado e os economistas interpretam a confiabilidade e segurança na sustentabilidade fiscal e no que chamamos de Forward Guidance do Banco Central, ou seja, como o Governo âncora/fixa/estabiliza as expectativas dos agentes de mercado com relação ao futuro da economia do país. 

No contexto, devemos abordar a ideia de expectativas racionais e adaptativas brevemente. De acordo com Robert Lucas, economista prêmio Nobel de 1995, os agentes/pessoas procuram maximizar sua utilidade (conceito de utilidade marginal e “bem-estar”) através de mecanismo de informação disponível, racionalidade e com a experiência adquirida, logo, qualquer decisão de investimento, consumo, poupança e alocação de recursos é guiada pela ideia de razão e previsão com relação ao arcabouço de informações disponíveis.

Então, pode-se dizer que, trazendo para o contexto da macroeconomia, de acordo com a ideia de expectativas racionais, as pessoas preveem os movimentos do governo e “precificam” (através de juros e projeções) a desconfiança ou confiança na gestão monetária (Banco Central) e orçamentária (Governo Federal) do Estado. 

Seguindo a breve explicação, voltamos a tal “âncora”. Em um Navio (ao menos, nos mais antigos) âncora serve para fixar o barco em uma mesma posição, assegurando os navegantes de que, ademais a maré, a embarcação vai pendular na mesma área, mas não sairá do lugar. Agora imagine que o Navio representa o mercado e fazem parte da tripulação o Banco Central, Governo, Presidente, Ministros, etc…

O trabalho dos navegantes é manter a embarcação (expectativas do mercado) ancoradas/ fixadas/ estáveis sem muita alteração do padrão de movimento, seja através de uma comunicação bem definida pelo órgão monetário (BCB) e/ou pelo controle fiscal através de algum instrumento de confiabilidade.

O exemplo prático é a própria incorporação nos modelos de inflação: os preços de hoje refletem os preços de ontem (ponderados pelo nível de atividade econômica) + as expectativas de inflação, ou seja, se o navio (expectativas) não está ancorado, a tripulação perde o rumo. 

Em 2015, a inflação girava em torno dos 11% a.a e, devido a diversos erros na política fiscal e monetária, havia uma crise de desancoragem das expectativas. O Governo, em 2016, com o ministro Henrique Meirelles, resolveu propor uma âncora para “segurar a embarcação” na PEC 55/2016, o chamado Teto de Gastos e, com Ilan Goldfajn, o Banco Central pôde adotar uma comunicação fora da política e perseguir a meta de redução da inflação, sem precisar subir tanto os juros (cortando a taxa básica ao mesmo tempo que combatia a alta de preços). Com a aprovação da regra, as expectativas foram ancorando-se e estabilizando a nau brasileira, antes fora de rota.

Em 2021, com o derretimento de sua popularidade, o atual Governo parece ter perdido a rota e a estabilidade da embarcação. As expectativas, antes fixas, já veem a âncora do teto corroendo-se em meio ao populismo eleitoreiro e a comunicação confusa do Banco Central e sem instrumentos para o combate à inflação. Fiquemos atentos, marinheiros, o barco pode virar a qualquer momento!