BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Ofício enviado pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) para o Ministério da Economia e obtido pelo jornal Folha de S.Paulo revela que a falta de recursos para despesas de custeio em 2022, em meio à crise hídrica, pode ter reflexos danosos ao setor elétrico.
O documento mostra que, se os gastos discricionários não subirem de R$ 147 milhões, como quer a equipe econômica, para R$ 176 milhões, o impacto será grande nas atividades da agência.
“O referencial apresentado (R$ 147,4 milhões) é mais baixo que o planejado pela Aneel e é insuficiente para o cumprimento mínimo de nossa programação”, afirma o texto assinado pelo diretor-geral da Aneel, André Pepitone.
A mensagem foi encaminhada ao secretário de Orçamento Federal do Ministério da Economia, Ariosto Antunes.
O país passa por uma crise hídrica com reflexos para o ano que vem. A falta de chuvas deixou reservatórios das hidrelétricas em seu pior nível em 91 anos e tem forçado o governo a tomar medidas para afastar o risco de racionamento de energia.
Usinas térmicas, que têm custo mais elevado que as hidrelétricas, foram acionadas. Isso torna a energia elétrica paga pelo consumidor mais cara. A Aneel então adotou medidas, como alterar o sistema de bandeiras tarifárias, para buscar cobrir o custo mais elevado na geração de energia nos próximos meses.
Especialistas dizem que o risco de apagão seguirá no ano que vem se o período chuvoso continuar abaixo do esperado.
O Ministério da Economia e a Aneel não quiseram comentar o documento sobre a verba da agência para o próximo ano. As negociações para o Orçamento do próximo ano começaram em junho.
O governo tem até o fim de agosto para encaminhar ao Congresso o projeto prevendo as despesas federais de 2022. Portanto, a negociação entre ambos os lados continuará nos próximos dias.
“A Aneel tem se empenhado sobremaneira na racionalização e priorização de suas despesas. Contudo, as restrições sinalizadas para as despesas discricionárias em 2022 poderão afetar a atuação institucional desta agência reguladora”, diz o ofício.
Na mensagem, Pepitone cita que, sem a ampliação na verba para o próximo ano, haverá impacto na administração da agência e na fiscalização dos serviços de energia elétrica.
Ao fim, ele pede que o ministério viabilize “o orçamento necessário para as despesas discricionárias da Aneel, sob o risco de comprometimento de atividades da agência, com reflexos danosos ao setor elétrico”.
O documento não cita a crise hídrica nem os possíveis reflexos que terá no próximo ano.
No entanto, a agência lembra que, ao fiscalizar os serviços de energia elétrica, tem o objetivo de instruir os agentes e consumidores quanto ao cumprimento das obrigações, além de monitorar o cumprimento de contratos e normas de exploração dos serviços e instalações de energia elétrica.
A Aneel afirmou ainda que tem buscado modernizar os processos de fiscalização e tem planos de incluir novas ferramentas de análise e acompanhamento de obras.
Se confirmado o orçamento de custeio de R$ 147,4 milhões no próximo ano, poderá ser a menor verba da agência desde 2017, quando o valor, corrigido pela inflação, foi de R$ 129 milhões.
Depois de 2017, o patamar subiu para mais de R$ 170 milhões, em 2018 e 2019.
Desde então, segue em queda. Foram R$ 156,6 milhões no ano passado. Em 2021, em valor corrigido pela inflação até julho, a verba é de R$ 142 milhões –portanto, pode superar a faixa defendida pelo Ministério da Economia para o próximo ano.
Para o presidente da Abrace (Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e Consumidores Livres), Paulo Pedrosa, o cenário para o setor elétrico em 2022 é preocupante.
“Apesar de todos os recursos térmicos e mecanismos para reduzir o consumo, nós devemos registrar reservatórios muito baixos, na faixa de 10%, nos próximos meses, porque estamos na pior crise hídrica já registrada. Além disso, em 2022, o cenário é de recuperação da economia e, portanto, de mais consumo”, avalia Pedrosa.
Por isso, em caso de um período chuvoso abaixo da média, será difícil garantir o suprimento de energia ao menor custo possível, diz ele.
Até julho, o consumo de energia cresceu 7,5% em relação a 2019.
Em relação à verba para a Aneel, Pedrosa lembra que a agência tem recursos arrecadados por meio de uma taxa de fiscalização paga pelos consumidores de energia. Por isso, é compreensível o pedido por mais verba.
Esse é o mesmo argumento usado por Pepitone no ofício ao Ministério da Economia. É a chamada TFSEE (taxa de fiscalização pelo serviço de energia elétrica), calculada com base no resultado financeiro de concessionárias do setor.
A agência afirma que a arrecadação estimada dessa taxa no próximo ano é de R$ 902,4 milhões. Isso, segundo o documento, é mais que o suficiente para bancar despesas com pessoal e os gastos de custeio no patamar defendido pela Aneel, que, juntos, chegariam a R$ 533 milhões no ano.
Para enfrentar a atual crise hídrica, o governo afirma que vem atuando desde 2020. Nesse sentido, o governo já autorizou o uso de todo o parque térmico disponível, independentemente do preço da energia, e já anunciou a possibilidade de contratação de usinas hoje sem contrato e de importações.
O Ministério de Minas e Energia trabalha na elaboração, com representantes da indústria, de um programa para incentivar que as empresas mudem o horário de consumo para períodos de menor demanda de energia.
A medida deve ser voluntária e visa evitar que produção e crescimento econômico sejam afetados.
O governo tem tentado afastar o temor de risco de apagão ou racionamento. Em junho, por exemplo, o ministro Bento Albuquerque (Minas e Energia) fez um pronunciamento em rede nacional de TV e pediu que a população poupe energia e água para enfrentar a atual situação.
Na estimativa mais recente, divulgada em julho, o governo calculou que o aumento do uso das usinas termelétricas custará neste ano R$ 13,1 bilhões para os consumidores. Em junho, essa conta era de R$ 9 bilhões.
A despesa bilionária será embutida nas tarifas de energia no próximo ano. É a Aneel que faz a metodologia de cálculo das tarifas.