SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em São Paulo, apenas os 10% mais ricos conseguem comprar um imóvel de valor mediano, que custa cerca de R$ 600 mil.
Os dados são da plataforma de inteligência de mercado Urbit, que criou um índice para verificar a acessibilidade financeira dos imóveis na cidade, comparando a renda dos paulistanos com o valor dos apartamentos.
Segundo a pesquisa, um casal com dois filhos que tenha uma renda mediana consegue comprar um imóvel de até R$ 190 mil, e uma pessoa que mora sozinha tem poder de compra para um imóvel de até R$ 110 mil.
Nenhum bairro da cidade tem apartamentos com três ou quatro quartos que caibam nesse orçamento, e a oferta de imóveis de até R$ 190 mil está concentrada em apartamentos de um dormitório.
A renda mediana, ou seja, aquela que fica no meio entre a porção de renda mais baixa e mais alta da cidade, foi estimada em R$ 3.887 para um casal com dois filhos e em R$ 2.390,93 para quem vive sozinho.
Na média de São Paulo, uma pessoa que vive só precisa acumular o equivalente a 14 anos de salário para comprar um imóvel de um quarto. A situação é ainda pior para o casal com dois filhos, que precisa juntar 25 anos de trabalho, sem outros gastos, para comprar um imóvel de 3 ou 4 quartos.
Entre os bairros da cidade, o mais acessível para uma pessoa que mora sozinha, de renda mediana, é a República (Centro), que pontuou 80,1 no HAI (Housing Affordability Index, ou índice de acessibilidade à habitação), desenvolvido pela Urbit. Porém, segundo a pesquisa, os imóveis só são considerados acessíveis quando atingem um patamar de 100 pontos ou mais.
Isso significa que o bairro mais acessível para esse público ainda não é realmente acessível. Para conseguir comprar um imóvel nas regiões que não têm acessibilidade financeira, as famílias precisam adquirir algo menor do que a sua necessidade, por exemplo.
O bairro mais acessível para a família com dois filhos, de renda mediana, é o Jardim Brasil, na zona norte, com 51,9 pontos no HAI.
Para quem vive sozinho, o menos acessível é a Vila Madalena (zona oeste), com HAI de 9,7. Para a família de quatro pessoas, é o Alto de Pinheiros, também na zona oeste, com 5,6 pontos no HAI.
Em média, na cidade, uma pessoa sozinha tem apenas 24,2% da renda necessária para arcar com a prestação de um imóvel de um quarto de valor médio, e a família de quatro pessoas apenas 14,4% da renda para a parcela de um apartamento maior.
“Estes números demonstram que famílias na faixa de renda mediana possuem muita dificuldade de encontrar imóveis na capital, no mercado formal e especialmente no centro expandido”, afirma Fernando Souza, diretor-executivo da Urbit.
Apesar desse cenário, a acessibilidade aos imóveis é maior hoje do que no passado, segundo Souza. Desde 2012, o índice de acessibilidade aos imóveis na cidade subiu de 38 para 63 pontos.
A capacidade de comprar imóveis cresceu na cidade depois de 2017, com o movimento de redução dos juros para financiamento imobiliário e aumento da renda, que não foi acompanhado por igual elevação no valor dos imóveis. Agora, com tendências contrárias, essa acessibilidade deve voltar a cair.
De acordo com Souza, o que esses dados revelam é que há um grande descasamento entre quanto ganha a população na cidade e o valor dos apartamentos.
“É um problema sobretudo de renda”, afirma. Segundo ele, as famílias não ganham o suficiente para conseguir arcar com os custos da produção imobiliária local.
Em um ranking de valor do metro quadrado em apartamentos no centro das cidades, feito pela plataforma Numbeo, que reúne dados de 512 municípios do mundo, São Paulo aparece na 360ª posição. O metro quadrado sai por US$ 1.889,67 (R$ 10.410). Como o valor da metragem é calculado em dólar, a valorização da moeda americana ajuda a manter o país abaixo da metade da lista.
Em evento virtual para discutir cenário econômico, financiamento e políticas habitacionais, promovido pela Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias), o presidente da entidade, Luiz França, citou esse ranking como sinal de que o valor cobrado na cidade ainda pode crescer.
“Costumo dizer que imóvel no Brasil está barato, quando vejo São Paulo nessa pesquisa, fico chateado”, disse. “No médio e longo prazo, não tenho dúvida que haverá correção [no preço] de imóveis no Brasil.”
Mas ele também analisa que isso só vai acontecer quando a renda das pessoas se elevar. “Acredito no país, nossa economia vai ficar equilibrada e o poder aquisitivo das pessoas vai subir”.
Souza afirma que a disparidade entre a renda mediana da população e o preço dos imóveis é um grande problema para a redução do déficit habitacional na cidade, porque essa massa de pessoas depende de programas governamentais, como subsídios, descontos na taxa de financiamento ou habitações construídas pelo poder público.
Ele também acredita que a solução desse impasse passa pelo crescimento da renda, mas há outros fatores que podem ajudar, como o aumento da oferta de habitação e a descentralização das oportunidades de trabalho.
“Tem que permitir potencial construtivo, fazer licenciamentos ágeis. Se as empresas conseguirem acessar imóveis antigos, reciclar e colocar de volta no mercado com qualidade, também ajuda na oferta”, diz Souza. “O fato das pessoas quererem morar em São Paulo encarece o metro quadrado. Se mais gente quiser mudar para Sorocaba, Campinas, São José dos Campos, por exemplo, pode ajudar a reduzir a pressão sobre o preço”, completa.