A possível aliança entre o governo brasileiro e o bilionário Elon Musk para a conexão de escolas rurais, especialmente na Amazônia, criou constrangimento para conselheiros da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações).
A agência avalia atualmente pedido da empresa SpaceX, que pertence a Musk. O empresário pretende usar sua constelação de quase 5.000 satélites de baixa órbita para oferecer internet no Brasil competindo com as grandes operadoras de telecomunicações.
Além de Musk, outras empresas esperam aval da Anatel para que seus satélites de baixa órbita possam operar em território brasileiro. São elas Kepler, OneWeb, Swarm e Lightspeed.
Em missão internacional nos Estados Unidos há cerca de 15 dias, o ministro das Comunicações, Fábio Faria (PSD-RN), chegou a postar um vídeo ao lado de Elon Musk. Nele, Faria defendeu uma parceria com a SpaceX para a conexão de escolas em áreas rurais por meio de sua constelação de satélites.
A operação comercial começaria em 2022, simultaneamente à chegada do serviço do 5G nas capitais do país.
Na viagem, o ministro também esteve com representantes da OneWeb, que possui 350 satélites e quer chegar a 500 no próximo ano.
Ao todo, as cinco companhias interessadas em operar no Brasil devem usar ao menos 4.800 satélites de baixa altitude para venderem internet em locais onde hoje as teles não chegam, especialmente aos mais pobres.
Ao chegar de viagem, Faria marcou uma reunião com os conselheiros da Anatel. Por videoconferência, relatou suas conversas com as empresas.
Apesar de não ter feito pressão direta, alguns conselheiros avaliaram que o anúncio prévio de uma parceria entre o governo e a empresa de Musk causou constrangimento, já que cabe à Anatel decidir se há ou não viabilidade técnica para a prestação desse serviço.
A oferta de internet por esse tipo de equipamento é um serviço novo em todo o mundo. A regulação começa a ser definida em diversos países onde essas empresas pretendem atuar. No Brasil, o regulamento foi aprovado recentemente pela Anatel e prevê que os equipamentos de baixa órbita sejam tratados como os demais, particularmente os geoestacionários.
Os equipamentos geoestacionários são lançados a mais de 35 mil quilômetros da superfície e ficam parados sobre o território brasileiro, acompanhando o movimento da Terra. Há os satélites de média e baixa órbitas -estes ficam a cerca de 570 quilômetros do solo.
A única exigência imposta pelo regulamento da Anatel é que as empresas de baixa órbita apresentem estudos técnicos completos que permitam a coordenação entre os demais satélites.
Segundo conselheiros da agência, o problema agora, com os satélites de baixa órbita, é saber o que seria, exatamente, essa coordenação.
Técnicos da Anatel afirmam que houve um pedido de assessores diretos do ministro Fábio Faria para que houvesse “celeridade” nesse processo de avaliação.
A área técnica entende que não há necessidade de estudos completos e, sim, de análise da compatibilidade entre os demais equipamentos. Todos os equipamentos precisam conversar entre si, sem que haja interferências.
O problema da constelação satelital da SpaceX, chamada de Starlink, é que esses equipamentos sobrevoarão em baixa altitude e podem atrapalhar a recepção de sinais de satélites geoestacionários de outras empresas de telecomunicações.
Isso poderá criar uma competição acirrada entre as gigantes das telecomunicações e as empresas de satélites.
A AEB (Agência Espacial Brasileira), que gerencia o espaço orbital sobre o país, também está preocupada porque, ao permitir que tantos satélites de baixa altitude trafeguem sobre o país, poderá criar uma barreira para futuros lançamentos de equipamentos de maior porte que precisam ser lançados a mais de 35 mil quilômetros do solo. A agência espacial já expôs essas preocupações à Anatel.
Os casos em análise na Anatel estão paralisados à espera de uma solução para esse impasse. O conselheiro Vicente Aquino é o relator do pedido da SpaceX e Moisés Moreira cuida do caso da Amazon. Essas são as duas maiores do ramo.
Reservadamente, alguns conselheiros avaliam que, ao ter divulgado o vídeo em que promove a parceria, Faria joga para a Anatel a responsabilidade se, eventualmente, houver restrições ou até a proibição de que essas empresas operem no país.
À Folha, o ministro negou qualquer tipo de pressão. “Meu objetivo foi simplesmente contar para os conselheiros o que eu tinha visto e o que tinha conversado com as empresas”, disse. “Não pedi nada, em nenhum momento.”
Faria negou ainda ter pedido uma flexibilização do regulamento de satélites para agilizar a entrada de Elon Musk e de seus concorrentes no Brasil.
“Nem eu, nem o Arthur [Coimbra, secretário de Telecomunicações] pedimos nada. Nenhum conselheiro se disse constrangido até agora.”
Faria explicou que, durante a reunião, informou que é competência da UIT (União Internacional de Telecomunicações) definir lançamentos de satélites.
De fato, a UIT decide sobre satélites, mas somente os geostacionários. Cabe a cada país definir de que forma se dará a ocupação de seu espaço orbital por equipamentos de baixa ou média altitude.
“A entrada dessas novas empresas vai trazer concorrência e vai permitir não só a oferta de internet e a conexão de escolas e até comunidades indígenas na Amazônia, como a detecção de queimadas.”
O governo já possui um sistema similar. Mas, segundo o ministro, os satélites de Musk possuem uma tecnologia a laser mais sofisticada, que capta sinais sonoros de queimadas.
“O que está em jogo com essas parcerias é a oferta de internet onde as grandes não chegam.”
Procurada, a AEB informou, por meio de sua assessoria, que está tratando do assunto com a Anatel.
“Essa questão é uma preocupação internacional e não existe consenso estabelecido”, disse. “Serão envidados os melhores esforços com foco na preservação dos interesses brasileiros e das possibilidades de atendimento às demandas da sociedade brasileira, por meio do uso de sistemas espaciais.”