BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Enquanto a equipe econômica trabalha para limitar o pagamento de precatórios em 2022, ganhou força no governo um plano para quitar os débitos integralmente e retirar essa despesa da contabilização da regra do teto -que limita o crescimento dos gastos públicos à variação da inflação.
A ideia é apoiar a aprovação de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) elaborada pelo vice-presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), para flexibilizar a regra fiscal. Isso tornaria desnecessárias, portanto, as alternativas buscadas atualmente pelo ministro Paulo Guedes (Economia).
O crescimento dessa despesa comprimiu o Orçamento de 2022, forçando o governo a buscar soluções para abrir espaço nas contas e tornar possível a ampliação do Bolsa Família.
Guedes atua em dois eixos simultâneos. No mais simples deles, a ideia é que o próprio Judiciário estabeleça um teto para o pagamento de precatórios em 2022, sem a necessidade de aprovação do Congresso.
Membros da área jurídica do governo, no entanto, avaliam que a medida tem alto risco de judicialização e tende a não prosperar.
A justificativa é que a simples decisão do CNJ, sem amparo em instrumento previsto em lei ou na Constituição, acabará questionada no STF. Por isso, a avaliação é que seria necessário aprovar uma proposta no Congresso para garantir essa base da legislação.
Em outra frente, Guedes enviou ao Legislativo uma PEC para tratar do tema. A medida abre margem de R$ 33,5 bilhões em 2022 ao parcelar precatórios. O texto ainda cria um fundo com recurso de privatizações para abater dívida pública e fazer pagamentos antecipados de precatórios sem contabilizar no teto.
A proposta, alvo de críticas de especialistas, também foi recebida com cautela em outras áreas do Executivo. Segundo membros do governo, a medida é mais ampla que o necessário e de difícil aprovação.
O texto deve ser votado nesta quinta-feira (16) na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara.
Membros da área jurídica argumentam ainda que a PEC de Guedes também pode acabar judicializada. Isso porque os credores do governo poderão entrar com ações questionando o parcelamento dos precatórios.
Diante desse diagnóstico, ganhou força no governo a ideia de apoiar a aprovação da PEC apresentada pelo deputado Marcelo Ramos. O texto retira os precatórios integralmente da regra fiscal e faz uma espécie de rebaixamento no teto.
A medida estabelece que o governo deve recalcular o teto de gastos. Para isso, seria necessário retroagir a 2016, ano anterior à entrada em vigor da regra fiscal, e subtrair do teto o valor correspondente aos precatórios. Em seguida, o limite de gastos seria novamente calculado ano a ano, adicionando a variação da inflação no período.
Ao elaborar a proposta, que garante a manutenção do pagamento integral dos precatórios, o deputado argumentou que parcelar esses débitos colocaria em risco a credibilidade do país.
“A PEC proposta pelo governo, sob a ótica do credor, é um calote, e sob a ótica fiscal é uma pedalada”, criticou.
Ramos argumenta que os precatórios são um tipo de dívida e se assemelham a gastos como a amortização da dívida pública, que não é contabilizada no teto. Além disso, ele justifica que o governo não tem qualquer ingerência sobre essas despesas, cuja definição cabe ao Judiciário.
De acordo com o deputado, a aprovação de sua PEC permitirá ao governo abrir um espaço de até R$ 27 bilhões no Orçamento de 2022, permitindo a ampliação do Bolsa Família.
“Você paga 100% dos precatórios, não cria essa insegurança jurídica, não passa essa mensagem de descompromisso do governo com suas contas”, disse.
Ramos está coletando assinaturas para a PEC, que exige 171 apoiamentos para começar a tramitar.
Em nota, o Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) se posicionou a favor da PEC de Ramos.
“Essa solução é juridicamente correta e fiscalmente responsável. A PEC do vice-presidente da Câmara respeita o teto de gastos e, ao contrário de outros caminhos aventados, não culminará com ajuizamento de ações questionando sua validade”, diz a manifestação.
Em evento nesta quarta-feira (15), Guedes disse que fez “um pedido desesperado de socorro” ao Legislativo e ao Judiciário para solucionar o impasse em torno dos precatórios.
Em debate no mesmo evento, o presidente do STF defendeu o diálogo entre as instituições e, em tom de brincadeira, disse que Guedes é “tão amigo, que coloca no meu colo um filho que não é meu”.
Na avaliação do economista Marcos Mendes, as alternativas avaliadas são fiscalmente irresponsáveis e fragilizam o teto de gastos. Para ele, o governo busca argumentos frágeis para viabilizar uma ampliação de gastos no ano que vem.
Mendes, que é um dos formuladores da regra do teto, afirma que precatórios não são similares à dívida pública. Segundo ele, também é frágil o argumento de que o governo não tem controle sobre esses gastos porque há outras despesas também fora desse poder de decisão e que estão sob o teto, como os benefícios previdenciários.
“Se retirar do teto é inevitável –e eu acho que não é–, que se faça explicando que está tirando porque considera que vai comprimir outros gastos e vai tirar do teto para pagar outras despesas. Mas não me venha com princípios jurídicos e econômicos que não existem”, disse.
Para o economista, eventual flexibilização do teto deveria ser acompanhada de medidas compensatórias, como a ativação de gatilhos que travam despesas públicas. Para ele, porém, não há clima político para esse tipo de medida.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse que vai tentar acelerar a discussão na Casa, levando em consideração as sugestões de Fux e outros ministros. Ele anunciou que instalará uma comissão especial para debater o tema.
Em relatório, a IFI (Instituição Fiscal Independente, ligada ao Senado) afirmou que a retirada de precatórios do teto pode abrir um espaço de R$ 48,6 bilhões no Orçamento de 2022. O órgão pondera que a solução não anularia os efeitos negativos sobre as expectativas dos agentes econômicos e, consequentemente, sobre câmbio, inflação e juros.