Membros da área técnica do Ministério da Economia –entre aqueles que ficaram na pasta após a debandada de secretários– avaliam que, embora a situação esteja mais calma após a permanência do ministro Paulo Guedes no cargo e a oficialização de novos nomes para a área que controla os cofres do governo, o ambiente ainda é de preocupação com a fragilidade do quadro fiscal.
A avaliação é que as normas de controle do Orçamento público estão vulneráveis e expostas à ação do Congresso e da ala política do governo, que buscam ampliação de gastos às vésperas do ano eleitoral.
Os próximos dois meses são considerados decisivos por quem monitora os fundamentos das contas públicas. Dentro desse período, os parlamentares analisarão a PEC (proposta de emenda à Constituição) que limita as despesas com precatórios –dívidas do governo reconhecidas pela Justiça– e o projeto de Orçamento de 2022.
Na visão de um integrante do ministério, o governo foi ao limite da responsabilidade fiscal ao propor a manobra que dribla o teto de gastos –regra que limita o crescimento das despesas públicas federais à variação da inflação.
O objetivo da proposta é abrir um espaço orçamentário por meio de uma mudança na forma de corrigir anualmente o teto. A partir da alteração, será criado espaço nas contas do governo em 2022, com uma elevação de R$ 30 bilhões no teto.
O dinheiro será usado para turbinar temporariamente, até o fim do ano que vem, o novo programa social do governo, batizado de Auxílio Brasil.
A medida, associada à limitação de precatórios, deve criar uma margem total de R$ 83 bilhões nas contas no ano das eleições. Parte do dinheiro deve ser deslocado para turbinar emendas parlamentares -recursos direcionados pelos deputados e senadores a obras e projetos em suas bases.
A decisão, que teve o aval do governo e de Guedes, levou a um pedido coletivo de demissão de quatro secretários responsáveis por comandar a área que controla o cofre do governo, a Secretaria Especial do Tesouro e Orçamento.
Para um membro da área técnica da pasta, o momento é de fragilidade e há riscos fiscais à frente. Nas palavras desse técnico, será necessário observar se a sanha da ala política por mais recursos acabou e se a solução proposta pelo governo será suficiente.
A PEC dos precatórios foi aprovada em comissão especial da Câmara na última semana e depende de votação do plenário da Casa, antes de seguir para o Senado. O texto pode ser alterado pelos parlamentares até o fim da tramitação.
Os focos de preocupação na pasta são o tamanho do Auxílio Brasil, que poderia ter o valor de R$ 400 ampliado, e o montante que será incluído no Orçamento para as emendas parlamentares.
Um auxiliar de Guedes afirma que as próximas semanas devem ser de pressão dentro e fora do governo para que haja uma expansão ainda maior de gastos.
Para essa fonte, não há espaço para que as despesas sejam ampliadas sem um risco maior de descontrole dos indicadores macroeconômicos.
O anúncio do programa que dribla o teto já levou a uma derrubada dos índices da Bolsa e elevação do dólar e dos juros.
Por isso, a equipe econômica pretende argumentar que movimentos mais ousados na direção da irresponsabilidade fiscal tendem a deteriorar esses indicadores, provocando mais inflação, o que acaba atingindo em maior intensidade os mais pobres.
Guedes vem defendendo um equilíbrio entre os interesses da ala política, que busca mais gastos, e da equipe econômica, que tenta travar as despesas. Ele diz, porém, que há um limite para as negociações e que esse patamar máximo seria o de R$ 30 bilhões já definido em acordo.
Na última semana, contrariando os interesses de Guedes, Bolsonaro exigiu que o novo programa social do governo fosse turbinado para um valor de R$ 400 –o valor médio do Bolsa Família está hoje em R$ 190.
O ministro defendia um patamar mais baixo, de até R$ 300, e insistia que o reajuste fosse feito com despesas dentro do teto de gastos vigente hoje. No entanto, o titular da Economia foi vencido na disputa.
Enquanto a solução para a área social não é concretizada, membros do Ministério da Economia torcem por uma redução nos atritos dentro do governo. A percepção é que a crise interna tem deixado o dólar em um patamar acima do aceitável para os fundamentos econômicos do país, o que pressiona a inflação.
Guedes vinha passando por uma fritura no governo. Em entrevista ao lado de Bolsonaro na sexta (22), ele relatou que membros da ala política fizeram sondagem com o banqueiro André Esteves, do BTG Pactual, em busca de um substituto para seu posto no ministério. O cotado seria Mansueto Almeida, ex-secretário do Tesouro e atual economista-chefe do BTG.
“Sei que o presidente não pediu isso, porque acredito que ele confia em mim e eu confio nele, mas sei que muita gente da ala politica andou oferecendo nome e fazendo pescaria”, disse o titular da Economia.
O ministro não citou nominalmente ninguém. Contudo, sabe-se que integram a ala política os ministros Ciro Nogueira (Casa Civil), Flávia Arruda (Secretaria de Governo) e João Roma (Cidadania) –todos parlamentares e defensores da solução do Auxílio Brasil de R$ 400.
Agora, a avaliação na pasta é que a temperatura deve baixar porque Guedes cedeu e a ala política foi atendida com a expansão de gastos, o que permitirá a adoção de medidas com apelo eleitoral. Neste domingo (24), mais uma vez Guedes deu entrevista ao lado de Bolsonaro, que se esforça para demonstrar apoio à política econômica defendida pelo ministro.