ELDORADO DO SUL E PORTO ALEGRE, RS (FOLHAPRESS) – As primeiras sementes de arroz agroecológico da próxima safra foram plantadas no dia 2 de outubro em Viamão, região metropolitana de Porto Alegre, no solo do maior entre os 12 assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, que cultivam o grão no Rio Grande do Sul.
Dos cerca de 9.000 hectares do assentamento Filhos de Sepé, 1.600 são reservados ao arroz. O local tem ainda 5.000 cabeças de gado e a maior produção de hortaliças do estado.
“No assentamento, tinha o plantio do arroz convencional, mas como é uma área de proteção ambiental, os assentados tiveram que se adaptar. Alguns acabaram expulsos por não aceitar a proposta do orgânico”, conta Ivan Carlos Prado Pereira, 37, técnico agrícola e presidente da Aafise, associação de moradores.
O cultivo do arroz orgânico começou a 80 km dali, em Nova Santa Rita, na virada para os anos 2000. Os sem-terra, assentados em áreas do estado nos anos 1990, descobriram na região condições favoráveis ao grão. A migração para o orgânico se espalhou.
“Fomos vendo que dava certo. O assentamento hoje exporta conhecimento. O convencional não nos atrai mais, pelo custo e a maldade que faz ao ambiente”, diz Ivan.
O orgânico dispensa insumos como adubo químico e agrotóxico, que tiveram alta de preços, encarecendo a produção do arroz convencional.
Recentemente, para aperfeiçoar o manejo e validar técnicas já usadas, o MST buscou o Instituto Riograndense do Arroz (Irga). Deram início a uma pesquisa e foi criado o Programa Estadual de Produção de Arroz de Base Ecológica, coordenado pela autarquia e o Grupo Gestor do Arroz Ecológico, do movimento. Com técnicas desenvolvidas na pesquisa, a produtividade foi de 3,5 toneladas por hectare para 4,5 na safra seguinte, afirma Edivane Portela, técnico do Irga.
A produtividade do arroz orgânico é em média 65% da obtida na lavoura do grão comum. O preço fica entre 20% e 25% acima do convencional.
“À medida que o Irga concentra esforço nisso, tem tido mais interesse. Não necessariamente em produzir orgânicos, mas em conciliar técnicas, reproduzir insumos que estão caros”, diz o técnico.
Isso, ele explica, tem sido importante para famílias com baixa capacidade de investimento, mas interessadas em mudar a matriz produtiva.
Considerado o maior produtor de arroz orgânico da América Latina, o MST contava, há cinco anos, com 616 famílias de 22 assentamentos envolvidas, mais de 5.000 hectares de área plantada e estimativa de colheita de 550 mil sacas.
A que começou a ser plantada agora, 2021/22, mostra um recuo: são 389 famílias de 12 assentamentos espalhados pela região metropolitana, com área de plantio de 3.000 hectares e expectativa de colheita de 300 mil sacas.
A safra anterior, colhida no início do ano, movimentou R$ 20 milhões, com 248 mil sacas ?130 mil delas seguiam em estoque, o que é incomum para o período, segundo o MST.
“Estamos nos inserindo no mercado, mas ainda é um projeto que enfrenta as dificuldades gerais da economia”, diz Cedenir de Oliveira, da comissão estadual do movimento.
O grande gargalo é a venda. A maior parte do mercado do arroz do MST é institucional, com vendas para cidades e estados, via Programa Nacional de Alimentação Escolar, e para a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento).
O MST aguarda resultado da seleção do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), executado pela estatal, para tentar viabilizar vendas neste ano.
“Estranho que, mesmo atendendo critérios de público prioritário, como percentual de mulheres, orgânicos e assentados da reforma agrária, nosso projeto não foi contratado em 2020. Inscrevemos novamente”, diz Nelson Krupinski, da cooperativa da região de Porto Alegre (Cootap).
A Conab afirma que não há ação de compra anual de arroz, apenas por políticas e programas, e que, nos últimos três anos, adquiriu 27,5 mil toneladas para cestas entregues a povos e comunidades tradicionais, por meio de leilões e de chamada pública.
“Por vezes, a Conab abria leilões específicos para produtos da agricultura familiar, o que não temos visto”, diz o professor Leonardo Xavier da Silva, coordenador de pós-graduação em desenvolvimento rural, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
Para Milton Fornazieri, da coordenação nacional do MST, a volta das compras públicas é essencial nesta fase de aumento da fome. ”O PAA é fundamental como política de transferência de renda a famílias em vulnerabilidade.”
A operacionalização do arroz do MST no RS envolve oito cooperativas e cinco empresas sociais de assentados. Algumas têm indústria própria.
O arroz é vendido em mais de 200 pontos, entre feiras, lojas de orgânicos e grupos de consumo. O pacote de um quilo custa entre R$ 7 e R$ 8.
Hortaliças e frutas também são escoadas por essas vias.
“Orgânico é vida. A gente optou, não pela questão financeira, que conta, mas o essencial é o alimento. Não produzimos só para a gente”, diz Lúcia Audibert, 50, que planta frutas e outros itens num assentamento em Eldorado do Sul.
As terras onde os orgânicos são produzidos há mais de 20 anos ainda são do Estado e dependem de renovação da concessão a cada dez anos.
Entre altos e baixos do mercado, o MST planeja expandir as áreas plantadas, criar uma sementeira para produzir as próprias sementes e industrializar a Cootap, garantindo que toda a cadeia fique nas mãos dos assentados.
“A bandeira da agroecologia faz parte da consciência”, diz Marildo Mulinari, 57, que planta arroz no assentamento Integração Gaúcha, em Eldorado do Sul.
Segundo ele, não interessa, para a reforma agrária, conquistar a terra e seguir envenenando a natureza. ”A gente quer construir a reforma nesse contexto de vender produtos saudáveis para boa parte da população, inclusive os mais necessitados.”