A eleição para Presidência da República do próximo domingo (01) será a primeira realizada com um Banco Central (BC) autônomo. Não à toa, este é um dos assuntos econômicos que fazem parte das discussões eleitorais. Para especialistas, a autonomia do BC não deve sofrer alterações de eventuais novos governos, ou da continuidade do governo atual. Ainda assim, as equipes econômicas dos principais candidatos não deixam muito claro quais passos irão tomar no assunto.
É o que explica Ahmed Sameer El Khatib, professor e coordenador do Instituto de Finanças da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP). “Não está muito claro nas campanhas eleitorais dos presidenciáveis o que será da autonomia do BC. O que sabemos é que os dois principais candidatos – Lula e Bolsonaro, que possuem maiores intenções de votos, considerando as últimas pesquisas – declararam que irão respeitar a autonomia do Banco”, apontou o professor.
Para o economista João Victorino, a expectativa é de que se mantenha a autonomia do Banco Central, independente do próximo governo. “Esse modo de atuar em relação à economia é um modelo já utilizado por vários países do primeiro mundo e é o que se entende como modelo mais vencedor de um Banco Central, que consiga suportar a política econômica e ir em busca de atender a defesa da moeda”, comentou.
Segundo André Meirelles, da InvestSmart XP, em um cenário pós eleições, Roberto Campos Neto deve permanecer presidente do BC e “a política monetária adotada pela instituição até o momento terá continuidade, pelo menos, até 2024, quando acaba esse mandato”.
Nesse sentido, Victor Candido, economista-chefe da RPS, concorda que a autonomia do BC corre pouco risco. Segundo ele, há mais o que se pensar e discutir no âmbito econômico do que uma eventual ruptura da independência do órgão. Ainda assim, nem todos os candidatos se declararam favoráveis à autonomia do Banco. Para El Khatib, parece haver dúvidas sobre a autonomia quando “saímos do eixo Lula/Bolsonaro”.
Autonomia do BC e um novo governo
O candidato à Presidência da República Ciro Gomes, do PDT (Partido Democrático Trabalhista), já criticou a autonomia do Banco Central em entrevista concedida à rádio do Portal Metro, da Bahia, em meados de setembro. Para o pedetista, a medida é fruto de uma governança política errada.
“Ciro tem declarado que daria autonomia, mas não independência ao Banco Central. Isto quer dizer que o BC trabalharia em conjunto com o governo e sempre alinhado a ele”, apontou o professor da FECAP. Segundo o especialista, o candidato tem declarado que poderá alterar algumas de suas atribuições para um possível alinhamento à sua política de governo.
No caso de Luiz Inácio Lula da Silva, candidato à Presidência pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e que lidera a corrida presidencial nas pesquisas eleitorais, a equipe econômica já deu indícios de que o Presidente respeitaria a autonomia do Banco Central e que adotaria medidas para contribuir no combate à inflação.
Mesmo assim, para El Khatib, o candidato petista tem falado em “alterações”, sem muito se aprofundar no assunto. “O fato de propor alterações indicaria, no meu entendimento, que teríamos uma ‘gestão’ compartilhada de ações no âmbito macroeconômico, fato que poderia enfraquecer a autonomia do BC”, opinou o professor.
Para além de Lula, El Khatib acredita que, caso um governo populista assuma o poder, não “pensaria duas vezes em enfraquecer a autonomia do BC para endereçar suas propostas de curto prazo”.
“O BC dispondo de autonomia passou a se classificar como ‘autarquia de natureza especial‘ ou ‘autarquia em regime especial’. Isso quer dizer que a entidade possui um regime legal diferenciado, resultando, assim, em mais liberdade de organização e administração”, explicou El Khatib. Entretanto, para ele, caso isso atrapalhe a obtenção de resultados mais populares, como aumento do poder aquisitivo, maior injeção de recursos na economia, pode haver interferência por parte de Lula e Ciro.
Mas foi a economista Elena Landau, que assessora a candidata Simone Tebet (MDB), que se posicionou de forma mais firme no assunto. Segundo ela, um governo de Tebet não mexeria em nada na autonomia do BC, já que a medida foi um “ganho enorme para a sociedade”.
Não à toa, El Khatib entende que Simone Tebet não pensaria em mudar a autonomia do BC, uma vez que, como senadora, foi favorável ao projeto que criou a liberdade política e administrativa do Banco.
Para Victorino, não está em pauta uma mudança do modelo do BC para nenhum candidato. “Por tudo que tem se falado os assessores de economia dos principais candidatos, mesmo não deixando isso explícito em seus planos de governo. Não existe uma declaração formal veemente, mas a gente entende que deve continuar como está, que não deve haver risco de se reverter essa questão”, explicou.
Segundo Candido, caso algum governo não seja a favor da autonomia do BC, ele precisará colocar uma nova PEC e acabar com a independência do Banco Central. “Com os desafios do país e os programas de governo dos candidatos que a gente tem hoje, tem coisa mais importante para fazerem e gastarem capital político do que alterar o BC, que tem funcionado”
BC e uma continuação do governo Bolsonaro
Foi o atual governo, de Jair Bolsonaro (PL), que enviou ao Congresso o projeto que dá autonomia ao Banco Central, sancionado pelo Presidente em 25 de fevereiro de 2021. Desde então, o órgão recebe menor intervenção do Estado, tendo maior liberdade para se autorregular e maior poder de administração. Mesmo assim, El Khatib relembra que a autonomia do Banco Central vem sendo debatida desde 1999 e, portanto, não é um assunto tão novo.
Para Candido, Bolsonaro não tem interesse em mudar o Banco Central, mas o que pode fazer é, após o vencimento do termo de Roberto Campos Neto, indicar outra pessoa. “Mesmo assim, acredito que, caso reeleito, o governo Bolsonaro não faça nenhuma grande alteração no Banco Central, inclusive pode até reconduzir Campos Neto novamente”, apontou.
El Khatib entende que uma mudança no BC em um eventual segundo mandato de Bolsonaro não é improvável, mas julga que “a probabilidade seja pequena”. “Ao meu ver, ainda que haja uma reeleição de Bolsonaro, ele poderia alterar os mecanismos de autonomia do Banco para, de certo modo, acelerar políticas econômicas que ache mais próximas de seu novo plano de governo”, opinou o professor.
Além disso, para Victorino, o atual governo tem um perfil liberal, o que faz com que defenda um Banco Central separado e independente, com uma política própria. “Não se imagina nenhum risco, se o governo Bolsonaro permanecer, de que haverá alguma alteração neste modelo como está formado”.
Autonomia do Banco Central
Desde fevereiro do ano passado, o BC não é mais vinculado ao Ministério da Economia. Em termos práticos, segundo El Khatib, com a autonomia do BCB, a diretoria colegiada (composta pelo Presidente do Banco e os oito diretores) poderão conduzir a política econômica brasileira usando critérios técnicos e monetários que possam contribuir para o crescimento econômico e financeiro do país. Dessa forma, a regência do Banco poderá seguir sem interferência e pressões políticas do Chefe do Poder Executivo, isto é, do Presidente da República eleito, exceto se ocorrer mudanças na legislação que o criou.
Segundo André Meirelles, da InvestSmart XP, a autonomia garante que a equipe do BC tenha liberdade para tomar decisões referentes ao mercado de capitais e a política monetária do país sem interferência do governo ou da equipe econômica.
Ainda, a autonomia do Banco Central também prevê um mandato da diretoria colegiada, que pressupõe que o mandato – de quatro anos – do Presidente do Banco e de seus diretores não coincidem com o da Presidência da República.
“Essa medida é importante, principalmente, em período de eleição presidencial, pois garante a estabilidade da instituição e a continuidade do comprometimento ao combate à inflação independente das prioridades elencadas pelo presidente eleito”, apontou Meirelles.
Para Victorino, a autonomia do Banco Central é uma ferramenta muito importante para que o País tenha uma economia estável, previsível e com taxas de inflação baixas. “Afinal de contas, a inflação alta é o principal fator que empobrece as pessoas, principalmente as mais pobres. Um exemplo que estamos vendo agora é os Estados Unidos e a Europa, estão fazendo de tudo para reduzir a inflação ao máximo, em um movimento muito forte de aumento da taxa de juros, e quem está fazendo isso são os Bancos Centrais Independentes”, finalizou.