Embora tenha sinalizado em sua última reunião a desaceleração do ritmo de ajuste da taxa básica de juros, a Selic, o Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central pode repetir nesta semana a mesma magnitude de alta praticada nos últimos encontros, de 1,5 ponto percentual, segundo os ex-diretores do BC Tony Volpon e Alexandre Schwartsman.
Pesam na decisão, a inflação, pressionada principalmente pela alta dos combustíveis, e a turbulência mundial que resulta da guerra entre Rússia e Ucrânia.
O Copom decide nesta quarta (16) a taxa básica de juros. Atualmente, a Selic está em 10,75% ao ano. Dada a defasagem nos efeitos da política monetária, o próximo encontro é o último em que o ano-calendário de 2022 continua sendo contemplado no horizonte relevante.
“Várias casas estão começando a elevar para cima as suas projeções para inflação para este ano e também para 2023, que é o ano em que o Banco Central gostaria de ver a inflação voltar a operar perto da meta. Isso pode levar o Copom a não cumprir o que foi sinalizado e, de fato, aumentar 1,5 ponto percentual”, disse Volpon.
A mediana da inflação projetada pelos analistas do mercado financeiro para 2022 subiu de 5,65% para 6,45%, segundo a pesquisa Focus divulgada nesta segunda (14), distanciando-se mais ainda do teto da meta. Caso a estimativa se confirme, representará o estouro da meta pelo segundo ano consecutivo.
O objetivo a ser perseguido pela autoridade monetária neste ano é de 3,5%, com tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos.
Para 2023, a mediana das projeções passou de 3,51% para 3,70%. O centro da meta para o próximo ano é 3,25%.
Para Volpon, que é estrategista-chefe da WHG (Wealth High Governance), a discussão do colegiado sobre um possível impulso adicional na taxa básica de juros passará pelo choque inflacionário causado pela invasão da Ucrânia pela Rússia, bem como pela alta de 1,01% do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) em fevereiro, número acima das expectativas do mercado financeiro, que esperava elevação de 0,95%. No acumulado de 12 meses, o indicador de inflação chegou a 10,54%.
Schwartsman também considera que os novos choques inflacionários podem levar o BC a reavaliar seu plano de voo para assegurar que as expectativas do próximo ano continuem ancoradas depois de um “7 a 1” em 2022.
“Eu olharia com muito cuidado se faz sentido ou não a desaceleração no ritmo do aperto monetário, porque teve uma piora considerável e inesperada do ambiente inflacionário com a questão da guerra e do preço dos combustíveis”, disse.
Os preços das commodities agrícolas e petróleo têm disparado junto com o agravamento da crise no Leste Europeu. O petróleo Brent, usado como referência, ultrapassou os US$ 100 (R$ 504,73) em 24 de fevereiro, pela primeira vez desde 2014. Há uma semana, o barril estava sendo negociado nos maiores níveis desde 2008 e chegou a bater a máxima de US$ 139,13 (R$ 706,11) -os valores recuaram um pouco nos últimos dias.
Na esteira da elevação nas cotações do petróleo no mercado internacional, a Petrobras anunciou, na semana passada, um mega-aumento nos preços de combustíveis. No caso da gasolina, o acréscimo para as distribuidoras foi de 18,8%. Para o diesel, o aumento foi ainda maior, de 24,9%.
Os reajustes foram anunciados em meio a debate no governo e no Congresso sobre a política de preços dos combustíveis da estatal.
Na sexta-feira (11), o presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou integralmente o projeto de lei que altera a cobrança de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre combustíveis e zera as alíquotas de PIS/Cofins sobre diesel e gás até o fim de 2022 (renúncia de R$ 18 bilhões).
Caso a guerra se prolongue, o ministro Paulo Guedes (Economia) admitiu que subsídios do Tesouro Nacional podem ser adotados para o diesel.
“O diesel tem um peso direto muito reduzido no cálculo do IPCA, de 0,2%. Subsidiar diesel é uma troca de apoio político. Na prática, é mais para apaziguar uma possível base de apoio político do presidente [Jair Bolsonaro], que surfou na onda da greve dos caminhoneiros em 2018”, afirmou Schwartsman.
A incerteza sobre a duração do conflito é um fator a ser considerado pela autoridade monetária na próxima reunião do Copom, na opinião de José Júlio Senna, ex-diretor do BC.
“O quadro inflacionário do Brasil já era preocupante e se tornou ainda mais. A meu ver, o impacto desse conflito sobre a inflação será muito mais significativo do que o impacto sobre a atividade econômica”, disse.
Ainda assim, ele avalia que o colegiado evitará repetir o ritmo de ajuste de 1,5 ponto percentual, levando em conta a elevada taxa de juros real no Brasil e o estágio avançado do ciclo de aperto monetário.
O aumento dos juros no Brasil é o maior entre as principais economias ao redor do mundo, com oito altas seguidas, totalizando 8,75 pontos porcentuais. Em março do ano passado, a taxa básica estava em 2% ao ano, menor patamar histórico, e cinco meses depois já entrava em território contracionista (que freia a atividade econômica e a inflação).
“Ser mais agressivo talvez não caiba agora porque a política monetária ainda não produziu os efeitos completos, e o nível de juro real que já atingimos é muito elevado, estamos falando de quase 8% ao ano”, disse.
Com base no contrato de swap de 360 dias e nas expectativas de inflação de um ano extraídas da pesquisa Focus, o juro real atingiu cerca de 7,5% ao ano em março, maior nível desde agosto de 2016.
No encontro desta semana, Senna espera que o Copom entregue uma alta de 1 ponto percentual na taxa básica e sustente o patamar elevado de juros por mais tempo. Sua visão está em sintonia com a expectativa do mercado. Nesta semana, a maior parte das avaliações é a de que a Selic chegue a 11,75% ao ano (alta de 1 ponto percentual).
Como a Folha de S.Paulo mostrou, diversos economistas brasileiros acreditam que o recrudescimento das tensões geopolíticas por causa da guerra na Ucrânia possa levar o BC a estender o ciclo de alta da taxa básica de juros para conter as pressões sobre a inflação.