Nove projetos foram selecionados pelo Banco Central e pela Fenasbac (Federação Nacional de Associações dos Servidores do Banco Central) para participar do Lift Challenge sobre real digital.
O desafio representa um passo a mais nos estudos sobre como viabilizar a implementação de uma moeda digital brasileira. Ao todo, foram 47 propostas apresentadas por 43 empresas. Devido ao curto período de tempo de desenvolvimento, de 28 de março a 29 de julho, algumas proposições foram feitas em consórcio.
Entre os projetos selecionados, estão soluções envolvendo varejo físico (Aave), transações de imóveis ou veículos (Banco Santander), pagamentos offline (Giesecke + Devrient) e interoperabilidade a partir de blockchain, que permite transações internacionais (Itaú Unibanco).
Também foram escolhidas propostas voltadas a um sistema para liquidação de ativos financeiros (Febraban), uso de entrega contra pagamento (DvP) de ativos digitais (Mercado Bitcoin com Fundação CPQD e Bitrust) e uso de internet das coisas para o meio logístico de ecommerce (Tecban).
Completam a lista casos de financiamento rural com rastreio de transações a partir da programabilidade (VERT, Digital Assets e Oliver Wyman) e de soluções de interação com o mercado financeiro global para pequenas e médias empresas (Visa, Consensy e Microsoft).
“As propostas selecionadas nos trazem a oportunidade de debater profundamente os casos de uso da moeda digital brasileira, amadurecendo modelos de negócios baseados nessa tecnologia para dar continuidade ao processo de criação da nossa CBDC [Central Bank Digital Currency]”, diz o coordenador do Lift Challenge, Fábio Araújo, em nota.
Os escolhidos buscam resolver questões que são entraves para a implementação da versão virtual do real, como liquidação de transações com ativos digitais (entrega contra pagamento ou DvP) e soluções para câmbio entre moedas (pagamento contra pagamento ou PvP).
Ideias que cobriam o universo de aplicação de internet das coisas (IoT) e finanças descentralizadas (DeFi) também tiveram preferência, além daquelas que buscavam potenciais soluções de pagamento em que tanto pagador quanto recebedor se encontram sem acesso à internet (dual offline).
Avaliar os casos de uso do real digital estava entre os critérios de seleção, assim como o interesse para a sociedade brasileira. A viabilidade tecnológica e a capacidade de execução nos quatro meses do desafio também foram levadas em consideração.
“Como é um tema de alta complexidade e os projetos precisam de mais maturidade, esperávamos receber uma dúzia de propostas. Foram 47, um número bem acima do previsto”, afirmou Rodrigoh Henriques, líder de inovações financeiras da Fenasbac e coordenador do Laboratório de Inovações Financeiras e Tecnológicas (Lift Lab). “Os casos de uso foram muito bem desenhados. Essa foi uma surpresa muito grata”, completou.
O Lift Challenge atraiu empresas brasileiras, mas também recebeu propostas de empresas sediadas em sete outros países (Alemanha, Estados Unidos, Israel, México, Portugal, Reino Unido e Suécia).
Recentemente, a criação de moedas digitais entrou no radar de bancos centrais de todo o mundo. De acordo com pesquisa do Atlantic Council, um think tank internacional, 87 países (representando mais de 90% do PIB global) estudam o assunto atualmente. Em maio de 2020, eram apenas 35 países.
As Bahamas se tornaram um grande laboratório ao criar o dólar de areia (sand dollar, em inglês), a primeira moeda digital do mundo emitida por um banco central. Atualmente, nove países já lançaram seus projetos, incluindo a Nigéria. Ao longo do último ano, a China fez experiências com o yuan digital em várias cidades.
O Lift Challenge é mais um passo do BC para a implementação do real digital. Em maio do ano passado, a autoridade monetária divulgou as diretrizes da nova moeda: previsão de uso em pagamentos de varejo, ausência de remuneração, garantia da segurança jurídica em suas operações e adesão a todos os princípios e regras de privacidade e segurança.
Em julho, o BC e a Fenasbac irão divulgar o resultado das propostas já com um produto minimamente viável (MVP). As melhores podem ser integradas aos pilotos da autarquia.
De acordo com o presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto, a primeira fase de testes do real digital, sem interação com o público, deve ter início no quarto trimestre deste ano. Os pilotos devem se estender ao longo de 2023, com inclusão gradual de alguns grupos de clientes.
Diferentemente das criptomoedas, como bitcoin ou ethereum, o dinheiro virtual emitido pelo BC seria semelhante ao papel-moeda, assegurado e gerido pelo Estado, enquanto os outros ativos digitais não têm garantias, não são regulados pela autoridade monetária e não são aceitos amplamente no comércio.
Já a diferença entre o papel-moeda e o real digital é que este não poderá ser convertido em cédulas. O cidadão receberá códigos gerados pelo BC indicando os valores correspondentes. Segundo a autarquia, a moeda digital deve estimular a inovação e a concorrência no ambiente virtual, bem como inibir a lavagem de dinheiro.