Em um cenário no qual a antecipação das incertezas políticas acerca das eleições de 2022 já vinha preocupando os investidores nas últimas semanas, a crise vinda da China relativa ao risco de quebra da gigante imobiliária Evergrande serviu apenas para pesar ainda mais sobre o humor dos mercados.
No início da semana passada, o Ibovespa chegou a retroceder aos 108 mil pontos, no menor nível desde novembro do ano passado.
No entanto, para experientes gestores de fundos dedicados às ações, são nesses momentos de maior incerteza em que é preciso ter atenção redobrada para identificar, e se aproveitar, das ações daquelas empresas que devem se destacar frente aos respectivos pares.
O consenso entre os especialistas é o de que a Bolsa como um todo terá um comportamento bastante volátil, com as dúvidas que pairam sobre a corrida eleitoral e sobre como será o ambiente externo nos próximos 12 a 18 meses turvando a leitura dos agentes econômicos. Mas eles dizem também que já é possível pinçar bons nomes que negociam a preços atrativos após as quedas recentes.
“Quando acontece uma confluência de muitas preocupações sendo incorporadas em um curto espaço de tempo, isso se reflete nos preços e abre oportunidades de investimento para quem tem um horizonte de longo prazo”, diz Luis Felipe Amaral, sócio fundador e gestor dos fundos de ações da Equitas. “É exatamente esse o momento que estamos vivendo agora”, acrescenta ele.
Sócio fundador e diretor de investimentos da RPS Capital Investment Management, Paolo Di Sora não descarta que, mesmo com o ajuste recente, a Bolsa ainda não venha a cair mais um pouco, tendo em vista o ambiente de alta dos juros e incertezas políticas e globais.
O que não quer dizer que o investidor não consiga encontrar boas oportunidades no mercado, diz o diretor de investimentos. “Em um ambiente com muita incerteza, talvez a Bolsa não saia do lugar, mas terão temas e setores que vão andar, e outros que vão cair. O desafio é aproveitar mais as oportunidades relativas do que as absolutas”, afirma Di Sora.
Jorge Oliveira, gestor de ações da BlueLine Asset Management, diz que, independentemente de uma remuneração de dois dígitos na renda fixa prevista à frente, há histórias na Bolsa com maior potencial de retorno e de lucratividade.
Oliveira afirma que a estratégia que tem sido adotada no fundo multimercado da casa é fazer uma seleção das ações preferidas na Bolsa brasileira, e, ao mesmo tempo, adotar um posicionamento vendido no índice Ibovespa, de modo a se proteger dos prováveis momentos em que o mercado como um todo irá desvalorizar.
O gestor da BlueLine Asset diz que tem atuado taticamente quando ocorre uma desvalorização mais pronunciada para aumentar o peso em algumas apostas específicas.
A fabricante de motores Weg, bem como o setor de saúde por meio da Rede D´Or, e a varejista Lojas Renner, são algumas das ações apontadas dentro da composição da carteira dedicada à Bolsa brasileira.
Amaral, da Equitas, diz que, embora não seja possível ter uma clareza sobre quando os ruídos políticos ou relativos ao cenário externo começarão a se dissipar, ele lembra que, quando isso ocorrer, as ações estarão em outro patamar de preços.
“2022 vai ser um ano de grande incerteza, há muita dúvida no mercado sobre o cenário eleitoral. Mas isso está bem refletido nos preços, e é por esse motivo que as ações estão baratas”, diz o gestor da Equitas.
Ele afirma que, ao apostar as fichas em determinada ação, costuma mirar para um prazo entre três e cinco anos, em média, até maturar bem a posição na carteira. “Para quem tem uma visão de mais longo prazo, sabendo que teremos um período turbulento pela frente, vejo que estamos em um bom período para ir às compras.”
Amaral diz que não mexeu na carteira, mas que se valeu da volatilidade recente para reforçar o posicionamento em nomes de maior convicção que ficaram mais em conta.
Entre as apostas nos fundos da Equitas, ele cita nomes do setor financeiro, como de saúde hospitalar, por meio da Mater Dei, que o gestor acredita que deve apresentar um crescimento acentuado organicamente e via fusões e aquisições.
Os gigantes de comércio eletrônico Mercado Livre e do setor de petróleo Petrobras também estão entre as principais apostas. “Dede que atuo no mercado, há cerca de 25 anos, não me lembro de ter visto as ações da Petrobras em um nível de preços tão descontado, frente ao momento operacional bastante favorável”, diz Amaral.
Segundo o gestor da Equitas, em um cenário em que as mudanças nas premissas macroeconômicas ocorrem cada vez mais rápido, é preciso ir além das métricas tradicionais de mercado para conseguir avaliar de maneira adequada se uma ação está cara ou barata. “Tem investidor que se apega demais aos múltiplos.”
Di Sora, da RPS Capital, afirma que também vê com bons olhos o setor de petróleo, frente ao processo de reabertura que parece que vem ganhando força em diversos países de maneira mais firme.
No entanto, ele diz que, dado o risco político intrínseco ao papel de uma empresa estatal como da Petrobras, prefere se posicionar na tese através de companhias de controle privado, como a PetroReconcavo, que abriu capital em maio de 2021.
Também no campo das commodities, Di Sora aponta JBS como uma das ações preferidas no portfólio. Ele diz ainda que a redução na produção e na oferta de aço e alumínio sinalizada pela China pode beneficiar empresas produtoras no Brasil, como CBA, Gerdau e Usiminas.
Nesse caso, porém, o diretor de investimentos assinala que é preciso ter atenção com o risco da crise hídrica, que pode impactar os custos para as produtoras de commodities pelo aumento no preço da energia.
Por conta disso, ele diz que prefere se expor ao tema em ações globais, como da ArcelorMittal e da Ternium. Esses papéis podem ser encontrados na B3 por meio dos BDRs (Brazilian Depositary Receipts), ativos negociados na Bolsa local expostos à variação do dólar e que replicam a performance de empresas estrangeiras.
Em um ambiente no qual a inflação deve seguir alta, Di Sora afirma ser importante que o investidor busque exposição a nomes que ofereçam alguma proteção contra esse risco. O gestor afirma que o setor de supermercados é um deles, tendo papéis da rede Assaí na carteira.
Na gestora Frontier Capital, o diretor de investimentos Rodrigo Fonseca diz que também aproveitou o recente aumento na volatilidade da Bolsa para aumentar a posição em nomes já em carteira considerados de caráter mais defensivo.
Entre eles, Fonseca destaca papéis da SLC Agrícola e da Cesp. Ele lembra que a produtora de commodities tem boa parte da receita voltada ao mercado externo, vinculada, portanto, à variação do dólar, com características de maior proteção para compor a carteira em um cenário doméstico mais volátil.
“O Brasil já tem uma vantagem competitiva no setor agrícola, e a SLC tem ainda diferenciais em relação aos concorrentes”, diz o diretor da Frontier Capital.
No caso da empresa de energia elétrica, apesar do risco trazido pela crise hídrica, a avaliação é a de que os níveis atuais em que negociam as ações representam uma boa oportunidade de entrada.
Além disso, ele diz que uma indenização relativa a investimentos feitos anos atrás na usina hidrelétrica Três Irmãos (SP) parece estar se encaminhando para uma resolução, com alto potencial de destravar valor para a companhia de energia.
“Vemos um ambiente para os próximos meses com bastante risco, mas achamos também que parte desses riscos já foi precificado pelo mercado”, afirma Fonseca.
De toda forma, ele diz também que, frente às incertezas, optou por reduzir a exposição em papéis da categoria small caps, que são aqueles de menor capitalização e liquidez. Em dias de maior turbulência na Bolsa, são essas as ações que tendem a sofrer mais do que a média, diz o diretor de investimentos.
Em todo caso, ações com essas características, mas com perspectivas vistas ainda como bastante positivas, seguem no portfólio. Entre elas, estão as da Mills Solaris, de aluguel de plataformas de elevação utilizadas na construção civil, e da GPS, especializada no fornecimento de mão-de-obra terceirizada no setor de serviços.
“Para os próximos 12 meses, que é uma janela mais de curto prazo quando consideramos o investimento em ações, é muito difícil fazer qualquer previsão. Mas sob uma ótica de longo prazo, sabemos que o Brasil nunca vai virar uma Venezuela e tampouco os Estados Unidos”, diz Fonseca.