Nova Rota da Seda

Brasil e China: expansão de negócios pode atrair riscos diplomáticos

O Brasil cogita aderir à Nova Rota da Seda, negócio que pode atrair investimentos, mas também guarda efeitos nocivos para as relações do País

Foto: CanvaPro
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Novembro pode ser um mês decisivo para os cruzamentos comerciais entre o Brasil e a China. Em resposta ao BP Money, especialistas analisaram que a possibilidade de entrada do Brasil na Iniciativa Cinturão e Rota – conhecida como Nova Rota da Seda – pode trazer ganhos, mas também algumas consequências desagradáveis.

O presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sinalizou, em agosto, que o Brasil pode aderir à Nova Rota da Seda, que funciona como um megaprojeto de infraestrutura da China. O objetivo da Iniciativa é conectar diferentes regiões através de investimentos em infraestrutura, transporte e comércio.

Porém, Haroldo da Silva, membro do Conselho Regional de Economia de São Paulo (Corecon-SP), alertou para os setores que correm o risco de não somente serem afetados negativamente, como, se chegarem ao limite, serem inviabilizados pela adesão. É o caso da indústria têxtil e de automóveis, especialmente elétricos.

Os acordos comerciais entre a China e o Brasil, no momento, estão centrados no setor de commodities, sobretudo com compra e venda da soja, minério de ferro e petróleo. Isto garantiu ao Brasil, segundo Silva, saldos comerciais próximos a US$ 40 bi, nos últimos anos.

“Evidentemente que isto é importante, mas demonstra a nossa incapacidade de exportarmos bens e serviços com maior valor adicionado, como bens industrializados, por exemplo”, avaliou ele.

“A Nova Rota da Seda não deve mudar essa dinâmica [de comércio de commodities entre Brasil e China] e, provavelmente, vai aprofundar esta realidade”, afirmou.

Em paralelo a isso, André Vasconcellos, vice-presidente do Conselho de Administração do IBRI (Instituto Brasileiro de Relações com Investidores), reforçou que a participação do Brasil na Iniciativa traria oportunidades significativas para o comércio e desenvolvimento de infraestrutura, mas também exigiria cautela diplomática e econômica. 

“A entrada do Brasil na Nova Rota da Seda pode, de fato, gerar tensões com os EUA, que têm expressado preocupações com a influência crescente da China na América Latina. Isso pode colocar o Brasil em uma posição delicada de equilibrar suas relações com ambos os países”, esclareceu o executivo.

Uma extensão desse ponto, conforme o vice-presidente do IBRI, é o risco do Brasil se tornar muito dependente da China, e ver sua autonomia em questões econômicas e políticas limitada.

“Além disso, a economia chinesa está em um momento de desaceleração, o que levanta dúvidas sobre a sustentabilidade a longo prazo desses investimentos e o real benefício para o Brasil”, disse Vasconcellos.

“O Brasil precisaria garantir que qualquer acordo com a China seja equilibrado e não traga riscos financeiros ou comprometa sua independência em decisões de política externa”, prosseguiu.

Porta de investimentos pode se fechar para o Brasil 

O presidente chinês XI Jinping pretende visitar o País em novembro, pensando nisso, o governo Lula já trabalha no esboço de uma proposta para atrair os investimentos da nação parceira, porém em um modelo que mais adaptado às pretensões domésticas.

Leandro Manzoni, analista de economia do Investing.com, concorda com a linha de análise citada e entende que a entrada do Brasil na Nova Rota da China, a depender do acordo estabelecido, pode significar, além do espaço de geração de emprego, um problema no trato com outras nações.

“O maior risco do Brasil é realizar uma adesão à Rota da Seda fechando as portas para parcerias com outros países abundantes em capital, como os EUA, a União Europeia e o Japão”, disse ele.

Outra vertente a ser considerada é o enfraquecimento econômico que a China encara nos últimos tempos. O PIB (Produto Interno Bruto) chinês caiu a menos de 5% desde a pandemia de Covid-19, o que tem levado o governo a desenvolver uma série de estímulos econômicos.

Nesse cenário, os investimentos realizados no Brasil ficariam em segundo plano, segundo Manzoni, sem a possibilidade de o Brasil recorrer a outros parceiros para substituir os chineses.

“O quadro diplomático brasileiro é, no entanto, experiente e não faria uma adesão com fechamento de portas para outras parcerias. A tendência é que o Brasil mantenha diálogo com países do G7, dos EUA e da União Europeia, que também fizeram iniciativas semelhantes ao financiamento de obras de infraestrutura em países em desenvolvimento como respostas à Nova Rota da Seda da China”, avaliou.

Relação com os EUA

Os EUA e a China são, hoje, as duas maiores economias mundiais, com a hegemonia ainda em mãos norte-americanas. O momento político no país vizinho é delicado, às vésperas das eleições presidenciais, que também ocorrem em novembro, o vencedor – Donald Trump ou Kamala Harris – pode ditar uma mudança de tom na diplomacia e negócios brasileiros.

Na avaliação de André Vasconcellos, a intensificação dos laços comerciais e econômicos entre o Brasil e a China pode ser interpretada como um afastamento estratégico por Washington.

“Em termos práticos, essa expansão de negócios com a China pode levar a tensões diplomáticas, complicando negociações comerciais bilaterais e acordos estratégicos entre Brasil e EUA”, comentou.

Além disso, setores como o agronegócio, tecnologia e defesa nacionais, os quais têm fortes relações comerciais com os EUA, podem sofrer com restrições ou desvantagens comerciais, segundo Vasconcellos, caso os EUA reajam de forma mais protecionista ou adotem políticas de retaliação.

Porém, conforme indicou Manzoni, o governo ainda está dividido quanto à adesão à Nova Rota da Seda, com o Itamaraty não vendo necessidade, enquanto alguns ministros se mostram favoráveis. 

“É provável que o Itamaraty e o governo Lula encontrem um denominador comum entre as duas visões, levando o Brasil à adesão da iniciativa chinesa, porém com limitações”, disse.

Caso esse quadro se concretize, considerando o andamento político dos EUA, o risco maior é a vitória do republicano Donald Trump e sua volta como presidente norte-americano. 

“O populismo ideológico de Trump contra os chineses pode não dar margem de manobra para a diplomacia brasileira em maximizar os ganhos de disputa pela primazia das relações internacionais entre EUA e China. Ou seja, o mundo poderia se encaminhar para um quadro semelhante à Guerra Fria de zonas de influência rígida”, finalizou.