SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O presidente da Anfavea (associação das montadoras), Luiz Carlos Moraes, tem feito uma peregrinação por empresas e órgãos governamentais. Munido de uma centena de slides, mostra o estudo sobre descarbonização elaborado em parceria com a consultoria global BCG.
O objetivo é apresentar diferentes cenários para o transporte no Brasil, e as soluções passam por eletrificação e maior uso de biocombustíveis. Sem isso, além dos problemas ambientais, o país terá de lidar com a perda de investimentos por parte de empresas que seguem a agenda ESG (sigla em inglês para boas práticas ambientais, sociais e de governança).
PERGUNTA – Qual é a ideia da Anfavea ao apresentar propostas de descarbonização a diferentes entidades?
LUIZ CARLOS MORAES – Fizemos workshops com empresas de veículos leves e pesados, falamos com a Única [que representa o setor da cana-de-açúcar], ouvimos Petrobras, Raízen etc. Então resolvemos contratar a BCG para valorizar as informações e, a partir delas, definir os próximos passos. Vimos que o setor de transporte responde por 13% das emissões de CO2.
P. – Esse estudo foi mostrado para o governo?
LCM – Apresentamos para vários ministros, já mostrei para o Paulo Guedes, para o Ministério de Minas e Energia, para a Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Ainda será marcada a apresentação para o Ministério da Infraestrutura.
Não é porque não somos os maiores emissores que não iremos discutir esse tema. É uma preocupação verdadeira do nosso setor.
Até porque 13% é um número significativo.
Sim, e 91% dessa fatia vem do setor de transporte rodoviário. O nosso objetivo é encontrar formas para acelerar a descarbonização.
P. – É possível saber o que vai mover o carro brasileiro na próxima década?
LCM – Aí são as empresas que irão definir. A Anfavea ajuda as empresas a analisar as possibilidades de infraestrutura e investimento. A descarbonização vai depender também do regulatório, que pode, por si só, acelerar ou não esse processo.
Uma coisa é meta, outra coisa é incentivo, como oferecer 7.000 euros de bônus para a compra de um carro elétrico na Europa, ou [como ocorre em alguns estados no Brasil] dar isenção de IPVA. Depende do que o país adotar.
O critério de eficiência energética foi criado pelo Inovar-Auto. Temos metas a ser atingidas em 2022 e em 2027. Teremos de ter mais veículos elétricos e híbridos porque, eventualmente, não será possível atingir os resultados apenas com motores a combustão.
P. – Há uma preocupação de que surjam metas inatingíveis para a indústria?
LCM – O que vale é a média de emissões da frota. A montadora pode precisar, por exemplo, diminuir o volume de venda de um determinado modelo que consome mais mesmo que haja clientes interessados. Com o Inovar-Auto, se a empresa não atingir a média, paga multa.
Outro ponto é a etiquetagem do Inmetro, que tem o objetivo de informar ao consumidor que o carro A polui menos que o carro B.
Em termos de incentivos, temos algumas políticas. Há o RenovaBio, a discussão do novo mercado de gás e alguma coisa em termos de desconto de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). Já o IPVA depende dos estados, não é uma coisa estruturada.
Há muitos ensaios de regulamentação, mas parece faltar um modelo centralizado. Isso não gera ruídos?
O que a gente quer é sentar com o governo para construir uma política pública que leve à descarbonização em etapas, e que todos falem a mesma língua. O Brasil não tem objetivos definidos para os próximos 10 ou 15 anos.
A China, por exemplo, quer liderar a tecnologia de baterias dos carros elétricos, tem uma estratégia por trás.
A China quer se fortalecer como um polo exportador.
Sim. E olhe a Índia, eles têm problemas graves com infraestrutura urbana e segurança energética, mas também querem criar uma plataforma de exportações. Então percebemos que há planos, e há estímulos que os acompanham.
P. – Se o Brasil não se tornar um polo exportador de tecnologias limpas, é viável para as montadoras fazer qualquer tipo de investimento aqui?
LCM – A gente tem que pensar em como atender o mercado interno e se tornar um polo de exportação de tecnologia e de produto. Todos os fundos estão aumentando investimentos em ESG. Ou seja, o mercado financeiro vai forçar o investimento sustentável.
A Ambev, por exemplo, está disposta a pagar pelos caminhões elétricos, mesmo sendo muito mais caros. Eles têm uma política própria de ESG.
P. – Então a eletrificação chegou às empresas, embora ainda não tenha sido percebida pelo consumidor no varejo?
LCM – Isso logicamente vem pelas frotas, mas eu acho que é um processo. No setor de transporte, já há empresas que não querem que seus produtos sejam levados por veículos que não sejam “verdes”.
Está sendo uma transformação para nós. Haverá adaptação de fábricas, investimento em baterias, em biocombustíveis. Portanto é preciso ter um plano de 10 ou 15 anos para a gente se organizar e saber como falamos com as matrizes.
Temos matérias-primas para produzir baterias no Brasil. Somos o sétimo na extração de lítio, o terceiro em grafite e em manganês. Dá para se pensar de forma ambiciosa, porque os volumes poderão justificar, inclusive, a produção local de semicondutores.
Mas por que não temos visto mais anúncios de grandes investimentos de montadoras no Brasil?
A gente estava saindo de uma crise quando veio a pandemia, que ainda não terminou, e agora temos uma crise política. O nosso objetivo é criar um plano de trabalho com o governo que facilite o debate das empresas com as matrizes sobre onde por o dinheiro.
Estima-se que, em 2030, o custo total do veículo elétrico [inclui compra, manutenção, recarga etc.] será equivalente ao de modelos com motor a combustão em alguns segmentos. Se reduzir impostos , ou se aumentar a gasolina como ocorre agora, essa paridade pode ser antecipada.
P. – É uma conta dentro de uma faixa de preço muito elitizada, não?
LCM- Essa conta a gente faz todo o dia. Aquilo que é caro hoje pode não ser tão caro no futuro. O consumidor e o frotista farão essa conta mais cedo ou mais tarde. Isso vai mudar o processo de decisão das montadoras em acelerar ou não a oferta dessas tecnologias. Os dados da BCG mostram que o custo das baterias irá cair,e há a pressão dos clientes e dos investidores.
P. – Há investimentos para zerar emissões de veículos novos até 2035 em vários países. E no Brasil?
LCM – Separamos em diferentes cenários para veículos leves e pesados. A gente simulou que, em 2035, teremos um mercado de 4,1 milhões de unidades, considerando o crescimento do PIB e uma retomada gradativa. As regras vão obrigar as montadoras a eletrificar parte dos modelos novos que estarão à venda. E não dá para imaginar que iremos importar tudo. Nós temos que nos preparar.
Em um cenário de convergência global [em que 21% dos veículos novos vendidos no Brasil seriam 100% elétricos em 2035], o país precisaria de 154 mil carregadores, o que demandaria R$ 14 bilhões em investimentos.
Para rodar essa frota, será necessário o acréscimo de 1,5% no fornecimento de energia, o que demanda uma política pública de geração e distribuição. Quando isso acontecer, a frota total será de 62 milhões de veículos. E mesmo no cenário mais favorável à eletrificação, 71% dos carros em circulação serão flex.
P. – Faz sentido pensar em cenários futuros sem incluir a renovação da frota?
LCM – Hoje muitos consumidores têm um carro flex, mas não usam o etanol por diferentes motivos. Se aumentássemos em 15 pontos percentuais o uso desse combustível na frota toda, teríamos menos emissões, menor consumo de gasolina.
Se isso acontecer, a indústria do etanol vai precisar produzir mais 18 bilhões de litros, precisará ter mais área plantada. Com esse aumento do uso do etanol, conseguiremos reduzir as emissões do poço à roda, o que representa descarbonização. E poderia ser melhor, mas temos uma frota muito antiga.
Precisamos pensar em uma política que combine eletrificação, protagonismo dos biocombustíveis e redução da idade média da frota por meio de inspeção técnica veicular ou programa de renovação.
Mas essa iniciativa esbarra sempre em questões políticas.
É preciso mudar o raciocínio. O político tem que ajudar a criar políticas de redução de emissões, o como fazer é a ferramenta. É por isso que o político na Europa não fica discutindo se o bônus é de 3.000 euros, se vai ter isenção, porque isso é a ferramenta. O que eles estão falando é sobre redução de gases do efeito estufa.
P. – Onde queremos chegar?
LCM – Em um país que tenha emissão zero. Quais são as ferramentas para isso? Criar atrativos, ter um sistema tributário mais equilibrado, promover o protagonismo da indústria de biocombustíveis, criar infraestrutura para eletrificação e inspeção técnica veicular.
Mas não é enfiar a faca no pescoço do cidadão, que não tem culpa, dizendo que ele terá de entregar seu carro. É necessário um programa de conscientização, criar um ambiente com o objetivo de reduzir ainda mais as emissões.
P. – Mas como oferecer alternativas para que as pessoas não fiquem sem o veículo?
LCM – Esse é o desafio, mas temos que ver aonde queremos chegar.
P. – As montadoras estariam dispostas a abrir mão de rentabilidade para isso?
LCM – Vamos ter que trabalhar com isso, pois a competição está aí, faz parte do jogo.