Brasil recebe fórum internacional sobre empreendedorismo de impacto

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Neste ano, o Global Social Business Summit, principal evento internacional sobre negócios sociais, realiza pela primeira vez um fórum brasileiro.
Organizado pela Yunus Negócios Sociais, fundada por Muhammad Yunus, prêmio Nobel da Paz em 2006, o fórum ocorre nesta terça (9), a partir de 13h45, em programação online e aberta a todos os interessados (veja neste link)
Negócios de impacto social e ambiental são aqueles que têm como missão transformar para melhor a sociedade ou o ambiente enquanto geram lucro. No Brasil, eles são 1.272, de acordo com a edição 2021 do Mapa de Negócios de Impacto Socioambiental, realizado pela plataforma Pipe.Social.
São pequenas e médias empresas que, segundo Tulio Notini, 35, diretor de Corporate da Yunus Negócios Sociais, começam a chamar a atenção de grandes corporações que precisam cumprir metas ESG (sigla para ambiental, social e governança).
“Esses parceiros passaram a ser estratégicos para a execução de metas e transformação das corporações”, afirma o especialista da Yunus, entidade que investe em negócios sociais e cria estratégias de inovação social.
A Yunus acelera pequenos empreendimentos de impacto que tenham interesse para a cadeia produtiva dos grandes conglomerados com quem realiza projetos, como Itaú, Ambev e Neo Química. “É como se organizássemos uma aceleração para escolher novos fornecedores para os grandes”, diz.
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Pergunta – Quando se fala em empreendedorismo social, há temas que estão mais no radar?
Tulio Notini – No Brasil, a gente tem a cultura de empreender, de inovar, de sobreviver com soluções criativas. Quando os desafios são muito grandes, abre-se um espaço de oportunidades.
Dito isso, saúde e educação continuam tendo mais casos de empreendedorismo. Mas também cresce toda a parte de economia verde, economia circular, gestão de resíduos e de carbono, Amazônia, bioeconomia.
E existe uma potência muito grande nos negócios de periferia, que estão sendo empreendidos por quem está próximo do problema. Os temas são diversos: moradia, saneamento, tratamento de saúde e educação. São empreendedores que vivem o problema e criam soluções para ele.

Por que desenvolver projetos de impacto socioambiental junto a grandes corporações?
TN – A gente já vinha há algum tempo trabalhando diretamente com o empreendedor social, mas chegou uma hora que a gente falou: “Não vai adiantar se não houver escala de mudança. Como eu posso continuar trabalhando com o pequeno e criando mais e mais negócios se, do outro lado, eu tenho as grandes empresas praticamente revertendo tudo o que estamos fazendo?”. Foi aí que decidimos nos voltar para as corporações maiores.
Todas as empresas grandes, mesmo as multinacionais, nasceram para resolver um problema social ou ambiental. Só que, com o tempo, elas se dissociaram disso, porque entrou o imperativo da maximização do lucro.

As grandes empresas procuram pequenos negócios para executar políticas de impacto que elas ainda não sabem fazer?
TN – Bastante. Principalmente nos dois últimos anos, com tudo o que vem acontecendo, os temas social e ambiental ganharam muita importância. Agora, os pequenos terão cada vez mais oportunidades, porque o impacto virou pauta de negócio, existe demanda comercial no mundo.
Esses parceiros passaram a ser estratégicos para a execução de metas e transformação das corporações. Eu tenho visto muitas novas parcerias entre grandes empresas e negócios de impacto. Há mais investimentos, fusões, empresas grandes comprando esse tipo de negócio.
Existem casos de negócios de quatro ou cinco pessoas que fazem consultoria de diversidade, por exemplo, dentro das empresas. Essas demandas estão vindo e há grandes fornecedores entre os pequenos e médios que podem ajudar as corporações a se transformarem.
Daqui a pouco as corporações vão comparar: “Eu compro de um negócio tradicional ou de um negócio de impacto, que está perto de mim, dentro de uma comunidade, e que eu posso ajudar a crescer por meio dessa parceria?”. Esses critérios também estão sendo utilizados agora.
Estou falando de empresas, mas isso também vale para o poder público, que é um grande comprador. Poucos desses negócios conseguem vender para governos.

Como é o trabalho da Yunus com os pequenos negócios de impacto?
TN – Na nossa área de Investimento, o foco recai sobre empresas médias de impacto, até por uma questão de sustentabilidade do próprio fundo de investimento.Ainda que a empresa precise pagar o capital investido nela, nosso fundo não preza a maximização do retorno financeiro. O olhar é de preservação do valor original para que ele possa ser reinvestido em outros negócios de impacto.
Já na área que eu coordeno, a de Corporate, há empresas de diferentes perfis. A gente já fez até um projeto que foi acelerar negócios de periferia. Dentro das acelerações, existe liberdade para trazer empreendimentos que ainda estão em fase de experimentação, de início de vendas ou começando a sentir as dores do crescimento. O que a gente nunca trabalha é com negócios em fase de ideação.

Como os empreendedores podem ter acesso às acelerações?
TN – Atualmente, a gente traz uma grande corporação para criar um processo conjunto de aceleração. E escolhe negócios de impacto que se conectem com o business dela, para que possam se tornar seus fornecedores.
Todos os programas desse tipo são abertos e muito divulgados em nossas redes sociais. São processos seletivos que abrimos para todos e vamos fazendo as conexões de acordo com os temas buscados pelas empresas.
É praticamente como criar uma aceleração para buscar novos fornecedores. A gente sabe que esse é um lugar de mais potencial para os dois lados e ele transforma mais.
Porque não basta a corporação trocar o brinde de fim de ano por um brinde verde. A gente quer que ela compre de um empreendimento de impacto o café que ela vende, a madeira que ela usa na fabricação dos móveis da marca.

Por que as dificuldades para os pequenos negócios de impacto são tão grandes? Isso é uma particularidade do Brasil?
TN – Sem dúvida nenhuma. Não só os negócios de impacto, mas todos sofrem dificuldades para se estruturar no Brasil por causa da carga tributária.
Não existe lei, incentivo especial ou linha de investimento público para negócios de impacto, que crescem num ritmo diferente, que não é o de uma startup. A paciência do empreendedor e de quem vem para aproximar e investir tem de ser diferente, porque o tempo de retorno é diferente.
Se é um negócio que tem um potencial de sustentabilidade financeira e vai ter benefício para a sociedade, por que não criar um instrumento financeiro, mais competitivo, com juros mais baixos, e voltado para ele?
Será que governos municipais, estaduais e federal não deveriam entrar, dar um benefício fiscal? Afinal, esses negócios exercem algo que os próprios governos deveriam fazer. É quase um investimento superinteligente. “Se eu investir aqui, esses negócios vão me ajudar a garantir uma sociedade melhor” ? esse deveria ser o papel primordial do poder público.

A iniciativa privada tem condições de dar um apoio assim?
TN – Eu entendo não haver estruturas privadas fazendo isso porque é difícil de colocar de pé em termos de sustentabilidade financeira. Daí a sugestão de o poder público ocupar esse espaço com linhas de investimento.
Ainda que trabalhe prioritariamente com empresas grandes, o BNDES vem se movimentando cada vez mais para esse lugar. Neste ano, o BNDES Garagem, programa de fomento ao empreendedorismo, é exclusivo para negócios de impacto. É uma maturidade nova.

Há países com legislação de incentivo ao empreendedorismo social?
TN – Na França sim, mas a Yunus não tem operação lá. Nos países em que opera ?Colômbia, Índia e Uganda, entre outros?, não há leis que tipifiquem negócios de impacto, nenhuma lei que garanta, por exemplo, o pagamento de menos impostos.
O Muhammad Yunus diz que os negócios de impacto social não deveriam ter nenhum tipo de benefício fiscal, mas outros tipos de apoio, sim. Eles deveriam entrar como uma empresa qualquer para mostrar que podem ser tão bem-sucedidos quanto outros.
Se você cria um ecossistema de apoio, que é acesso a capital competitivo, apoio do governo, apoio de empresas, acesso a clientes, você assegura a existência desses negócios e a sua evolução sem benefícios fiscais.

Mas, numa situação como a nossa, no Brasil, isso não é muito idealista?
TN – Sim, super! No ano passado, existiu uma grande mobilização da Yunus e de vários parceiros na Covid Aliance, com o Fórum Econômico Mundial. A gente, que vinha lutando pelo investimento nos negócios de impacto, percebeu que essa pauta iria regredir muitos anos se não recebesse apoio. Porque, se esses negócios quebram, para que voltem é muito mais difícil. E o Mapa da Pipe mostra que 6% quebraram.

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