O governo Jair Bolsonaro tenta se associar a um centro de defesa cibernética ligado à Otan. A aliança militar liderada pelos EUA está no centro dos motivos alegados pela Rússia para a guerra na Ucrânia.
No ano passado, o Brasil instruiu suas embaixadas em países-membros do CCDCOE (Centro de Excelência de Defesa Cibernética Cooperativa, na sigla em inglês) a consultar os respectivos governos anfitriões se uma candidatura do Brasil seria bem aceita.
De acordo com interlocutores do Itamaraty, embora tenha recebido algumas respostas positivas de nações vistas como centrais na organização, a totalidade dos integrantes plenos ainda não respondeu aos acenos brasileiros. Especialistas ouvidos pela reportagem disseram, sob condição de anonimato, que a demora de alguns membros em enviar uma resposta mostra resistência ao pleito. Mas integrantes do governo envolvidos nas tratativas negam que exista oposição a uma possível candidatura do país.
É preciso unanimidade dos sócios plenos do centro para que um país possa ingressar. O órgão foi criado em 2008 e tem sede em Tallinn, na Estônia. Além de acreditação da Otan, o centro tem status de organização militar internacional. O estabelecimento de uma estrutura voltada para a defesa cibernética no âmbito da Otan ganhou força após ataques a organizações públicas e bancos estonianos, em 2007. À época, autoridades do país chegaram a sugerir que a Rússia pudesse estar por trás dos ataques.
Por não ser membro da Otan, o Brasil poderia se associar ao centro na qualidade de “contributing partner” –ou parceiro colaborador, mesmo status conferido a parceiros como Finlândia, Suécia e Coreia do Sul. A associação plena ao centro de defesa cibernética só é permitida a países que integram a aliança militar.
Um dos principais interesses brasileiros com o movimento é ganhar amplo acesso aos exercícios de defesa cibernética, entre os quais o Locked Shields (escudos fechados). Os treinamentos simulam ataques hackers contra infraestruturas críticas de um país e permitem a capacitação de pessoal especializado em estratégias de defesa e contra-ataque em ambiente digital.
Hoje, o Brasil só tem acesso a esses treinamentos se convidado por um membro do CCDCOE –o que, no caso do Locked Shields, ocorreu no passado por iniciativa de Portugal e Espanha.
No governo, existe a avaliação de que o país ainda está aquém das capacidades de segurança informática necessárias no mundo atual. A brecha não existe apenas na comparação com potências como EUA, Rússia e China, mas também em relação a europeus. Por isso, militares brasileiros que atuam no tema passaram a defender a busca de centros de excelência no exterior. Atualmente, o Exército mantém um centro de defesa cibernética no país.
O tema ganhou ainda mais relevância com a eclosão do conflito na Ucrânia, uma vez que os embates no front são acompanhados por elementos da chamada guerra híbrida: ofensivas hackers e de desinformação empreendidas contra adversários.
Entre os membros do centro de defesa cibernética da Otan estão EUA, Reino Unido, Bélgica, Itália, França, Alemanha e Turquia. Uma resistência de integrantes plenos da associação não é o único obstáculo a uma eventual candidatura do Brasil. Interlocutores disseram à reportagem que, com o quadro atual do Leste Europeu, a oficialização de uma candidatura só deve ocorrer após uma nova análise política.
Isso porque a ligação do país a uma estrutura credenciada pela Otan poderia sinalizar apoio à aliança militar na confrontação –rompendo a posição de independência que Bolsonaro tem argumentado manter, apesar de votos contrários a Moscou no âmbito das Nações Unidas.
O conflito armado já mostrou reflexos nos trabalhos do centro. No início de março, a organização anunciou que a Ucrânia seria aceita na qualidade de parceiro colaborador.
Questionado sobre as ambições do Brasil, o Itamaraty afirmou que o interesse numa associação ao centro da Otan ainda está em avaliação pelo governo. A chancelaria ressaltou, porém, que a associação ao CCDCOE possibilitaria “capacitação institucional, ao diversificar a interação com paises de referência na materia e reforçar a presença em foruns sobre a paz e segurança internacionais no espaco cibernetico”.
“Atualmente, o Brasil participa de exercícios como o Locked Shields a convite de parceiros. Caso se torne um associado, o país poderá participar desse exercício de forma independente. O centro oferece, ainda, diversos cursos, vários deles exclusivos para os associados”, afirmou a pasta.
“[O CCDCOE] é referência global e interdisciplinar em defesa cibernética, dedicada a pesquisa, treinamento e exercícios nas vertentes de tecnologia, estratégia, operações e legislação.”