Os movimentos de vai e vem no tarifaço de Donald Trump tem afetado todos os mercados globais e gerado incertezas que dificultam ter previsões claras quanto às novas rotas possíveis no comércio mundial e como devem ficar as principais econômicas. Nesse sentido, analistas têm apostado em novas janelas para o agronegócio e o mercado de carnes brasileiro, com relação à China.
Desde que o presidente dos EUA decidiu impor o que ele chamou de “tarifas recíprocas” aos seus parceiros comerciais na semana passada, todos os setores da Bolsa têm sofrido perdas. No entanto, as ações de frigoríficos do Ibovespa seguem bem posicionadas. Nos últimos 5 dias, a JBS (JBSS3) ganhou 1,46%, a Marfrig (MRFG3) subiu 8,26% e a BRF (BRFS3) valorizou 5,58%.
Após troca de taxações, agora as tarifas dos EUA para os produtos chineses chegaram a 145%, enquanto o governo de Xi Jinping retaliou com tarifas de 84% sobre os itens norte-americanos.
Na avaliação de Caio Bartine é Bacharel em economia, Dr. em direito e professor, essa guerra comercial pode, por um lado, pressionar os custos de produção na China, e por outro lado, realinhar as rotas de comércio global, abrindo oportunidades para outros países como fornecedores.
Enquanto isso, Ronaldo Félix, especialista em comércio exterior e sócio da Saygo Comex, acompanhou a análise, acrescentando que a China pode sofrer com inflação e redução de consumo, ao passo que exportadores norte-americanos de carne podem perder espaço no mercado chinês.
“No caso específico das carnes brasileiras, há uma janela de oportunidade. Com a escalada das tarifas, a China pode reduzir suas compras de produtos agropecuários dos EUA, ampliando sua demanda por carnes bovinas, suínas e de frango do Brasil”, disse Bartine.
Porém, o professor Bartine chamou atenção de que o acesso aos mercados asiáticos dependerá da diplomacia comercial brasileira e da manutenção de padrões sanitários rigorosos.
No lado negativo, Félix alertou que essa operação também pode gerar riscos, como uma queda na demanda chinesa, em caso de desaceleração econômica, dependência excessiva do mercado chinês e possível avanço da concorrência global.
“Outro risco importante é o aumento das exportações chinesas para o Brasil. Com menos acesso ao mercado americano, a China pode buscar escoar seus excedentes produtivos para países com os quais mantém laços comerciais fortes — e o Brasil, altamente dependente das importações chinesas, é um candidato óbvio”, afirmou.
“Diante desse cenário, o governo brasileiro pode se ver em uma posição delicada: aplicar tarifas protecionistas para proteger o mercado interno significaria arriscar a retaliação da China e comprometer as exportações brasileiras, sobretudo do agronegócio”, prosseguiu.
Como ficam as carnes no mercado interno?
O mercado de alimentos brasileiros já têm a tendência de priorizar a exportações à comercialização interna de seus produtos, por isso, com os desdobramentos da guerra comercial, se o Brasil de fato fortalecer os negócios com a China nesse setor, Ronaldo Félix esclareceu que a oferta das carnes tende a cair e pressionar os preços para os consumidores brasileiros.
“A alta pode afetar o consumo doméstico e gerar desconforto político, levando o governo a cogitar medidas restritivas”, afirmou.
Sendo assim, apesar do ambiente mais apertado para os brasileiros, as empresas de frigoríficos listadas na B3, sobretudo as grande como a JBS, Marfrig e BRF, se verão em um quadro mais benéfico, visto que suas receitas se relacionam mais às demandas externas, explicou Caio Bartine.
“A tendência, em curto e médio prazo, é de valorização das ações desses frigoríficos, especialmente se forem confirmados novos contratos de exportação ou reabertura de plantas para o mercado asiático”, completou.
Porém, apesar de seguir o mesmo raciocínio, Félix ressaltou que a volatilidade global, as possíveis intervenções políticas e as críticas sociais podem surgir como riscos para essas empresas, afetando também suas imagens no mercado.
Agronegócio
As carnes não são os únicos produtos com oportunidades de ganhos frente a uma guerra comercial entre os EUA e a China. Para o agronegócio como um todo as perspectivas são positivas nesse sentido, e um bom exemplo para tal é a soja. Conforme análise de Carlos Braga Monteiro, CEO do Grupo Studio, as tarifas adicionais da China aos produtos agrícolas norte-americanos lançam o Brasil como um fornecedor preferencial.
“Isso ocorre justamente em um momento de safra robusta e produtividade elevada. A China, maior compradora mundial de soja, deverá deslocar grande parte da sua demanda para o mercado brasileiro, o que pode impulsionar tanto o volume quanto os preços das exportações”, disse Monteiro.
Mas assim como no caso das carnes, esse movimento pode ter efeitos inflacionários no mercado brasileiro, mas também, como alertou o CEO do Grupo Studio, intensifica a competição por infraestrutura logística, o que exigiria um maior planejamento do setor público e privado para não comprometer o abastecimento doméstico.
Paralelamente, na Bolsa brasileira – empresas diretamente ligadas ao agro, como a SLC Agrícola, devem protagonizar o rearranjo do comércio global, devido ao seu portfólio diversificado de grãos e foco em exportação, segundo Monteiro.
“A empresa, inclusive, já sinalizou otimismo com o cenário, destacando oportunidades para ampliação de mercado e ganhos de competitividade. Em termos de Bolsa, esse reposicionamento global pode se traduzir em maior valorização dos papéis da companhia, especialmente se a empresa mantiver margens saudáveis e expandir sua capacidade operacional”, reforçou.
Mas o radar dos agentes financeiros e dos investidores devem estar captando também a performance de outros índices relevantes, como o câmbio, além de variáveis relevantes como a política externa e a infraestrutura logística.