BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS) – O episódio de um homem negro que foi obrigado a tirar a roupa dentro de uma unidade do supermercado Assaí para provar que não estava furtando nenhum produto mostra que a conversa sobre ESG ainda está longe de ser colocada em prática, avaliam analistas.
A companhia faz parte da carteira do ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial) da Bolsa, que reúne empresas com boa reputação em aspectos ambientais, sociais e de governança. Segundo especialistas, o caso de violência a um homem negro revela que o assunto precisa ser levado mais a sério, e que as organizações devem investir mais em treinamento e formação de seus profissionais.
O episódio aconteceu na última sexta-feira (7), numa unidade do Assaí Atacadista em Limeira (SP). Luiz Carlos da Silva estava saindo da loja quando foi acusado por um segurança da unidade de ter furtado produtos. Cercado por uma equipe de funcionários, ele foi obrigado a tirar a blusa de frio para provar que não havia nenhuma mercadoria escondida embaixo da roupa.
Segundo o advogado da vítima, Silva ficou assustado com a situação, mas se dispôs a tirar o casaco. No entanto, o funcionário continuou suspeitando e pediu para ele também tirar a camiseta.
“Nesse momento, ele começou a chorar, ficou em estado de choque e, como os seguranças ainda estavam desconfiando, ele mesmo tirou a calça e ficou só de cueca”, afirma o advogado Diego Souza.
Após o ocorrido, foi registrado um boletim de ocorrência na Polícia Civil por constrangimento ilegal. Segundo o advogado, ainda não há elementos para dizer que foi praticado racismo ou injúria racial, mas que um inquérito policial deve apurar se outros crimes foram cometidos.
Em nota, o Assaí disse ter aberto um processo interno de apuração e afirmou que o funcionário responsável pela abordagem foi demitido nesta segunda (9).
Para Alexandre Garcia, professor e pró-reitor da Fecap (Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado), episódios como esse mostram que o ESG está longe de ser levado a sério e colocado em prática.
“O caso evidencia que o assunto ESG está andando mais rápido do que a atitude das empresas de disseminar, treinar e conscientizar [seus funcionários]. Ainda mais em grandes companhias, como é o caso do Assaí. Tem que ser mais rápido”, afirma.
Segundo ele, o debate sobre discriminação racial e práticas antirracistas também precisa chegar aos níveis operacionais das organizações. “Não é só o executivo que tem que saber o código de ética. Isso tem que ser disseminado para todos os funcionários”, diz.
É o que também pensa Gilberto Costa, diretor do Pacto pela Equidade Racial, iniciativa que procura trazer o mundo corporativo para o debate sobre o tema.
Costa disse não ter se aprofundado no caso do Assaí e que não gostaria de comentar o evento isoladamente. No entanto, ele lembra que esse não é o primeiro episódio de violência dentro de um supermercado envolvendo um homem negro.
Em 2020, João Alberto Silveira Freitas foi espancado e morto na véspera do Dia da Consciência Negra por dois seguranças de uma loja do Carrefour, em Porto Alegre.
Na visão do diretor, esses casos ressaltam a importância das empresas investirem na formação de seus prestadores de serviço, sejam eles contratados ou terceirizados. No Assaí, os seguranças que abordaram Luiz da Silva eram todos contratados.
“Pessoas que prestam qualquer tipo de serviço que lida com o público precisam ter uma desconstrução daquilo que elas entendem como sendo correto do ponto de vista racial, para ter uma reconstrução. Você tem que desconstruir para depois construir”, diz.
Gilberto Costa afirma que o episódio não indica, necessariamente, que as discussões sobre equidade racial e ESG são apenas estratégias de marketing.
“O que eu entendo é que essas ações vão demorar um tempo para surtir efeito. Mudar o mindset das empresas e das pessoas não é uma coisa de hoje para amanhã. Tem que investir muito recurso em treinamento, em políticas claras de combate a qualquer tipo de discriminação ou atitude racista”, afirma.
O Assaí Atacadista disponibiliza, em seu site, uma cartilha onde detalha sua política de direitos humanos. No documento, a empresa afirma que “diversidade e inclusão são valores, compromissos e alavancas de desempenho e inovação socioeconômica essenciais em um negócio que tem o(a) cliente como foco.”
A companhia também diz realizar treinamentos e sensibilizações para seus funcionários, com objetivo de erradicar comportamentos não aceitáveis relacionados a questões de gênero, discriminação racial e outras temáticas relevantes.
Até o momento desta publicação, o Assaí não havia respondido os questionamentos da reportagem sobre a última vez que promoveu um treinamento na unidade de Limeira, nem se a empresa pretende rever suas políticas de discriminação após o caso ou se o episódio impacta o discurso ESG da companhia.
A B3, Bolsa de Valores do Brasil, afirmou que está acompanhando o caso e solicitará esclarecimentos à empresa, conforme metodologia de avaliação do Índice de Sustentabilidade Empresarial.