SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Desde que o 5G tornou-se uma das peças centrais da Guerra Fria 2.0 entre Estados Unidos e China, a partir de 2017, o Brasil foi visto como um dos mais atrativos campos de batalha entre as empresas ocidentais e a gigante Huawei.
Até aqui, a pressão norte-americana vinha fazendo bastante efeito, tendo retirado a competidora chinesa de mercados vitais na Europa, como no Reino Unido, e entre aliados de Washington como a Austrália.
É uma briga peculiar, dado que os EUA não têm empresas com a capacitação tecnológica da Huawei no 5G, muito menos ofertando soluções de rede mais acessíveis como os chineses. Assim, o apoio americano foi para fabricantes europeus, como a sueca Ericsson e a finlandesa Nokia.
A Guerra Fria 2.0 foi um conjunto de ações, em frentes que vão de guerra comercial à autonomia de Hong Kong, passando por tensão bélica no mar do Sul da China e Taiwan, disparado pelo governo de Donald Trump como reação à assertividade crescente do líder Xi Jinping.
No cardápio, estava o 5G. O motivo é simples: além do poderio econômico óbvio de quem detiver a maior fatia do mercado da chamada internet das coisas, há considerações de segurança nacional.
No futuro, as altas velocidades associadas à nova tecnologia serão centrais não só para integrar sua geladeira inteligente à TV, mas também em diversas aplicações militares. De drones a sistemas de comunicação no campo de batalha.
Claro, é possível blindar tudo em sistemas próprios, mas isso tira flexibilidade -inclusive na hora de tentar influir nas redes dos inimigos. E há a questão vocalizada pelos EUA, a segurança de dados.
Toda e qualquer rede pode incluir desvios que permitam espionagem. A questão é que a acusação americana, de que isso é padrão nos serviços da Huawei, nunca foi comprovada de fato. Se parece lógico que Pequim teria interesse em informações vitais de governos aliados aos EUA, cumpre lembrar que ela não está sozinha.
Afinal, foi Washington que grampeou líderes mundiais, Dilma Rousseff (PT) inclusa, no grande escândalo operado pela Agência de Segurança Nacional em 2011. E são os americanos que comandam a rede Five Eyes, que os une a Japão, Austrália, Reino Unido e Nova Zelândia numa grande operação de vigilância mundial.
Chineses e russos, esses particularmente com má fama devido ao fato de que Vladimir Putin é o vilão predileto no Ocidente, fazem o mesmo. Mas não se tem notícia, até aqui, de uma instrumentalização das redes ofertadas pela Huawei.
Seja como for, o governo brasileiro comprou a ideia da insegurança asiática, baseado principalmente nas leituras algo paranoicas da sua área militar. Enquanto Trump, o ídolo ideológico de Jair Bolsonaro, estava no poder, parecia líquida a exclusão dos chineses.
Mesmo a chegada de Biden ao poder, em janeiro deste ano, não mudou as coisas: o democrata tem sido ainda mais duro no trato com a ditadura comunista do que seu antecessor. Mas a tal realidade de mercado se impôs.
Como as redes de 3G e de 4G no Brasil são inundadas de componentes da Huawei, excluir a chinesa implicaria um cronograma economicamente inexequível de substituição global. No Reino Unido, uma solução semelhante virou uma dor de cabeça para operadoras.
Assim, o homem do centrão à frente do leilão brasileiro, o ministro Fábio Faria (Comunicações), sacou uma solução salomônica também inspirada numa decisão depois abandonada pelos britânicos: o fatiamento de uma rede privativa do governo, para a qual a Huawei não poderia fornecer equipamentos.
Com essa vitória por pontos, dado que o filé comercial a ser explorado não é o serviço governamental, os chineses têm caminho aberto para se manterem como atores centrais no setor no país. Mas os EUA conseguiram ao menos manter o carimbo de que a Huawei não serve para lidar com dados sigilosos.
Para Bolsonaro e seu entorno, que seguem mais trumpistas do que qualquer republicano nos EUA, supõe-se uma decepção. O presidente e seus filhos são pródigos em arrumar confusão com a diplomacia chinesa, que, de tempos em tempos, lembra ao Brasil que o país asiático é seu maior parceiro comercial.