SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A decisão do ex-ministro Ciro Gomes (PDT) de suspender sua candidatura à Presidência em 2022 para pressionar deputados federais de seu partido que votaram a favor da PEC dos Precatórios expôs dificuldades enfrentadas por ele, inclusive em sua legenda, para se cacifar na disputa.
Ciro anunciou nesta quinta-feira (4) que deixará sua pré-candidatura em suspenso até que parlamentares do partido na Câmara reavaliem sua posição. Na quarta (3), por orientação do líder da bancada, 15 dos 24 deputados da sigla deram aval à proposta do governo Jair Bolsonaro (sem partido).
Crítico da PEC, o presidenciável fez o movimento em um esforço para neutralizar as críticas à participação decisiva do PDT na aprovação da medida em primeiro turno na Casa, além de buscar unidade na legenda em torno de sua candidatura e alinhamento dos pares com seu projeto político.
Ciro afirmou, ao fazer o comunicado em uma rede social, que “a decisão de parte substantiva da bancada do PDT de apoiar a famigerada PEC dos Precatórios” é um daqueles momentos em que a vida “nos traz surpresas fortemente negativas e nos coloca graves desafios”.
A dissonância com os deputados deu fôlego a ataques de adversários, que veem o pré-candidato isolado politicamente na corrida ao Planalto, hoje liderada por Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Embora Ciro tenha melhor posição entre os candidatos da chamada terceira via –marcou 9% no mais recente Datafolha, de setembro–, a estagnação nas pesquisas deixa evidente o pouco espaço para crescimento diante da polarização entre Lula e Bolsonaro.
Outros reveses se somam, como a multiplicação de candidatos ditos de centro, a desarticulação de palanques nos estados e o entusiasmo de forças à direita –que o pedetista sonda para compor alianças– com outros pré-candidatos tidos como mais próximos do ideário liberal na economia.
Já aliados de Ciro procuraram ressoar a mensagem de que o ex-ministro tornou pública a ameaça de desistência com o objetivo de levantar um debate mais aprofundado sobre a PEC. O clima no partido, segundo membros, indica continuidade da pré-campanha.
Segundo os ciristas, a medida é um recado claro aos correligionários de que seu projeto eleitoral não pode comportar gestos de apoio ao governo Bolsonaro, ao qual o PDT diz fazer oposição.
Em conversas reservadas, integrantes da sigla admitem que a atuação determinante de deputados pedetistas na aprovação da PEC tem potencial para causar estrago na campanha de 2022, mas dizem que Ciro acertou ao optar por fazer pressão declarada.
Na série de postagens no Twitter em que cobrou uma reavaliação da posição da bancada, o pedetista condicionou um recuo na suspensão ao voto contrário dos deputados do PDT na votação em segundo turno da PEC, que está prevista para a próxima terça-feira (9).
“Não podemos compactuar com a farsa e os erros bolsonaristas. Justiça social e defesa dos mais pobres não podem ser confundidas com corrupção, clientelismo grosseiro, erros administrativos graves, desvios de verbas, calotes, quebra de contratos e com abalos ao arcabouço constitucional”, escreveu.
A explicação dada pelos favoráveis à PEC foi na linha do discurso de “redução de danos”, ou seja, de que a viabilização do valor de R$ 400 para o Auxílio Brasil seria justificativa para dar sim ao projeto do governo, que permite a expansão de gastos públicos, ao driblar o teto de gastos.
Nos bastidores, a promessa de liberação de emendas parlamentares, que favorecem a relação dos deputados com suas bases às vésperas das eleições de 2022, pesou na decisão de muitos deputados. Os acordos foram costurados pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Parlamentares, filiados e assessores do PDT ouvidos pela reportagem afirmaram acreditar em mudança de rumo da sigla no segundo turno. Ao menos um parlamentar, Félix Mendonça Júnior (BA), já admitiu rever sua posição. O líder da bancada, Wolney Queiroz (PE), não foi localizado pela reportagem.
O presidente nacional do partido, Carlos Lupi, disse à coluna Painel, da Folha de S.Paulo, que Ciro não sabia do acordo da bancada do partido para apoiar a PEC dos Precatórios e que agora está ligando “de um a um” para os deputados na intenção de reverter o quadro.
Nesta quinta, Lupi acionou o STF (Supremo Tribunal Federal) contra o ato de Lira que autorizou a votação remota de parlamentares para garantir o quórum na análise da PEC.
Ainda segundo a coluna Painel, deputados do PDT afirmaram que a cúpula do partido e a família Gomes sabiam da negociação e classificaram como reação desproporcional a suspensão da pré-candidatura.
A recomendação de voto favorável foi repassada aos deputados na noite desta quarta. Ciro sofreu críticas por não ter interferido no curso dos acontecimentos e dissuadido colegas de sigla, mas seus aliados dizem que a orientação em Brasília foi feita em cima da hora e não houve tempo hábil.
A atitude do pré-candidato foi saudada pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), outro presidenciável da terceira via, no Twitter. Parlamentares contrários à PEC também comemoraram a pressão do pedetista para virar votos.
Na leitura de deputados de outras legendas, mais do que provocar uma mudança imediata no cenário eleitoral, a ação de Ciro pode impactar a votação da PEC. Mas há também quem veja uma tentativa de desistir da candidatura e sair por cima e quem avalie que Ciro criou uma armadilha para si, sobretudo se a maioria do PDT mantiver o voto a favor da medida no segundo turno.
“A bancada do PDT surpreendeu a todos. Ciro vai atuar para tentar unir o partido, tentar influenciar a bancada. Não me parece um blefe ou uma justificativa para retirar a candidatura. É sustentar a posição contrária a uma manobra eleitoreira de Bolsonaro”, afirma o deputado federal Orlando Silva (PC do B-SP)
Embora os partidos de outros presidenciáveis da terceira via, como PSDB, PSD e Podemos, também tenham votado em sua maioria a favor de Bolsonaro, parlamentares apontam que a ação de Ciro ajudou a centrar a crise no PDT.
“Não acho que Ciro está errado de endurecer. Foi um ato de responsabilidade, uma contribuição, um movimento de pressão interna para que haja um recálculo da rota em benefício do país”, opina o deputado federal Júnior Bozzella (União Brasil-SP), que é contrário à PEC.
Bozzella, no entanto, diz não acreditar em uma desistência de Ciro e o vê “muito convicto” de sua candidatura ao Planalto. O deputado, porém, afirma que a terceira via está congestionada e que a chegada de Sergio Moro (que se filiará ao Podemos) muda o quadro.
O secretário de comunicação do PT, Jilmar Tatto, diz que a inviabilidade eleitoral da terceira via faz Ciro agora buscar uma saída honrosa e aponta que o ex-ministro não fez a mesma ameaça quando a bancada do PDT contrariou o partido em outras ocasiões.
“Ciro está tentando sair porque a candidatura dele não decolou. É o Ciro sendo Ciro, fazendo movimentos erráticos e que ninguém confia. Não tem nada a ver com a votação da PEC. O PDT está dividido entre Lula e Bolsonaro”, diz. “Mas, se ele retirar a candidatura, sai da vida pública”, pondera Tatto.
A opinião, contudo, não é unânime no PT. Parte dos parlamentares petistas vê a questão como uma queda de braço doméstica do PDT, e não como um pretexto sobre o futuro eleitoral de Ciro.
Ruídos internos no PDT já apareceram antes, com sinalizações de parlamentares às bases de Lula e até de Bolsonaro, guiados por interesses regionais. A nova rebelião fez surgirem comparações com o episódio Tabata Amaral (SP) na reforma da Previdência, que culminou na desfiliação da deputada, hoje no PSB.
Os embates do pré-candidato com Lula, acentuados desde que ele passou a ter como marqueteiro João Santana (publicitário responsável por campanhas vitoriosas do PT), desagradam a parte dos pedetistas. O deputado federal Túlio Gadêlha (PDT-PE) é um dos que discordam da estratégia de ataque.
Gadêlha, que votou contra a PEC, disse à reportagem que “a orientação da bancada vai contra o programa de Ciro para o Brasil” e afirmou acreditar na reversão do cenário dentro da legenda.
“Ciro foi coerente ao se posicionar e suspender a candidatura. Os deputados precisam mostrar que têm compromisso com o partido. Fica complicado para ele ficar na disputa, apresentar o seu plano de desenvolvimento nacional, e ter essa dissonância com a bancada”, avalia.
Para o ex-deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ), um dos articuladores da pré-candidatura do ex-ministro, Ciro apresentou “uma decisão acertada”, com grande probabilidade de levar à mudança de voto dos deputados que deram sim a proposta, e que terá efeito positivo a longo prazo.
“O defeito, quando não existe, o adversário coloca”, diz Miro, rebatendo versões como as de que Ciro estaria usando o caso como pretexto para uma saída honrosa da corrida presidencial ou de que teria feito vistas grossas para a movimentação em Brasília com o intuito de criar um fato político no dia seguinte.
“É claro que todos queremos que haja um prato de comida na mesa de quem tem fome, mas isso tem que ser discutido a partir do ponto de vista das receitas, e não das despesas”, afirma Miro.
O presidente do diretório municipal do PDT de São Paulo, Antonio Neto, emitiu nota em apoio a Ciro e disse que “a PEC dos Precatórios é uma explícita chantagem do Executivo contra o Parlamento”.
“Ciro mostrou, mais uma vez, que sua coerência é inegociável e que jamais irá se omitir nem ser sócio dos erros, por mais que doa. Espero que a coragem de Ciro sensibilize outros presidenciáveis a fazer o mesmo, ajudando o Parlamento a derrotar essa medida vergonhosa”, afirmou Neto.