RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Com a compra da Gaspetro, subsidiária da Petrobras para o setor de gás natural, o grupo Cosan passará a ter participação em cerca de dois terços do volume total de gás natural distribuído no país, cenário que gera queixas de concentração excessiva por grandes consumidores e especialistas.
O mercado teme também que o processo desencadeie um retrocesso no modelo proposto pela nova Lei do Gás, aprovada em março, que incentiva a desverticalização do setor, limitando a participação de uma empresa em variadas etapas da cadeia de suprimento.
“O novo mercado de gás significa pluralidade de agentes, muitos agentes na oferta, muitos na demanda, gerando competição”, diz Adrianno Lorenzon, gerente de Gás Natural da Abrace (Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia). “A concentração em algum dos lados vai gerar distorção que impede a competição.”
A operação, de R$ 2 bilhões, foi anunciada na última quarta (28). Por meio de sua controlada Compass Gás & Energia, a Cosan se comprometeu a comprar a fatia de 51% da Petrobras na Gaspetro, empresa que tem participação em 19 distribuidoras estaduais de gás canalizado. O restante pertence à japonesa Mitsui.
A Compass é hoje dona da Comgás, maior distribuidora de gás encanado do país, com venda média em 2021 de 15,6 milhões de metros cúbicos por dia, segundo boletim mensal divulgado pelo MME (Ministério de Minas e Energia).
Ao adquirir a Gaspetro, amplia sua atuação para todas as regiões do país, entrando em distribuidoras que movimentam 31,3 milhões de metros cúbicos por dia. Passará, portanto, a participar da gestão de empresas com vendas de 46,9 milhões de metros cúbicos por dia.
O volume representa pouco mais de dois terços de todo o gás natural movimentado por distribuidoras de gás canalizado no país. Se confirmada a operação, apenas seis distribuidoras estaduais não terão participação da Cosan.
Críticos da operação dizem que o movimento cria um comprador de gás com grande poder de mercado num momento em que o setor incentiva a diversificação de supridores, com a aprovação da Lei do Gás e a saída gradual da Petrobras após acordo com o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).
“Sairemos de um modelo de um ofertante dominante para um demandante dominante, ou seja migrando de um monopólio para um monopsônio”, diz o consultor Marcio Balthazar, da NatGas. “Cadê o Cade?”, questiona.
O órgão de defesa da concorrência chegou a manifestar insatisfação com a possibilidade de entrada da Compass na Gaspetro, mas terminou por autorizar as negociações em dezembro de 2020, alegando que a análise de concentração de mercado deve ser feita após a operação.
Em nota divulgada na quinta (29), a Petrobras diz que o negócio depende ainda de aprovação dos órgãos competentes, o que inclui o Cade. Depende também de exercício ou não do direito de preferência que a Mitsui tem sobre as ações.
A expectativa do mercado, porém, é que a Mitsui não exerça esse direito. Pelo contrário, executivos do setor não descartam a possibilidade de que a japonesa ofereça também sua fatia na empresa.
Além disso, o setor de distribuição de gás deve passar por uma onda de privatizações, o que abre a possibilidade de que a Compass tenha controle ainda maior sobre as empresas estaduais de gás encanado.
Atualmente, o processo mais avançado é o da Sulgás, do Rio Grande do Sul, cujo projeto foi elaborado pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e está em consulta pública. A Gaspetro tem 49% dessa empresa, com o governo gaúcho controlando a fatia restante.
Fontes do setor de transporte alertam ainda para o risco de verticalização da cadeia, já que a Compass atua também como vendedora de gás natural. A empresa tem planos de construir um terminal de importação do combustível e um gasoduto ligando o pré-sal ao litoral paulista.
Na quarta, o governo João Doria (PSDB) publicou decreto que determina a interconexão das concessões de gás do estado e permite que as concessionárias acessem instalações de importação e produção de gás, sem necessidade de passar pela malha de transporte do combustível.
Assim, a Compass poderia importar gás e transportá-lo diretamente até o consumidor final. Com a compra da Gaspetro, ela assumirá também a Gas Brasiliano, concessionária que atende o oeste paulista, verticalizando o suprimento para quase todo o estado.
Para o setor, a proposta vai contra os preceitos da lei do gás, que impede que a mesma empresa opere no transporte e na distribuição, restrição que levou o Cade a impor prazos para que a Petrobras vendesse suas participações no transporte e na distribuição do combustível.
A interconexão em São Paulo está no projeto de renovação da concessão da Comgás, que pode dar mais 20 anos à Compass na companhia. O contrato atual vence em 2029 e a proposta de prorrogação foi discutida em audiência pública na sexta (30).
Procuradas, a Cosan e a Compass não quiseram se manifestar sobre o assunto.
Em nota divulgada na quinta, a agência de classificação de risco S&P avaliou que a aquisição não terá impactos na alavancagem da Cosan, já que a empresa vem apresentando bons resultados ´com a própria Comgás e com outros negócios, como a distribuição de combustíveis.
“A aquisição está alinhada com a estratégia de longo prazo da Cosan de fortalecer sua posição no mercado de gás natural no Brasil, que também inclui o investimento em andamento em um terminal de regaseificação no estado de São Paulo e o projeto do gasoduto Rota 4”, disse a S&P.