Combustíveis e Inflação: de quem é a culpa?

A coluna mostra, de modo geral, algumas variáveis

Com o preço dos combustíveis e energia nas alturas, é natural a comoção social em tentar “achar” um culpado pela alta dos preços administrados no Brasil, especialmente no caso da gasolina. Há quem culpe a supostamente excessiva cobrança do ICMS por parte dos entes federativos (Estados e Municípios). Há, também, quem queira debater sobre a política de formação de preços da Petrobras. Essa coluna vem para explicar, de maneira geral, o efeito dessas variáveis dentro da série histórica de preços em relação ao mercado internacional, os efeitos do ICMS e como o câmbio nominal tem um papel fundamental nessa história.

A política de formação de preços teve um shift no seu benchmark a partir da nova mesa diretora de 2016. A proposta consolidava a mudança nas diretrizes administrativas e inferência política dentro da empresa, buscando recuperar o valor de mercado deteriorado da Petrobras durante a crise econômica de 2014-16 e os escândalos do chamado “Petrolão”. Seguindo essa lógica, os preços, antes orientados pela conversão do câmbio nominal + custos de produção + lucro, agora são sinalizados pelo custo de oportunidade de venda em mercado externo, que reflete custos de frete, transporte, refino, etc.

É importante citar que, devido ao passivo circulante da empresa, havia uma necessidade de recuperação da estabilidade do balanço da mesma, tornando ainda mais difícil a adoção de uma política de preços mais “crua”. Os resultados de eficiência e mercado notavelmente ergueram a empresa do buraco em que estava, mas será que os preços praticados pré-2016 realmente “não se rendiam ao rentismo de mercado” (para parafrasear caricatamente os críticos da nova política)?

Fonte: ANP

Perceba que, por mais que a política de preços fosse outra, o valor dos combustíveis praticados no mercado brasileiro seguia alinhado com o praticado internacionalmente, tendo, em alguns momentos, estado abaixo ou acima do resto do mundo. A resposta para isso mora no câmbio nominal. Entre 2003 e 2006, a valorização do câmbio neutralizava as altas no preço do barril em dólares. Em termos simples: mesmo que o barril subisse em dólares, a apreciação da moeda doméstica (BRL) mais que compensava esse choque. Veja no gráfico abaixo que, mesmo com o preço do petróleo dobrando, o período registrou alta de apenas 25% dos combustíveis em reais:

Foto: ANP

Agora se estendermos a discussão para o atual momento, vemos um cenário completamente diferente. Há uma digna razão social ao criticar a atual política de benchmark, mas deve-se compreender que nem tudo são flores quando há, simultaneamente, um choque de preços no petróleo e no câmbio nominal. O período atual tem o fator de altíssima desvalorização da nossa moeda doméstica e desancoragem de expectativas, o que torna o primeiro muito mais complicado de ser resolvido. Perceba que, mesmo não havendo muita alteração no preço em dólares, o câmbio nominal “arrastou” toda a inflação, via pass-through, para o preço dos combustíveis: 

Fonte: ANP

Por fim, podemos falar do ICMS e outros impostos sobre o preço final da Petrobras. A dificuldade em abordar uma proposta de redução de alíquota desse tributo é enorme, pois o imposto é função direta e fundamental da composição das receitas correntes de Estados e Municípios, então vamos deixar essa discussão para ser elaborada depois. O que posso pontuar, de fato, é que não houve nenhuma alteração nas referências desses tributos em anos.

Em termos simples, a alíquota do ICMS não sofreu alterações marginais (para mais ou para menos) durante a pandemia e/ou o atual Governo e não há lógica em responsabilizar entes federativos pela alta dos combustíveis. Se não há alterações marginais, o imposto não tem como estar correlacionado com a variação marginal do preço final praticado (sim, simples assim!). Fica como observação a decomposição dos preços da gasolina por Estado: 

                                           

Fonte: Petrobras

Enfim, há razões e custos sociais para a discussão de uma política de preços justa, mesmo que o autor dessa coluna não acredite em uma solução nesse quesito. Há uma certa demonização e politização em torno da decisão técnica tomada em 2016, trazendo o elemento apelativo e fora da zona estatística dos argumentos nesse debate. É muito mais complexo do que se pensa recuperar uma empresa do tamanho da Petrobras e muito mais complicado lidar com as questões políticas dentro das decisões.

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