BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A comissão especial que analisa as mudanças no serviço público aprovou nesta quinta-feira (23) o texto-base da reforma administrativa.
Apresentada pelo governo Jair Bolsonaro para endurecer as regras do funcionalismo, a proposta acabou por manter previsão de estabilidade a todos os servidores, ainda que com possibilidade de demissão por desempenho insuficiente, e com dispositivo que estipula corte de salário em até 25% em caso de crise fiscal.
O texto-base foi aprovado por 28 votos a 18. Os deputados ainda precisam votar sugestões de modificações à proposta.
Ao final desta etapa, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) segue para o plenário da Câmara dos Deputados, onde precisa do apoio mínimo de 308 dos 513 deputados, em votação em dois turnos, para ser aprovada. Se passar, o texto irá ao Senado. Lá são necessários os votos de 49 dos 81 congressistas, também em votação de dois turnos.
Para afastar qualquer risco de derrota, partidos da base do governo trocaram membros da comissão e os substituíram por deputados favoráveis à reforma.
Inicialmente, o colegiado era composto por 34 membros. O número foi ampliado para 47 ao longo das atividades, de acordo com o presidente Fernando Monteiro (PP-PE).
Com bancada de oito deputados, o Novo, defensor das mudanças no serviço público, conseguiu emplacar quatro integrantes entre os titulares do colegiado e três entre os suplentes.
O PL também trocou integrantes e colocou na comissão, por exemplo, o deputado Giovani Cherini (RS), conhecido defensor do governo.
A mudança surtiu efeito. Na noite desta quarta-feira (22), um requerimento para retirada de pauta recebeu 22 votos contrários e 19 favoráveis. Nesta quinta, o placar foi muito mais amplo: 31 votos contrários e 15 favoráveis.
Dois deputados mudaram de voto em relação ao dia anterior: Valtenir Pereira (MDB-MT) e Gastão Vieira (PROS-MA). Antes favoráveis à retirada da PEC de pauta, eles votaram contra a possibilidade nesta quinta.
O relator, Arthur Maia (DEM-BA), promoveu uma série de mudanças em relação ao texto aprovado na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça). Ele retirou dois tipos de vínculos previstos na PEC original: o por prazo indeterminado e o de experiência como etapa de concurso público.
Maia, em seu parecer, definiu que todos os servidores públicos terão direito à estabilidade após cumprirem três anos de estágio probatório.
Os novos entrantes poderão perder o cargo caso tenham avaliação de desempenho insuficiente, em análise que será feita em plataforma digital e contará com a participação do usuário do serviço público.
Segundo o texto, com duas avaliações insatisfatórias consecutivas ou três intercaladas, no período de cinco anos, haverá necessidade de apurar a responsabilidade do servidor por seu desempenho.
O parecer indica que esses períodos “asseguram a constatação do fracasso de medidas corretivas obrigatoriamente implantadas após um primeiro resultado negativo”.
O servidor com avaliação insatisfatória poderá ter o desempenho reavaliado por uma instância revisora. Há ainda a possibilidade de reintegração se uma decisão judicial invalidar a perda de cargo, ainda que não exista vaga.
A PEC também prevê a perda de cargo se o posto for extinto por ter se tornado desnecessário ou obsoleto. Esse servidor terá direito a indenização de um mês de salário por cada ano de serviço.
Se for criado cargo com atribuições idênticas ou similares às do posto cargo extinto em até cinco anos a partir da perda do cargo, o servidor poderá ser reintegrado, mesmo que não exista vaga.
O relator estabeleceu a redução transitória de jornada de trabalho em até 25%, com corte de remuneração correspondente. Isso, no entanto, só poderá ocorrer em caso de crise fiscal, “como alternativa em relação à adoção de outra mais drástica, o desligamento de servidores efetivos”.
Inicialmente, com a articulação do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), Maia havia concordado em retirar um artigo visto pelos partidos de esquerda como uma possibilidade de privatização de serviços públicos.
O dispositivo prevê que União, estados e municípios poderiam, “na forma da lei, firmar instrumentos de cooperação com órgãos e entidades, públicos e privados, para a execução de serviços públicos, inclusive com o compartilhamento de estrutura física e a utilização de recursos humanos de particulares, com ou sem contrapartida financeira”.
Na avaliação da oposição, o artigo permite o compartilhamento de pessoal e estrutura física do governo com a iniciativa privada sem contrapartida definida por lei. O texto impede que isso seja feito com atividades privativas de cargos exclusivos de estado.
“O 37-A permite terceirizar todo serviço público não abrangido pela estabilidade dos servidores. Noventa por cento passível de terceirização. Vai acabar com o serviço público”, critica o deputado Fábio Trad (PSD-MS).
Uma desavença entre oposição e o relator durante a comissão na noite desta quarta-feira, porém, fez com que Maia devolvesse o artigo a seu parecer.
Além disso, o deputado voltou atrás e ampliou novamente para dez anos o prazo máximo de vigência de contratos temporários –na versão anterior, eram seis anos.
O processo seletivo será impessoal e simplificado, e não poderá ser firmado novo contrato com o mesmo contratado em menos de dois anos a partir do fim do contrato anterior.
Se a contratação temporária buscar atender a necessidades decorrentes de calamidade, de emergência associada à saúde ou à incolumidade pública ou de paralisação de atividades essenciais, não será necessário realizar processo seletivo. Nesse caso, o contrato terá prazo máximo de dois anos.
Para atender aos partidos de centro-direita, Maia ampliou o escopo de atingidos por cortes de privilégios.
Agora, as limitações abrangem ocupantes de cargos, de empregos ou de funções públicas da administração pública direta e indireta, no âmbito de qualquer dos Poderes da União, dos estados e dos municípios, assim como ocupantes de cargos eletivos e membros dos tribunais e conselhos de contas.
Eles não poderão ter férias em período superior a 30 dias em um ano, serão proibidos de ter adicionais por tempo de serviço, aumento de remuneração ou de parcelas indenizatórias com efeitos retroativos, licença-prêmio e aposentadoria compulsória como modalidade de punição.
Não terão direito também a progressão ou promoção baseadas exclusivamente em tempo de serviço e a parcelas indenizatórias sem previsão de requisitos e critérios de cálculo definidos em lei.
O texto diz que empregados da administração pública direta, autárquica e fundacional, de empresas públicas, sociedades de economia mista e de suas subsidiárias terão o vínculo automaticamente extinto e serão aposentados compulsoriamente ao completar 75 anos.
Maia cedeu à pressão de profissionais de segurança pública e, na PEC, identificou entre as carreiras que devem ser consideradas típicas de Estado os policiais federais, civis, penais, peritos oficiais encarregados da execução de perícia criminal, policiais legislativos, guardas municipais, agentes de trânsito e agentes socioeducativos.
Também são consideradas carreiras típicas de Estado as que exerçam diretamente atividades finalísticas voltadas à manutenção da ordem tributária e financeira, à regulação, à fiscalização, à gestão governamental, à elaboração orçamentária, ao controle, à inteligência de Estado, ao serviço exterior brasileiro, à advocacia pública, à defensoria pública e à atuação institucional do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, incluídas as exercidas pelos oficiais de Justiça, e do Ministério Público.
O texto diz que servidores cujas atribuições sejam complementares ou de suporte não poderão ser considerados típicos de Estado.
Maia incluiu em seu parecer dois dispositivos que dão à União a competência de editar medidas provisórias que tratem da criação e extinção de cargos públicos, concurso público, critérios de seleção, estruturação de carreiras, política de remuneração, concessão de benefícios e gestão de desempenho.
Ele também poderá enviar MPs sobre contratação temporária, o que, na avaliação da oposição, daria brecha para ampliar esse tipo de contratos.
Maia ainda mudou um entendimento para permitir a apresentação de destaque no plenário para incluir outros Poderes na reforma.
Na semana passada, ele utilizou uma nota da mesa diretora que considerava inconstitucional a inclusão de outros Poderes para tornar inadmissível a apresentação de destaques para ampliar o efeito da reforma.
Agora, conforme acordo, será possível apresentá-los no plenário –DEM e PSDB já sinalizaram que pretendem incluir Judiciário e Ministério Público no texto. A medida tem o apoio do Cidadania e do Novo, por exemplo. Nesta quinta, o relator afirmou que, no plenário, vai votar a favor da inclusão do Judiciário na reforma. “Meu voto será sempre pela inclusão de todos”, afirmou.
Na reunião, Maia defendeu ainda que o texto aprovado nesta quinta era uma construção do Legislativo, e não o projeto do governo. “Nós avançamos em manter todos os direitos dos servidores públicos”, disse. “Expectativas de direito foram todas elas preservadas. Todas. Essa PEC não atinge nenhum servidor na ativa no dia de hoje.”