SÃO JOSÉ DOS CAMPOS E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quando pensa em agroecologia, a professora Solange Struwka, da Universidade Federal de Rondônia (Unir), em Porto Velho, fala logo do protagonismo das mulheres.
“São elas que acabam puxando os trabalhos ligados aos pomares, aos quintais, ao cuidado com as sementes. Elas que foram mantendo as práticas, conhecimentos, materiais genéticos e o domínio teórico, que não está sistematizado.”
Na Amazônia, Struwka acompanha um grupo dedicado ao plantio agroecológico de mais de 200 famílias, numa região considerada crítica, pelo avanço das lavouras de soja, que recebem agrotóxicos despejados de aviões. “Agroecologia é respeito à natureza e às pessoas, é divisão justa do trabalho, é um projeto de sociedade, muito diferente desse modelo do agronegócio”, diz.
A definição de agroecologia compreende tanto um campo de estudo na ciência quanto movimento social e práticas agrícolas.
Na literatura científica, o termo foi usado pela primeira vez na década de 1930 pelo agrônomo russo Basil Bensin (1881-1973) para descrever o uso de métodos ecológicos na pesquisa de espécies comerciais ?como uma aplicação da ecologia na agricultura.
O conceito evoluiu. No Brasil, estudiosos ressaltam que o termo envolve várias disciplinas científicas para a criação de sistemas alimentares sustentáveis. Não apenas isso: define ainda uma estratégia de mobilização que considera aspectos éticos e sociais na produção de alimentos, para além dos ambientais.
“A agroecologia integra a ciência, mas está na base das organizações sociais”, explica Isabel Cristina da Silva, agrônoma e parte da diretoria da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA). “Estão na sua raiz a reforma agrária, o direito aos territórios e à qualidade de vida, as comunidades tradicionais, o respeito às diversidades”, complementa.
O conceito não se resume ao cultivo orgânico. “Não adianta só deixar de usar glifosato. Se o sistema continua violento, se a produção continua impactando de outras formas a sociedade, não é agroecologia”, diz a especialista.
Essa compreensão sempre esteve na vida da produtora Cleide Passos, segundo ela, que precisou abandonar o passado às margens do rio Madeira, em Rondônia, devido a construção de uma barragem.
“Eu já praticava agroecologia, só não sabia que esse era o nome”, afirma.
Hoje, Cleide coordena um grupo de mulheres em Candeias de Jamari, em Rondônia. “Botar a mão na terra, saber que aquilo vai alimentar teus filhos, sua família e, depois, outras pessoas, faz com eu tenha vontade de trabalhar, de unir a agricultura familiar e agroecológica para alimentar o campo e a cidade.”
Também no bioma amazônico, pesquisadores da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso), em Sinop, apoiam uma iniciativa agroecológica com assentados.
A principal fonte de financiamento do projeto, batizado ??Do Campo à Mesa?? e aprovado no programa REED+For Early Movers (REM), vem do banco alemão KfW.
“A gente enfrenta muita resistência aqui”, diz a pesquisadora Rafaella Arantes Felipe, que coordena o grupo. “Trabalhamos com os produtores, ajudamos no treinamento e a escoar a produção. Eles levam o conhecimento adiante e resistem, cuidando da saúde do solo, em meio a tanto cultivo com agrotóxico”, afirma.
A milhares de quilômetros dali, na Zona da Mata alagoana, a história de Edcleide da Rocha Silva, em União dos Palmares, não é diferente. O assentamento onde sua família cultiva os alimentos faz fronteira com tradicionais e extensas lavouras de cana-de-açúcar que também recebem pulverização aérea de produtos químicos.
“Em apenas um hectare, minha família planta com bastante diversidade. Nos alimentamos com nossas frutas, verduras e raízes, vendemos nas feiras e ainda doamos em ações de solidariedade”, diz a agricultora.
“A mão que planta não pode produzir violência, seja contra criança, seja contra mulher, seja contra a natureza”, diz Edcleide da Rocha Silva.
No quintal de Ana Correia dos Reis, 67, os pés de amora estão carregados. A colheita do fruto já começou, logo será a vez das acerolas e mangas. “Trabalho todos os dias na roça, ajudo a cuidar das plantas”, diz ela, que mora num assentamento homologado do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, MST, em São José dos Campos, a 90 km de São Paulo.
Desde que ganhou a posse da terra, essa produtora escolheu seguir os ensinamentos da agroecologia. “Sinto muito orgulho de poder oferecer essa comida sem veneno para as pessoas”.
Durante esta crise sanitária, a feira agroecológica em que Ana vendia sua produção foi cancelada. Sem condições de escoar os alimentos, ela e o filho passaram a receber ajuda de um pequeno grupo, chamado de coagricultores. Eles pagam um valor mensal para a família investir na produção e na manutenção do sítio e, em troca, recebem cestas semanais com o que é colhido.
“Eles correm o risco junto com nossa família de termos imprevistos na produção, como seca, geada e excesso de chuva. E quando a colheita é abundante, eles também se beneficiam com mais produtos”, diz o filho, Leandro Reis.
A agroecologia deveria ser pauta do Estado, defende Isabel Cristina da Silva: “No Brasil, há mais de 19 milhões de pessoas passando fome. O país precisa de políticas que promovam acesso a alimentos de qualidade e facilitem sua comercialização”.